Os excertos revelados por antecipação do livro “Fire and Fury”, do jornalista Michael Wolff, aquele que os advogados de Trump querem proibir, dão conta de um primeiro ano na Casa Branca muito invulgar. O primeiro Presidente norte-americano a ser eleito sem experiência política — bem como a equipa que o rodeia — revelou ser uma fonte de histórias tão interessante que a publicação do livro acabou por ser antecipada quatro dias, para esta sexta-feira.

A procura tem sido tanta que algumas horas antes de ser colocado à venda já havia filas à porta de várias livrarias nos Estados Unidos, levando a BBC a comparar a situação à do lançamento dos livros da saga Harry Potter. Já os clientes que encomendaram o livro pela plataforma Amazon receberam uma mensagem via email onde são avisados de que a entrega será atrasada, “devida a uma procura acima do esperado”, com a empresa a garantir que está a tentar “obter mais stock”.

Selecionámos dez histórias reveladas por Michael Wolff, de acordo com os excertos disponibilizados online ou consultados por alguns jornalistas. Nos próximos dias, à medida que mais pessoas vão tendo acesso a cópias do livro, é provável que se conheçam outros pormenores que ajudam a compôr o retrato da Casa Branca da era Trump.

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Donald Trump e a equipa não esperavam ganhar a eleição presidencial

É provavelmente a revelação mais surpreendente entre todas as informações que já se conhecem do livro “Fire and Fury”. No excerto publicado esta semana na revista New York Magazine, onde Wolff é colunista, é evidente que nem Trump nem a sua equipa esperavam vencer as eleições. O plano inicial seria o de potenciar a presença televisiva do milionário e estrela do programa The Apprentice, mas uma vitória política era vista por todos como altamente improvável. “Não só Trump não seria Presidente — concordavam quase todos na campanha — como provavelmente nem deveria sê-lo”, escreve Wolff a certa altura. Em vez disso, apareceria aos olhos do público como “um mártir” às mãos da “Crooked Hillary” (algo como ‘Hillary trapaceira’).

O excerto:

Pouco depois das 8h00 da noite na noite eleitoral, quando a tendência inesperada de que Trump poderia vencer parecia confirmar-se, Don Jr. disse a um amigo que o seu pai — ou DJT, como lhe chama — parecia ter visto um fantasma. Melania chorava e não eram lágrimas de alegria.”

O dia da tomada de posse foi um dia infeliz para o Presidente

Segundo Wolff, Trump passou o dia da tomada de posse chateado, o que era visível na sua linguagem física: “Ombros curvados, braços a abanar, sobrolho carregado, lábios contraídos”, escreve o autor. As razões para isso eram várias, como é descrito no excerto selecionado, que dá também conta da tensão no casamento do Presidente — mas já lá vamos. O mau humor de Trump ajuda a explicar por que razão o Presidente sentiu tanta necessidade de confirmar que a sua tomada de posse tinha tido tanta gente na assistência.

O excerto:

Trump não se divertiu na sua tomada de posse. Estava chateado porque as grandes estrelas faltaram ao evento, incomodado com os aposentos na Blair House e tinha discutido às claras com a sua mulher, que parecia estar à beira das lágrimas.”

Ivanka Trump quer ser a primeira mulher Presidente

A filha do Presidente, Ivanka, e o seu marido (Jared Kushner) parecem ser aquilo que em Washington se chama um verdadeiro ‘power couple’, pelo menos a avaliar pelo que revela esta livro. “Fire and Fury” dá conta também de que o Presidente queria nomear o genro para o cargo de chefe de gabinete, mas foi avisado pela comentadora republicana Ann Coulter de que não poderia “nomear os filhos”.

O excerto:

Foi uma decisão a meias do casal e, de certa forma, um trabalho a meias. Entre eles, tinham feito um acordo honesto: se surgisse a oportunidade no futuro, ela candidatar-se-ia ao cargo de Presidente. A primeira mulher presidente, admitia Ivanka, poderia não ser Hillary Clinton; seria Ivanka Trump.”

Trump pode ser mais próximo dos russos do que se pensa

Steve Bannon, o ex-conselheiro de Trump e diretor da publicação Breitbart, foi uma das pessoas que mais colaborou com Wolff neste livro. Ao jornalista, Bannon revela crer que o Presidente tem uma maior ligação com o Kremlin do que aparenta, como quando recorda uma conversa com Roger Ailes em que lhe terá dito que Trump “foi à Rússia e achava que ia conhecer [Vladimir] Putin, mas Putin não queria saber dele. Por isso ele continuou a tentar”. Para além disso, o antigo conselheiro não acredita que Trump não tenha sabido da reunião do seu filho Donald Trump Jr. com representantes russos, na esperança de que estes lhe trouxessem podres sobre Hillary Clinton que pudessem ser usados na campanha.

O excerto:

As hipóteses de o Don Jr. não ter levado estes jumos [palavra de que não se conhece o significado exato] ao escritório do pai no 26.º andar são zero.”

Steve Bannon não tem os filhos de Trump em grande conta

Bannon também não parece ter Don Jr. nem Ivanka Trump em grande conta. Sobre a filha do Presidente, classificou-a como “burra que nem um tijolo”. Quanto ao filho, apelidou as suas ações dignas de “traição” e disse que os procuradores do caso das ligações à Rússia iriam “abri-lo como a um ovo na TV”.

O excerto:

Os três tipos mais importantes da campanha acharam que era boa ideia encontrarem-se com um Governo estrangeiro na Trump Tower, na sala de conferências do 25.º andar — sem advogados. Eles não tinham lá advogados. Mesmo que não se ache isto traição, ou anti-patriótico ou uma m**** má — e eu acho isso tudo — devia ligar-se imediatamente ao FBI.”

O casamento de Trump está em mau estado

O livro também aborda questões mais pessoais do Presidente. Uma delas é o estado do seu casamento com Melania Trump, revelando que mesmo antes da chegada à presidência já “passavam pouco tempo juntos”, podendo passar dias inteiros sem se ver.

O excerto:

“[Trump] retirou-se para o seu próprio quarto — é a primeira vez desde os Kennedys que um casal presidencial dorme em quartos separados na Casa Branca.”

Um cheeseburger todas as noites

Wolff também teve oportunidade de ficar a conhecer os hábitos e rotinas do Presidente. Trump fez questão de ter um cadeado na porta do seu quarto, indo contra as ordens dos Serviços Secretos, e deu reprimendas aos empregados por apanharem as camisas que deixava no chão do quarto — “se está no chão é porque a quero no chão”, terá dito. Durante os primeiros meses, o jantar era quase sempre ou com Bannon ou a sós.

O excerto:

Quando não estava a jantar pelas 18h30 com Steve Bannon, a essa hora — e era mais do seu agrado — estava na cama com um cheeseburger, a ver os seus três ecrãs de televisão e a fazer telefonemas.”

“Conversas de balneário” chegaram à Casa Branca

Em tempos, Trump apelidou as suas palavras sobre agarrar as mulheres pelas partes íntimas, captadas numa gravação, de “conversa de balneário”. E, de acordo com Wolff, Trump também terá falado na Casa Branca sobre como era agradável ter relações sexuais com as mulheres de amigos. E fez outras referências sexuais em telefonemas.

O excerto:

“enho raparigas a chegar de Los Angeles às três da tarde. Podemos ir lá para cima e passar um bom bocado, garanto.”

O que Trump diz dos que o rodeiam

De acordo com Wolff, Trump já chamou ao genro Kushner “graxista”, ao antigo porta-voz Sean Spicer “estúpido” e à conselheira Kellyanne Connway “chorona”. Já a antiga procuradora-geral Sally Yates, que tinha sido nomeada por Barack Obama, era descrita como “uma c****”. Outro episódio que entra no campo pessoal do Presidente e dos que o rodeiam, ao revelar o caso amoroso entre a diretora de comunicação Hope Hicks e o seu antecessor (Corey Lewandowski), revela o Presidente a usar uma expressão que pode ser traduzida como “rabo de saias” (“piece of tail”, no original) sobre a própria Hicks, quando esta lhe falou sobre os artigos que saiam sobre Lewandowski em lágrimas.

O excerto:

Trump, que na maior parte do tempo parecia tratar Hicks de forma protetora e até paternalista, olhou para cima e disse-lhe: ‘Porquê? Já fizeste que chegue por ele. És o melhor rabo de saias que ele alguma vez teve e terá’.”

Os que o rodeiam dizem sobre Trump

Há vários excertos de “Fire and Fury” que revelam declarações menos abonatórias de outros sobre o Presidente. Uma delas foi a do milionário e dono do canal conservador Fox News, Rupert Murdoch, que terá classificado Trump como um “idiota do c******” depois de uma chamada telefónica com o Presidente. Já Sam Nunberg, consultor da campanha, recordou como foi explicar a Constituição a Trump e como ele não conseguiu ir além da Quarta Emenda. Até a própria filha Ivanka ter-se-á rido sobre o cabelo do pai, comentando o facto de ele tapar a careca puxando o cabelo para trás.

O excerto:

Para Steve Mnuchin e Reince Priebus, ele é um ‘idiota’. Para Gary Cohn, ele é ‘burro como a m****’. Para H.R. McMaster, ele é ‘um pateta’. A lista continua.”

O livro está também a colocar o autor, Michael Wolff, em grande destaque, até porque o próprio Donald Trump já reagiu – tem mesmo os advogados a tentar impedir a venda da obra.

Quem é Michael Wolff, autor do livro sobre a Casa Branca de que todos falam?