Mário Centeno assume funções como presidente do Eurogrupo a 13 de janeiro, numa conjuntura de recuperação económica na zona euro, de redução do desemprego, estabilidade no mercado de dívida e de melhoria em todos os indicadores de confiança, mas achar que o ministro português terá um mandato tranquilo é uma ilusão.

Depois de oito anos de crise profunda, com países ainda a tentar acabar programas de ajustamento, outros marcados por anos e anos de austeridade, a abertura dos países mais ao centro e a leste é cada vez menor. Uns têm fadiga de austeridade, outros de solidariedade. Os países que sofreram mais com a crise querem mais solidariedade, os países que estiveram no centro dessas decisões (e do apoio financeiro) querem mais responsabilidade.

Como porta-voz de um grupo que é tudo menos homogéneo, Mário Centeno terá nas suas mãos a difícil tarefa de gerar e gerir consensos em matérias sobre as quais as economias da zona euro têm divergências profundas, ao mesmo tempo que tenta promover a sua agenda de aprofundamento da União Económica e Monetária.

Uma coisa é certa, terá nas mãos temas tão importantes quanto complexos, e a sua vida nos próximos dois anos não será fácil. Um a um, conheça os dez grandes desafios que Centeno irá enfrentar a partir de Janeiro de 2018.

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Simplificar as regras orçamentais

É um tema sensível ao ministro das Finanças português e um dos que mais testou a relação de Portugal com Bruxelas desde que Portugal saiu do resgate, em 2014. Mário Centeno entende que a forma como a Comissão Europeia calcula atualmente o esforço orçamental que exige aos países tem uma margem de erro demasiado grande e tem levado a sérios erros, como pedir cortes demasiados grandes a países que já estão numa situação delicada, provocando danos nestas economias. Mais tarde as revisões feitas, segundo o ministro, têm demonstrado que a Comissão está errada.

Não é uma questão fácil de resolver, mesmo tecnicamente, mas Portugal – e mais um conjunto de países, especialmente do sul da Europa – têm reivindicado mudanças que simplifiquem as regras orçamentais, para que sejam mais fáceis de aplicar e mais fáceis para os governos poderem justificar a sua existência junto dos cidadãos.

O problema: também há um grupo de países que não quer mudar as regras e defende que estas defendem ser aplicadas à risca. São oito países, e à cabeça está a Alemanha, um dos mais ortodoxos e poderosos países do Eurogrupo. Para já, em Bruxelas não se tem visto grande abertura dos países para negociar mexidas, mas o tema será abordado em breve pela Comissão Europeia.

Fundo Único de Resolução

Desde a criação do desenho inicial da União Bancária que está previsto que uma das suas três pernas seja um fundo de resolução europeu comum a todos os países. No entanto, os países estão, mais uma vez, divididos entre aqueles que querem mais solidariedade e os que querem uma maior redução do risco.

Mais uma vez, a Alemanha está à cabeça dos países que não quer partilhar recursos para salvar bancos noutros países, argumentando que os restantes parceiros têm de fazer mais e devem perfazer a capacidade dos seus próprios fundos de resolução antes de se falar de um fundo comum.

A solução para este fundo com dinheiro para resolver bancos, ou seja, para fechar de forma controlada bancos que estão em vias de ir à falência, pode passar no curto prazo pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que já no passado financiou a estabilização do sistema financeiro espanhol. A Comissão também deverá fazer propostas sobre este tema em breve.

Sistema Europeu de Garantia de Depósitos

Se o fundo resolução comum é um tema espinhoso, esta terceira perna da União Bancária é o ainda mais. Mais uma vez, há uma grande oposição da Alemanha – mas não só – a que os esquemas de garantia de depósitos dos Estados-membros sejam fundidos num só, argumentando também aqui que os alemães fizeram o seu trabalho de casa e que os restantes países devem fazer o mesmo.

A federação de bancos regionais e o banco central alemão estão completamente alinhados na oposição a esta ideia, pelo menos para já, mas como em tudo na política europeia, o segredo está no que se ganha em troca.

Um Fundo Monetário Europeu

É a área onde parece haver um maior consenso. Nos tratados europeus que levariam à criação da União Económica e Monetária já estava prevista a criação de uma espécie de Fundo Monetário Europeu, mas a ideia nunca avançou.

Depois de uma profunda crise que a Europa ainda está a tentar ultrapassar, que obrigou aos resgates de países como a Grécia (já vai no terceiro), da Irlanda, de Portugal, de Chipre, da Roménia, da Espanha (apenas para o setor bancário), e de todos os erros cometidos pelas troikas que aplicaram os programas desses países, o Mecanismo Europeu de Estabilidade deverá assumir esse papel.

Esse fundo de resgate do euro precisará naturalmente de passar por algumas mudanças e estudar de forma mais profunda os instrumentos que pretende criar para ajudar os países em caso de crise, e dificilmente os seus empréstimos terão as mesmas condições financeiras que aplica atualmente à Grécia, Irlanda e Portugal.

Ainda há muitas arestas por limar, mas pelo menos a escolha do Mecanismo para desempenhar esse papel estará a ser bem recebida entre os vários países do euro.

Será desta que acaba o programa grego?

Na primeira metade do próximo ano, o terceiro programa chega ao fim. Pelo menos é essa a expetativa. A situação na Grécia está longe de ser ideal e há ainda muito por fazer para que o Governo grego consiga o ‘ok’ final da troika para fechar a terceira revisão – em mais de dois anos –, mas a economia grega está a crescer, os juros que os investidores estão a exigir para comprar dívida grega estão a descer e os resultados orçamentais têm sido positivos.

Dito isto, certamente será o Eurogrupo a decidir se a Europa deve oferecer à Grécia um empréstimo cautelar para a eventualidade do seu regresso ao mercado não correr tão bem, e os membros dos países mais conservadores estão muito relutantes em prolongar um apoio que já dura há oito anos e sem grandes resultados.

Mário Centeno terá de conseguir conciliar a sua própria visão em relação aos erros dos programas da troika com o seu papel de porta-voz de um Eurogrupo que é maioritariamente conservador e que só quer que este tema acabe.

E os ministros aceitam discutir mais uma reestruturação da dívida grega?

Os ministros prometeram falar sobre o tema, mas não mais que isso. A Grécia prometeu cumprir o programa, desde que fosse mais que uma conversa. Aqui o distanciamento de posições é muito maior. Mário Centeno disse várias vezes em Portugal que iria entrar nesta discussão, quando e se ela fosse colocada a nível europeu. Ela já foi colocada e nessa altura o ministro português nada disse.

Agora, como presidente do Eurogrupo, Mário Centeno não terá outra opção senão discutir o tema, sendo que a maior parte dos países que compõe este grupo informal de ministros já disse publicamente que não quer sequer ouvir falar sobre isto.

A verdade é que a dívida pública grega, mesmo depois da reestruturação da dívida pública detida apenas por privados levada a cabo em 2012, é superior a 170% do PIB grego, quando os critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento exigem que esta não passe os 60%.

A grande diferença do timing da discussão é que, nesta altura, são os países e as instituições – entre as quais o FMI e o Banco Central Europeu – os principais credores da Grécia. Ou seja, as perdas, de uma maneira ou de outra, seriam pagas do bolso de cada um dos países.

Mecanismo de estabilização macroeconómica

Como e quando responder, que tipo de crises devem ter resposta, onde deve ser usado o dinheiro e quem paga a fatura. Tudo em aberto para já. A expetativa é que seja proposta a criação de uma espécie de fundo que permita estabilizar as economias face a certo tipo de choques.

A ideia é que, como se viu durante a crise, o BCE não pode responder a crises nos países individualmente, por isso é necessário que haja forma de responder a estas crises, mas sem repetir os erros cometidos pela troika no passado.

Como será feito? Ainda teremos de esperar para ver, mas tudo o que implicar países do centro e leste a meter dinheiro do seu próprio bolso e este ser usado por países mais a sul, tem uma forte oposição dentro do Eurogrupo.

Um orçamento para a zona euro

A expetativa é que a Comissão apresente esta quarta-feira uma proposta sobre a sua ideia para o orçamento para a zona euro. Como em tudo, o diabo está nos detalhes, e isso pode determinar se tem capacidade para avançar, ou se é uma proposta morta antes de nascer. Fala-se da possibilidade de ser um orçamento dentro do orçamento da União Europeia, mas isso daria poder de veto a países fora da zona euro.

A finalidade deste orçamento também ainda está em discussão. Poderia ser uma forma de centralizar, e conseguir economias de escala, os gastos com certos bens como a defesa, luta contra o terrorismo, alterações climáticas ou controlo fronteiriço.

Todos estes são desafios comuns da zona euro. Mas mais uma vez, se implicar contribuir com mais dinheiro dos orçamentos nacionais, dificilmente terá apoio entre uma boa parte dos países do euro.

Um czar das finanças do euro

Esta será provavelmente a mais fácil de se resolver. Até porque, para que existisse esta figura, teria de ser criado primeiro o orçamento para a zona euro e reforçadas as regras orçamentais, algo muito difícil de acontecer.

Mário Centeno poderá ainda assim ser o último ou um dos últimos presidentes do Eurogrupo que ainda dividem o seu tempo com as finanças nacionais. A criação de um presidente permanente, à semelhança do que acontece com o grupo de trabalho do Eurogrupo, é uma ideia que agrada a muitos ministros, como forma de evitar a turbulência constante e os problemas eleitorais. Mas a ideia agrada ainda mais a Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos, que há muito que anda numa suave campanha para que seja este comissário a assumir esse lugar.

Um Eurogrupo mais transparente e oficial

Há muito que o carácter informal do grupo que reúne os ministros das Finanças do euro se tornou uma questão. Antes do período de crise, este grupo não tinha grande atenção ou destaque, mas com a turbulência na Europa, praticamente todas as decisões importantes passaram a ser tomadas no Eurogrupo.

O problema? O Eurogrupo é quase como se não existisse. Ou seja, a sua existência está consagrada nos tratados, que prevê apenas que este grupo se reúne e que o mandato do seu presidente é de dois anos e meio. Mas como se trata de um grupo informal, os ministros das Finanças que o compõem têm definido as regras consoante entendem.

Ao contrário do Ecofin – onde se reúnem os ministros das Finanças dos 28 países da União Europeia -, o Eurogrupo não é escrutinado no Parlamento Europeu, não há atas das suas reuniões, nem toma decisões formais. Isso dá a estes ministros a possibilidade de negociar e fazer acordos de forma pouco clara, que são ratificados no dia seguinte num órgão formal, o Ecofin, sem qualquer discussão.

Foi durante a crise grega que estas práticas estiveram mais em evidência e houve até a abertura do atual presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, para que se passassem a fazer atas, mas, neste caso, a intenção nem sequer chegou ao papel.

A responsabilização formal, a fiscalização institucional e o aumento da transparência de forma geral estão previstos nas propostas da Comissão Europeia para o futuro do Eurogrupo, mas num calendário em que a discussão não começaria antes de 2020.

Mário Centeno ainda vai ter de discutir esta questão durante o seu mandato e, mais uma vez, terá a difícil tarefa difícil de gerir posições muito divergentes e tentar fazer com que estas se aproximem o suficiente para que as mudanças sejam aplicadas.