A 75ª cerimónia dos Globos de Ouro prometia ser diferente, a começar pelo dress code. Nomeados e convidados vestiram-se de preto em homenagem a todas as mulheres que, nos últimos meses de 2017, decidiram quebrar o silêncio e partilhar as suas histórias de assédio sexual em Hollywood. A iniciativa pintou o hotel Beverly Hilton, em Beverly Hills, de negro e, ao longo da cerimónia, foram vários os vencedores e vencedoras que chamaram a atenção para a importância de dar voz a quem geralmente não a tem. Reese Witherspoon — que subiu ao palco do International Ballroom juntamente com o elenco de “Big Little Lies” para receber o prémio de “Melhor Série” — garantiu que as histórias daqueles foram vítima de abuso ou assédio vão continuar a ser contadas. “Nós conseguimos ver-vos.”
A mensagem ganha outra expressão quando olhamos para os números da 75ª cerimónia dos Globos de Ouro: as produções mais premiadas — tanto na televisão como no cinema — são protagonizadas por mulheres. A série “Big Little Lies”, que tinha mais nomeações, foi a mais galardoada, arrecadando Globos de Ouro pelas categorias de “Melhor Mini-Série”, “Melhor Atriz” numa mini-série, “Melhor Ator Secundário” e Melhor Atriz Secundária”. “The Handmaid’s Tale” e “The Marvelous Mrs. Maisel”, que também têm mulheres nos papéis principais, receberam dois galardões cada uma. No cinema, o grande vencedor foi “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, filme protagonizado por Frances McDormand, que levou para casa o prémio de “Melhor Atriz”. A noite foi mesmo das mulheres.
A primeira de muitas a subir ao palco foi Nicole Kidman, que venceu na categoria de “Melhor Atriz” pelo papel na mini-série “Big Little Lies”, produzida pela HBO. Descrevendo o galardão como um símbolo “do poder das mulheres”, Kidman agradeceu a todo o elenco — constituído maioritariamente por mulheres –, mas sobretudo à colega e amiga Reese Witherspoon, uma das produtoras executivas, juntamente com a atriz australiana. A dedicatória, porém, foi para outra mulher — a mãe, Janelle Kidman, “uma defensora dos direitos das mulheres”. “É por causa dela que estou aqui”, disse a atriz australiana. “O meu prémio é o prémio dela. Eu e a minha irmã, Antonia, agradecemos-te por aquilo por que lutaste durante tanto tempo”, afirmou, descrevendo a personagem que representa em “Big Little Lies”, Celeste Wright, como uma representação daquilo que se encontra atualmente “no centro da conversa” — “o abuso”. “Acredito e espero que podemos mudar [o mundo] com as histórias que contamos e com a forma como as contamos. Vamos manter a conversa viva.”
O ator Alexander Skarsgar, que interpreta o marido da personagem de Kidman, Perry Wright, também levou um Globo de Ouro para casa. Skarsgar — que nunca tinha sido nomeado para os prémios atribuídos pela Hollywood Foreign Press Association — venceu na categoria de “Melhor Ator Secundário” numa série e não se esqueceu de agradecer à protagonista, com quem trabalha mais de perto, mas também ao “grupo extraordinário de mulheres” com quem tem “a honra de trabalhar”. Uma dessas mulheres é Laura Dern, outra galardoada desta noite de domingo. A atriz de “Big Little Lies” ganhou na categoria de “Melhor Atriz Secundária”, e aproveitou a oportunidade para agradecer a David E. Kelley — “o nosso herói” –, criador da série.
Kelley “deu-ma a mulher mais revoltante, complicada e uma mãe aterrorizada”, afirmou a atriz, que interpreta o papel de Renata Klein. “Aterrorizada porque a sua filha foi abusada e vítima de bullying e ela tinha demasiado medo de falar. Muitas de nós fomos ensinadas a não falar. Era uma cultura de silêncio”, defendeu, apelando a que todas “as sobreviventes” recebam o apoio necessário e que a justiça continue a ser promovida. Além disso, Dern pediu que “ensinemos os nossos filhos que falar sem ter medo das consequências é a nossa nova estrela do norte.”
Os três atores voltaram a subir ao palco, juntamente com o resto do elenco, para receber o prémio de “Melhor Mini-Série”. Depois de dizer algumas palavras, David E. Kelley passou o microfone a Reese Witherspoon, uma das produtoras de “Big Little Lies”, que descreveu a produção da HBO como uma série que mostra que “a vida que apresentamos ao mundo” é por vezes “muito diferente” do que se passa dentro de quatro paredes. “Por isso, quero agradecer a toda a gente que quebrou o silêncio este ano e falou sobre abuso e assédio”, afirmou a atriz. “Vocês são tão corajosos! Espero que sejam feitas outras séries como esta, para que as pessoas que foram silenciadas saibam: nós conseguimos ver-vos e vamos continuar a contar as vossas histórias.”
O Globo de Ouro para “Melhor Atriz” numa série de comédia foi para Rachel Brosnahan, que desempenha o papel de Miriam “Midge” Maisel em “The Marvelous Mrs. Maisel”. A série, produzida pela Amazon, venceu na categoria de comédia. Durante o curso discurso de agradecimento, Brosnahan descreveu “Midge” como “uma mulher corajosa e complicada”. “Há tantas histórias de mulheres que precisam de ser contadas”, afirmou, desafiando Hollywood a continuar a dar voz a todas as mulheres e às suas histórias extraordinárias. O prémio de “Melhor Ator” numa série de comédia foi para Aziz Ansari, pelo papel em “Master of None”, série produzida pela Netflix.
Sem grandes surpresas, o Globo de Ouro para “Melhor Atriz” numa série de drama foi para Elisabeth Moss, em “The Handmaid’s Tale”. Moss dedicou o galardão a Margaret Atwood, autora do romance que inspirou a série, e a “todas as mulheres que vieram” antes e depois da escritora canadiana “que foram corajosas o suficiente para denunciar a injustiça e a intolerância e para lutar pela igualdade e liberdade neste mundo”. “Já não vivemos ‘nos espaços em branco no extremo da impressão’, já não vivemos ‘nas falhas entre histórias’, disse atriz, citando um excerto de The Handmaid’s Tale de Margaret Atwood, presente na plateia. “Somos as histórias na impressão e somos nós que estamos a escrever a história.”
Elisabeth Moss foi a primeira de “The Handmaid’s Tale” a receber um prémio, mas não foi a única. Tal como era esperado, a produção da Hulu foi a grande vencedora na categoria de “Melhor Série” de drama, batendo uma das favoritas da noite, “Stranger Things”. Além destas duas séries, estavam também nomeadas “The Crown” e “Game of Thrones”. Sterling K. Brown, de “This Is Us”, ganhou na categoria de “Melhor Ator” numa série de drama. E não lhe fossem cortar a voz antes de agradecer à mulher, Ryan Michelle Bathe (como aconteceu nos Emys), começou o discurso sem rodeios: “Oprah, estou a ficar sem tempo, por isso vou agradecer à minha mulher”, disse, dirigindo-se de seguida ao criador de “This Is Us”, Dan Fogelman, a quem agradecer por permitir que “alguém como” ele tivesse um lugar na televisão norte-americana.
A noite de todos os monstros
James Franco era o favorito na categoria de “Melhor Ator” num filme de comédia e foi ele que, sem surpresas, levou para casa o galardão pelo papel em “The Disaster Artist”. A longa-metragem, realizada também por Franco, conta a história da rodagem de “The Room”, o filme de culto de Tommy Wiseau que se tornou famoso por ser considerado um dos piores filmes de todos os tempos. Wiseau, que esteve presente na cerimónia, subiu ao palco com Franco, que levou o irmão mais novo, Dave, pela mão. E foi para ele que foram quase todos os agradecimentos: “Sempre quis ter um irmão Cohen com quem pudesse colaborar”, admitiu o ator e realizador, “e agora tenho o meu irmão Franco”. “Obrigada à minha mãe por mo ter dado.”
Também sem surpresa foi a vitória de Guillermo del Toro na categoria de “Melhor Realizador”, com “The Shape of Water”. Este — um dos principais favoritos à corrida aos Globos de Ouro — conta a história de Elisa, uma empregada de limpeza solitária que trabalha num laboratório secreto do Governo norte-americano, em Baltimore, que desenvolve uma relação estreita e especial com uma criatura anfíbia, da América do Sul, que vive num tanque de água. Apesar de ter sido o filme que recebeu o maior número de nomeações, “The Shape of Water” acabou por arrecadar apenas dois Globos de Ouro. Mas isso não impediu o realizador mexicano de fazer um dos discursos mais inspiradores da noite.
“Desde criança que tenho sido fiel aos monstros. “Fui salvo e absolvido por eles”, começou por dizer um Guillermo del Toro nitidamente emocionado, falando em seguida da importância das “histórias estranhas e fábulas” que tem contado ao longo de 25 anos de carreira. “Salvaram a minha vida”, admitiu, antes de ser interrompido pela música de fundo. ”Baixem a música! Demorou 25 anos, deem-me um minuto!”, pediu, agradecendo à sua equipa e às “mulheres fantásticas” que fizeram parte dela. “Sem elas não estaria aqui”, afirmou. “Agradeço-vos e os meus monstros agradecem-vos. Muito obrigado.”
O Globo de Ouro para “Melhor Ator” num filme de drama foi, também para surpresas, para Gary Oldman pela sua interpretação de Winston Churchill em “Darkest Hour”. Durante o discurso de agradecimento, o ator fez questão de frisar que “as palavras e as ações podem mudar o mundo”. “E, oh, se ele precisa de mudanças!”, disse, antes de abandonar o palco. O prémio de “Melhor Atriz” foi para Frances McDormand, pelo papel de Mildred — uma mãe determinada a descobrir quem assassinou a filha — em “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, que venceu na categoria de “Melhor Drama”. McDormand, que admitiu não gostar muito de partilhar as suas opiniões políticas, confessou que foi “bom estar” no International Ballroom “e fazer parte da mudança tectónica na estrutura de poder da nossa indústria”. “Acreditem: as mulheres que estão aqui esta noite não estão cá pela comida. Estão aqui pelo trabalho.”
A lista completa dos vencedores é a seguinte:
Categorias de cinema
- Melhor Ator Secundário: Sam Rockwell, “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”
- Melhor Banda Sonora: Alexandre Desplat, “The Shape of Water”
- Melhor Canção: “This is Me” (Benj Pasek e Justin Paul), do filme “The Greatest Showman”
- Melhor Ator (Comédia ou Musical): James Franco, “The Disaster Artist”
- Melhor Filme de Animação: “Coco” (Pixar)
- Melhor Atriz Secundária: Allison Janney, “I, Tonya”
- Melhor Guião: Martin McDonagh, “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”
- Melhor Filme Estrangeiro: “In the Fade” (Alemanha/França)
- Melhor Realizador: Guillermo del Toro, “The Shape of Water”
- Melhor Atriz (Comédia ou Musical): Saoirse Ronan, “Lady Bird”
- Melhor Comédia: “Lady Bird”
- Melhor Ator (Drama): Gary Oldman, “Darkest Hour”
- Melhor Atriz (Drama): Frances McDormand, “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”
- Melhor Drama: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”
Categorias de televisão
- Melhor Atriz (Mini-Série): Nicole Kidman, “Big Little Lies”
- Melhor Atriz (Comédia): Rachel Brosnahan, “The Marvelous Mrs. Maisel”
- Melhor Atriz (Drama): Elisabeth Moss, “The Handmaid’s Tale”
- Melhor Ator (Drama): Sterling K. Brown, “This Is Us”
- Melhor Série (Drama): “The Handmaid’s Tale” (Hulu)
- Melhor Ator Secundário: Alexander Skarsgard: “Big Little Lies”
- Melhor Atriz Secundária: Laura Dern, “Big Little Lies”
- Melhor Ator (Mini-Série): Ewan McGregor, “Fargo”
- Melhor Série (Comédia ou Musical): “The Marvelous Mrs. Maisel” (Amazon)
- Melhor Ator (Comédia ou Musical): Aziz Ansari, “Master of None”
- Melhor Mini-Série ou Filme Produzido para a Televisão: “Big Little Lies” (HBO)