Foi uma espécie de “estágio para o debate” desta noite (como apelidou o eurodeputado Paulo Rangel). Mas sem grande debate, já que Rui Rio e Pedro Santana Lopes mal trocaram duas palavras. E sem moderador, já que Pedro Passos Coelho não quis assumir esse papel. “Acho que não preciso de ser o moderador entre vocês”, disse, em jeito de piada, quando Santana Lopes sugeriu que se sentasse entre ele e Rio, na primeira fila da sala do CCB onde esta tarde decorreu a apresentação do livro Portugal Não Pode Esperar, orientado por Pedro Rodrigues, o ex-líder da JSD que criou há ano e meio uma corrente interna no PSD crítica do rumo então seguido por Passos Coelho.

A apresentação do livro que, segundo Pedro Rodrigues, serve como “enquadramento dos desafios que Portugal enfrentará nos próximos 30 anos”, serviu primeiro de tudo como pretexto para o PSD reunir na mesma sala o seu passado, o seu presente, e o seu futuro. E o ambiente não podia ter sido mais… peculiar.

Com a expectativa de o atual líder e os dois candidatos se cruzarem, todos os rostos olhavam ansiosos à volta nos minutos que antecederam a chegada dos mais aguardados: quem chega primeiro? Quem cumprimenta quem? Quem espera pelo atual presidente do partido? Quem sobe as escadas na entourage de quem? A menos de dez dias das eleições internas que vão decidir quem é o próximo líder do PSD, tudo conta para medir o pulso a um PPD/PSD (como diria Santana Lopes) dividido ao meio.

Foi Rui Rio quem chegou primeiro. No hall do centro de reuniões do CCB já alguns deputados, militantes e dirigentes social-democratas, incluindo David Justino, apoiante de Rio e coordenador do seu programa, faziam um compasso de espera. Depressa os fotógrafos, jornalistas e repórteres de imagem se dirigiram para Rui Rio. Até que alguém diz: “Vem aí [o] Santana”. Rui Rio ainda terá olhado para trás, mas não fez menção de parar para ir cumprimentar o adversário, com quem iria estar não mais do que duas horas depois sentado à mesma mesa, no estúdio da RTP, para o primeiro debate entre ambos. Rio seguiu em frente, no sentido da sala onde iria decorrer o evento, e apenas Pedro Rodrigues (seu apoiante, mas aqui na qualidade de anfitrião do evento) se voltou para trás para ir receber o candidato Santana Lopes. Com Rui Rio, escada acima, seguiu toda a bolha que o rodeava: entre deputados, alguns até declarados apoiantes de Santana, e câmaras de televisão.

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Para trás ficou apenas Santana Lopes, com João Montenegro e Tiago Sá Carneiro, seus homens de campo. A imagem não deixou de causar alguma estranheza aos poucos que assistiam. Pedro Passos Coelho estaria a chegar — visto que já passava das 18h — e Santana Lopes estaria à espera do presidente do partido. Mas a espera duraria alguns minutos. Foi só quando o eurodeputado Paulo Rangel entrou no átrio do centro de reuniões do CCB, que Santana Lopes decidiu subir as escadas também. Só que, junto à porta da sala onde Rui Rio já convivia com os presentes, foi-lhe recomendado que esperasse à porta… Mais um compasso de espera incómodo.

Pedro Passos Coelho chegaria apenas às 18h20, e só aí as tensões serenaram. Santana e Rio lá se cumprimentaram, Passos cumprimentou ambos. Santana sugeriu que se sentasse entre os dois. Passos brincou com a ideia de não precisar de ser moderador. E a sessão começou.

Depois de Pedro Rodrigues, impulsionador do movimento Portugal Não Pode Esperar, ter explicado ao que ia, dizendo inclusive que a partir de março o movimento vai iniciar nova ronda pelo país para “identificar as medidas concretas” que darão corpo ao diagnóstico do país feito no atual volume, foi a vez de Passos fazer uma curta intervenção para enaltecer “o sentido de urgência” daquele movimento.

“É louvável que aqueles que, dentro do PSD, têm ideias e as querem colocar à prova se preparem devidamente para a ação política, e o façam com o sentido de urgência que o próprio nome do movimento parece denotar”, começou por dizer, referindo-se ao movimento criado pelo ex-líder da JSD há cerca de um ano e meio, que se transformou numa corrente interna do PSD crítica da sua própria liderança.

Mas não era dia de Passos. Era dia de Rio e Santana. Por isso, Passos não quis “ser polémico” nem “roubar o palco” aos dois candidatos, e não se alongou no discurso. “Quando foi marcada a data desta apresentação, estávamos longe de imaginar que iria coincidir com o dia do primeiro debate”, disse, avisando logo que “não iria ser polémico no dia em que os protagonistas dentro do PSD deverão ser outros”. Por isso, limitou-se a deixar alguns conselhos ao líder vindouro: o PSD deve manter a sua matriz “reformista”, e para isso deve ser “realista” e “gradualista”, porque nenhuma reforma se faz de “supetão”. E mais: deve ser “humilde” e ouvir a sociedade civil, porque “ninguém pode ter a arrogância e a audácia de dizer com exatidão que sabe quais devem ser as políticas públicas nas várias áreas para os próximos 10 ou 15 anos”.

Só não disse nada sobre a polémica do momento, sobre a lei do financiamento dos partidos aprovada “à socapa” pelos vários partidos (menos CDS e PAN). O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, empurrou o assunto para depois do congresso do PSD, e Passos recusou dizer se vai mesmo deixar o seu líder parlamentar sozinho. Questionado pela Antena 1 sobre isso, usou Rio e Santana como escudo: “O PSD já disse tudo o que tinha a dizer, compreendo que me queira provocar mas não vou falar hoje”.

Porquê? “Hoje o palco não é meu“.