Pedro Borges de Lemos, advogado e membro da comissão política da concelhia do CDS de Lisboa — que encabeça uma corrente informal de opinião dentro do partido –, não descarta a hipótese de vir a desafiar a liderança de Assunção Cristas já no próximo congresso dos democratas-cristãos, em março de 2018. A tendência quer começar a crescer: a 9 de dezembro, o centrista vai juntar cerca de 100 militantes num jantar em Matosinhos para promover o movimento.

Em declarações ao Observador, o rosto deste movimento chamado CDS XXI assegura que está já a reunir apoios no interior do partido e não descarta a hipótese de vir a formalizar a tendência — uma possibilidade prevista pelos estatutos do partido. Atualmente, a única oposição interna formalizada é a Tendência Esperança em Movimento, subscrita por cerca de 400 militantes e liderada por Abel Matos Santos. Em breve, a crer nas palavras de Borges de Lemos, poderá não ser a única alternativa à linha de Assunção Cristas.

“O nosso movimento conta já com algumas centenas de apoiantes, entre militantes do CDS e independentes, sobretudo a norte do país. No jantar de 9 de dezembro, vamos ter Nuno Cardoso [ex-presidente da Câmara do Porto] e António Vilar [ex-deputado e antigo líder da distrital do PSD do Porto] como oradores. O objetivo deste jantar é ouvir as pessoas e reunir apoios para nos tornarmos uma verdadeira força alternativa à atual direção, que não está a defender a matriz democrata-cristã que está na génese do partido“, explica o advogado.

As críticas a Assunção Cristas são muitas. Para Pedro Borges de Lemos, a líder do CDS sofre do pecado original de ter sido eleita como “nepote” — palavra da família de nepotismo — como protegida, de Paulo Portas, num congresso em que não teve praticamente adversários. “Ainda tive a esperança que Cristas fosse capaz de renovar o partido, mas falhou redondamente“.

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Desde aí, continua o democrata-cristão, Cristas tem sido um somatório de “incoerências” que têm alimentando a indefinição do partido em torno de um projeto alternativo ao Governo socialista. “A atual direção está a matar o projeto humanista de Adelino Amaro da Costa”, acusa.

Pedro Borges Lemos esforça-se depois por apontar várias incoerências à líder do partido. “Em 2010, votou contra o casamento homossexual só para cumprir o programa do partido, mas é a favor; em 2017, faltou à votação da lei de gestação de substituição [vulgo barrigas de aluguer]; defende a igualdade de género, mas usou o véu islâmico durante a sua visita à mesquita de Lisboa — não se consegue perceber”, diz o democrata-cristão.

O promotor do CDS XXI continua: “Assunção Cristas votou favoravelmente a lei das quotas [de género em empresas], esquecendo-se que o CDS é contra a centralização do Estado e que isto representa uma intervenção direta na vida das empresas; quando era ministra aprovou a lei que aumenta as rendas dos bairros sociais e agora diz-se muito preocupada com os bairros sociais; acabou com a isenção das taxas moderadoras para bombeiros e agora defende a criação do cartão social do bombeiro; autorizou a plantação de eucalipto e depois apresentou uma moção de censura ao Governo por causa dos incêndios. Assunção Cristas não pode ser uma cata-vento”, acusa o dirigente do CDS.

Mas são sobretudo as questões relacionadas com os valores que mais o distanciam da atual da direção do partido. “Ainda há tempos, ouvimos a deputada Isabel Galriça Neto a admitir um referendo sobre a eutanásia. A vida não é referendável. A vida defende-se. Se não é o CDS a defender isso, que partido é que defende?”, questiona. “Aliás, o CDS tem neste momento um vice-presidente, Adolfo Mesquita Nunes, que é pró-escolha no aborto, pró-casamento homossexual e pró-adoção por casais do mesmo sexo. São posições públicas…”, sugere, para reforçar a tese de que o partido está divorciado da sua matriz originária.

“Estou preparada para dizer aos portugueses que sou capaz de ser primeira-ministra”

O divórcio com o PSD e a aproximação ao PS

Pedro Borges de Lemos critica também aquilo que diz ser a incoerência de Assunção Cristas em relação ao posicionamento político do CDS no tabuleiro político-partidário. “Em setembro, uma fonte do CDS disse ao jornal Sol que o partido admitia governar com o PS. Em entrevista ao Observador, Assunção Cristas disse que estava preparada para ser primeira-ministra. Agora, em entrevista à Antena 1, admitiu governar de novo com o PSD. Onde é que fica aqui a coerência? Não pode dar esta imagem de cata-vento”, critica.

O representante do movimento CDS XXI defende que o “CDS deve afirmar-se como partido de Governo, autónomo, e sem ser bengala de ninguém”. No futuro, continua, e adivinhando uma eventual vitória do PS sem maioria absoluta nas próximas legislativas, o CDS deve estar numa posição de se afirmar como parceiro mais sólido para formar um Executivo ao centro.

“O PS não vai ter maioria absoluta em 2019, mas vai ter um resultado que permite governar sem um dos dois parceiros de esquerda. O PCP nunca aceitaria. Resta o Bloco de Esquerda. O CDS deve por isso procurar uma aproximação ao PS no âmbito de um programa de salvação nacional, mostrar-se disponível, para que o PS não diga depois que não tinha alternativa a não ser governar com o Bloco de Esquerda”, avisa.

Uma ponte cujos pilares Assunção Cristas está a detonar, acusa Pedro Borges de Lemos, lembrando as palavras de António Costa no último debate quinzenal — o primeiro-ministro afirmou que não via a mínima possibilidade de iniciar conversações com o CDS de Assunção Cristas. “Esta linha de rutura total com o PS é prejudicial para o CDS e, sobretudo, para os portugueses”, insiste.

Acusando o CDS de Paulo Portas — e por arrasto de Assunção Cristas e de muitos atuais dirigentes do CDS que fizeram parte do anterior Governo — de se ter “colado muito à direita neo-liberal, encostando-se completamente ao PSD”, Pedro Borges de Lemos defendeu que Cristas continua sem devolver o partido ao centro-direita. “Está num limbo, mais preocupada com a sua campanha de promoção pessoal do que com o partido“, repete.

“Daí a importância de sermos autónomos em relação a todos os partidos, incluindo o PSD. Rui Rio e Pedro Santana Lopes já perceberam que o espaço ao centro está vazio e estão determinados a ocupá-lo. E isso é um risco muito grande para o CDS“, alerta Pedro Borges de Lemos.

Quanto ao futuro de Assunção Cristas à frente do partido, o democrata-cristão reserva-lhe um desafio. Quando confrontado com as declarações da líder do CDS ao Observador, quando disse estar preparada para ser primeira-ministra, Borges de Lemos avisa: “Assunção Cristas demonstra um grande pretensiosismo. Primeiro tem de ser reeleita líder do CDS, no congresso de 2018“.