Rui Rio pediu uma “lufada de ar fresco” — como “muitos pedem por aí” — e ela lá veio. Não era um novo líder para o PSD, jovem, fresco e renovado. Era apenas o ar condicionado que se ligou na sala da Associação Empresarial de Leiria, onde o candidato à liderança do PSD apresentava as “linhas de força” da moção de estratégia global com que se vai apresentar ao congresso. A lufada veio e as cerca de duas centenas de pessoas que estavam na sala aplaudiram a graçola: “A primeira lufada de ar fresco ja está”.
O prazo para apresentar a moção era apenas 2 de janeiro, mas Rui Rio quis antecipar-se ao adversário, Pedro Santana Lopes, e apresentou esta quarta-feira aquilo que diz serem as “margens do caminho que quer percorrer”. Não é um programa, como o que Santana Lopes apresentou no último dia 17 (que era um projeto de programa, na verdade), porque “o programa é suposto ser feito pelo partido como um todo”, é sim uma visão global daquilo que o candidato quer para o PSD e para o país.
E que visão é essa? Não é certamente uma “visão liberal” nem uma “visão estatizante”, essas Rui Rio “rejeita”, como começou logo por dizer no discurso de apresentação do documento. Passos Coelho foi acusado por muitos de ser demasiado liberal e de ter virado o partido à direita, e agora Rui Rio quer recentrá-lo. Quer “reposicionar o PSD no lugar que é seu: num centro político alargado que vai desde o centro-direita ao centro-esquerda, de orientação reformista e com inspiração na social-democracia e no pragmatismo social”, como se lê no texto da moção.
O que pretende em relação ao partido, explicou melhor, é “abrir o PSD à sociedade”, “trazer para dentro os melhores”. E isso não se consegue com “inscrições de fichas de militantes”. Isso é só o primeiro passo. É preciso apelar à participação e levar a cabo uma “formação política” intensiva para que cheguem os melhores, e fiquem os melhores.
Numa intervenção que foi descrita por um dos seus apoiantes com “a melhor até agora, a mais estruturada”, Rui Rio pôs o rigor das contas públicas e a estabilidade das políticas públicas no topo da lista de ingredientes necessários para pôr a economia a crescer de forma a “um dia vir a crescer mais do que a média da União Europeia”.
“Precisamos de boas políticas públicas para promover o investimento, e isso só se consegue com estabilidade: estabilidade gera confiança, que gera investimento”, disse, acrescentando a esta receita um novo ingrediente: “coerência“. “Mas estabilidade política não basta, é preciso haver coerência nas políticas, porque o que dizemos tem de bater certo com o que fazemos”, afirmou, recuando 600 anos, até à descoberta da ilha de Porto Santo no arquipélago da Madeira, para mostrar como os portugueses foram “os pioneiros da globalização”. A partir dessa base, são capazes de ter “uma economia mais competitiva” do que a que têm hoje.
Para terminar a receita económica, só faltam dois ingredientes: contas equilibradas, “e não só porque Bruxelas o exige, mas porque precisamos que assim seja“; e redução “paulatina” da despesa pública em percentagem do PIB. Ora aqui está uma “diferença” entre Rio e o atual primeiro-ministro: “Com este Governo onde é que ia o Orçamento se Bruxelas deixasse, mas comigo, se eu for primeiro-ministro, Bruxelas bem pode fazer o que bem entender”, disse, sublinhando que, se chegar a primeiro-ministro o rigor orçamental não será apenas uma exigência de Bruxelas, mas sim uma exigência sua.
Para atingir esses fins, o candidato à liderança do PSD também apontou a fiscalidade como um instrumento. Propôs uma redução de impostos para as empresas, uma das poucas propostas concretas que avançou:
Temos de olhar para a carga fiscal, não só para a carga fiscal mas a forma como a distribuímos em função dos objetivos que pretendemos, o contrário do que tem vindo a ser feito, quando, por exemplo, no Orçamento do Estado para o próximo ano de 2018 até vão aumentar o IRC em vez de o diminuir”.
Sim à descentralização (mas nem uma palavra sobre a regionalização)
“Não há nada bom num Estado centralista”, começou por dizer Rui Rio quando passou para o capítulo do Estado. E também aqui disse que a sua receita era “tão certa como dois mais dois ser quatro”. Aliás, conforme ia discursando, alegava que aquilo que dizia era tão certo como dois mais dois serem quatro. “Hoje, a governação nacional é pequena demais para resolver os grandes problemas mundiais, e grande demais para resolver os problemas do dia a dia das pessoas. P or isso, a solução é haver maior cooperação internacional para resolver os problemas que vêm da globalização, e maior descentralização para resolver os problemas do dia a dia. Penso que não é difícil de entender. Se for, então é porque dois mais dois não são quatro”.
Defendendo a descentralização com unhas e dentes, o ex-presidente da câmara do Porto pegou mesmo nos exemplos do assalto a Tancos e dos incêndios deste ano para dizer que “um Estado centralista protege menos os cidadãos, falha na capacidade de socorrer as pessoas a tempo e horas e não cuida bem daquilo que só ao Estado cabe cuidar”, disse.
Sobre a regionalização, contudo, nem uma palavra. E sobre se tenciona ou não sentar-se à mesa com o PS para fazer esta reforma, também não. Mas a verdade é que Rui Rio quer “reformas”.
Temos de fazer a reforma do Estado, reformar o Estado na forma como é governado e gerido, porque tivemos uma administração central incompetente e despesista nos últimos 20 anos, que fez com que a dívida pública mais do que duplicasse”.
Mas não se ficou por aí. Rui Rio também quer reformar o regime: a democracia. “Na vida, nada é eterno e os regimes políticos também podem ter um fim”, começou por dizer, para explicar que, enquanto “não inventarem um regime menos mau do que este”, a democracia “tem de ser revitalizada”. Como? Combatendo o afastamento entre as pessoas e a política, reforçando a confiança no sistema judicial e nas instituições, reduzindo as assimetrias territoriais, descentralizando o país. Quando apresentou as suas prioridades noutro discurso, há um mês, disse que era preciso mudar a Constituição, porque já tinha a mesma idade que a de 1933 contava em 1974.
Rui Rio. “Precisamos de um novo 25 de Abril” porque “o regime está doente”
Mas o eixo central que liga tudo isto, segundo Rio, tem de ser a “proximidade”. O PSD não se pode “divorciar” dos portugueses, tem de se aproximar, e tem de estar em sintonia com aquilo que os portugueses querem. Eis o seu trunfo final: o do voto livre. Os militantes do partido, que vão votar para escolher o sucessor de Passos Coelho, devem votar em função daquilo que é a preferência dos portugueses lá fora, pois são eles que vão votar nas eleições legislativas. “Se dissermos ‘os portugueses querem o candidato A mas somos nós que votamos, e nós queremos o B’, estamos a dificultar a tarefa futura de ganhar eleições”, disse, apelando aos militantes para não agirem ao contrário daquilo que é a preferência dos portugueses.
Parece simples, não é? Tão simples e tão certo como “dois mais dois ser quatro”.