O mistério criado pelo telefonema da Nintendo Portugal a convidar-nos para uma apresentação à porta fechada na segunda-feira foi o suficiente para fazer a nossa imaginação voar. A “proposta diferente” — como lhe chamaram — para 2018, levou-nos a olhar para o mercado dos videojogos e pensar em hipóteses: dispositivos de Realidade Virtual, aparelhos de medição biomédica (tendo em conta uma patente registada pela Nintendo há poucos anos) ou alguma mini-consola, como tem sido apanágio nos últimos natais? As nossas ideias não poderiam estar mais longe da realidade.

Os Toy-Con — é este o nome da grande novidade da Nintendo, anunciada mundialmente esta quarta-feira — são placas de cartão prensado vendidas em kits com o nome Nintendo Labo. Na prática, não passam de um acessório para a Nintendo Switch, a consola híbrida da gigante nipónica: através de dobras e encaixes, estes pedaços de cartão permitem criar objetos como uma cana de pesca ou um piano, entre muitos outros brinquedos que surgirão no futuro. Graças aos sensores de movimentos e infravermelhos da consola, é possível interagir com eles.

Neste sentido, a experiência Nintendo Labo é uma espécie de regresso às origens da empresa, interligando as diferentes pedras de toque de mais de 100 anos de existência. Criada em 1889 como uma produtora de cartas hanafuda, a Nintendo passou por uma série de aventuras corporativas até se dedicar à criação de brinquedos, nos anos 1960. Na década seguinte, entrou no mercado que ajudou a definir: os videojogos. Isto significa que há uma longa tradição lúdica na empresa da família Yamauchi que se reflete na postura mais familiar (por muitos até injustamente apelidada de “infantil”) que sempre teve no mercado dos videojogos.

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Este regresso a um mundo lúdico mais manual e experimental — mais low tech — é totalmente inesperado, mas depois de construirmos, decorarmos e interagirmos com os Toy-Con percebemos o quão apelativa esta proposta é. A sua utilização assenta em três patamares distintos: construir, jogar e descobrir. E foi isso que sentimos na apresentação hands on, além da sua larga abrangência do ponto de vista de público. Cada pessoa terá uma afinidade maior com cada um dos segmentos e tirará o melhor proveito. As possibilidades de trabalho de grupo e a capacidade de multi-resposta dos Toy-Con são ideais para o ambiente familiar.

Ainda que exista muita criatividade na forma como os Toy-Con utilizam a câmara de infravermelhos e as vibrações dos Joy-Con da Switch, uma das grandes maravilhas é a construção dos próprios “brinquedos”. Na apresentação pudemos construir duas peças — o “carro” telecomandado e a cana de pesca. Sem utilização de cola ou tinta (a menos que queiram personalizar as vossas criações como nós fizemos), todo o sistema de montagem e construção segue uma lógica “à Ikea”. No ecrã surgem as instruções sequenciais de que peças usar, onde dobrar e o que encaixar, e é nesse momento de artes manuais que a magia do projeto toma forma. A engenharia de estruturação das peças está tão bem concebida que a construção mais complexa que fizemos — a cana de pesca — é retráctil e possui até um carretel que enrola o fio, feita apenas com peças de cartão e um cordel. E se tudo isto é surpreendente, construir um piano de 13 teclas polifónicas em cartão, com capacidade de atingir três oitavas, e introduzir modulações eletrónicas consegue elevar a magia da construção e interação dos Toy-Con.

Cada kit com placas de cartão com peças destacáveis traz também os jogos correspondentes, para que a fase do “jogar” entre em ação. Estes softwares são pequenas experiências interativas para conectar as nossas construções em cartão à própria Switch, e das que estavam disponíveis neste hands on, o jogo da pesca é sem dúvida o mais interessante. Com uma resposta imediata no ecrã aos nossos movimentos da cana de pesca, deixou-nos um pequeno vislumbre das potencialidades dos Toy-Con.

A Nintendo aproveita assim o tremendo sucesso da Switch para reafirmar a sua posição de empresa familiar, voltando a cruzar a experiência de jogar com os brinquedos didáticos. Num mercado tão competitivo como o dos videojogos, em que a tecnologia se baseia sempre nos últimos avanços possíveis, é interessante ver uma companhia a criar uma experiência completamente diferente, conseguindo “fintar” todos os rumores e até as nossas próprias expectativas. O Nintendo Labo e os Toy-Con não vão revolucionar o mercado (e não acredito que venham a ser um argumento forte para a compra da Switch), mas trazem-nos uma camada criativa e inovadora que abre as portas da nossa imaginação.

Ricardo Correia, Rubber Chicken