Oliver Taco pede-nos para fecharmos os olhos e imaginarmos uma nuvem de algodão a envolver-nos os pés. Foi com essa premissa, a de caminhar como se nada nos separasse do solo, que criou a Iguaneye, uma marca que eleva a preocupação com a ergonomia do calçado a outro nível. Jungle é a sua mais recente proeza de design: uns ténis (se é que podemos descrevê-los como tal) inspirados nas tribos amazónicas que costumavam mergulhar os pés em borracha líquida para poderem proteger a pele nas caminhadas pela selva. O hábito tem tanto de ancestral como de impraticável nos nossos dias. Para recriar o conforto desta “segunda pele”, o designer francês pôs a tecnologia a seu favor, mais precisamente a impressão a três dimensões (3D).

O Iguaneye Jungle tem duas peças: uma em borracha com os formatos do calcanhar e do dedo grande do pé e a sola propriamente dita, em borracha, cortiça e com uma fina cobertura em couro que poderá vir a ser vegan, dependendo do financiamento. A sola tem ainda uma segunda versão, totalmente feita em espuma EVA (ethylene vinyl acetate), mais leve mas com a flexibilidade dos restantes materiais. Atualmente, a produção está distribuída por três fábricas no norte do país.

Oliver Taco é designer, nasceu em Paris e criou a Iguaneye em 2012 © Divulgação

O engenho levou à volta de seis anos a aguçar. Mais do que na estrutura de sapato puzzle — que faz com que as duas peças encaixem na perfeição –, é nos ganchos que agarram o pé atrás e à frente que está o segredo para estes ténis não caírem. Apesar do design inteligente e da leveza com que este calçado permite correr, saltar e caminhar, a produção depende inteiramente do sucesso da campanha de crownfunding (financiamento coletivo) a decorrer até 20 de janeiro.

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“O problema das startups com desenhos tão específicos é terem mesmo de fazer os moldes. Para poder pôr os Jungle à venda, preciso de fazer 40″, conta Oliver Taco, o designer de 40 anos que em 2012 trocou Paris pelo Porto, sem grandes hesitações.

“Nunca me imaginei com um trabalho chato. Sempre adorei sapatilhas, as texturas, as cores… Queria ser especialista nisso e em escolher os materiais. Tirei uma licenciatura em Química, mas quando percebi que não era esse o caminho fui para design”, conta Oliver, hoje com 40 anos. Passou por vários ateliês parisienses, incluindo o de PhilippeStarck, mas o amor aos ténis (ou às sapatilhas, como o léxico nortenho fez o favor de lhe ensinar) estava lá e, em 2012, levou o primeiro modelo da Iguaneye para uma plataforma de crowdfunding. Os Freshoes eram já uma primeira abordagem à ideia de calçado quase impercetível e renderam cerca de 35.000 euros no Kickstarter, o equivalente a mais de 800 pares e 583 clientes.

A Iguaneye recuperou uma velha prática das tribos da Amazónia e inspirou-se nos índios que mergulhavam os pés em borracha líquida © Divulgação

Renderam isso e um telefonema de Portugal. O contacto foi feito pela Procalçado, empresa sediada no Porto que pediu a Oliver que apanhasse um avião para vir mostrar o projeto ao vivo e a cores. Dito e feito. A proposta ficou ainda mais séria, quando a fábrica se dispôs a ajudar o empreendedor a acabar de produzir os moldes. Mais do que colaborar temporariamente com uma fábrica portuguesa, Oliver estava prestes a mudar-se com a família.

“A minha mulher já tinha vivido no Brasil durante um ano. Contei-lhe da possibilidade de virmos para Portugal e ela tinha as malas feitas no dia a seguir”, confessa. Quanto a emprego, a mesma fábrica também tratou do assunto. Durante o dia, Oliver desenhava para a marca Lemon Jelly, à noite trabalhava na Iguaneye.

Hoje, está dedicado a 100% à própria marca. Continua a ter o apoio de fábricas e fornecedores portugueses (estes últimos especialmente flexíveis no que toca a pagamentos), mas também do UPTEC (Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto). “Não sou um homem de negócios, sou um criativo. Foi difícil no início, mas agora, estar numa incubadora de startups dá-me muito mais confiança. Mesmo sem ser um business man, o meu projeto já está avançado”, afirma.

Freshoes, o primeiro modelo da Iguaneye é vendido em 63 países, produzido em Portugal e custa 69,90€ © Divulgação

Do primeiro modelo da Iguaneye, Oliver já vendeu 20.000 pares desde 2012, o que representa uma faturação de meio milhão de euros. Além da loja online, que vende sobretudo para os Estados Unidos, a marca já tem distribuidores espalhados pelo mundo. Dos 63 países para onde exporta, mais de metade da produção tem como destino o mercado japonês. Logo a seguir vem Áustria, Tailândia e República Checa, país de onde já chegou uma proposta para produzir a Iguaneye. Embora ainda não tenha tido nenhum financiamento além das campanhas de crowdfunding (a segunda ainda a decorrer), Oliver não quer deixar Portugal tão depressa.

“A ligação aos meus fornecedores é muito importante. Há ainda muita margem para a marca crescer, basta olhar para as quantidades vendidas pelos meus concorrentes. Além disso, o meu sonho sempre foi desenhar sapatilhas por isso vou continuar. Há poucos dias, os Jungle saíram na Sneaker Freaker, destacados como o ‘design mais único do mercado'”. Estou no bom caminho”, completa.

A primeira campanha de crowdfunding dos Jungle termina no dia 20 de janeiro. Se não conseguir os 50 mil dólares até lá, Oliver não vai avançar com a produção do segundo modelo da Iguaneye © Divulgação

Primeiro com os Freshoes e agora com os Jungle, Oliver quer competir com alguns gigantes do setor. Entre eles estão a Birkenstock e a Havaianas, dois produtos intemporais, transversais a estilos e alheios a tendências de moda, tal como o designer está a posicionar a Iguaneye. Mesmo com um único modelo em circulação, a empresa está a crescer. Prestes a fechar o ano, o empresário fala numa faturação de 150.000 euros em 2017.

O próximo ano será crucial. A um mês do fim da campanha no Indiegogo, a Iguaneye acumulou 20% do objetivo. A marca está nos 50.000 dólares (quase 38.000 euros) e se esse valor não for atingido a produção do “sapato puzzle” não avança para já, ficará dependente de uma segunda campanha mais proveitosa. Em 2018, Oliver quer voltar-se para a comunicação da marca. Além de feiras internacionais, as redes sociais e as relações com a imprensa são uma prioridade. Questionado sobre eventuais candidaturas a programas de apoio, o empresário não põe de parte a possibilidade. “É preciso arranjar tempo”, diz, sobretudo agora que, além de criativo, também já é homem de negócios.

*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.