Uma família de classe média, bem instalada. O pai tem um bom emprego numa empresa de publicidade, a mãe é médica e há quatro filhos em casa a crescer na normalidade. Essa é a base de “Black-ish”. O twist? A família é negra e há uma preocupação recorrente no pai, através das situações que encontra no trabalho e no desenvolvimento dos seus filhos, de que algo na sua educação pode estar a falhar: a infância/adolescência dos filhos é diferente da sua e nesse processo a ideia de “cultura negra”, a história, parece estar a desaparecer. Andre Johnson (Anthony Anderson) é o epicentro desta nova série do Fox Comedy, que estreia dia 26 de fevereiro às 22h00 e terá episódios diários de segunda a sexta, para acompanhar o atraso com que chega a Portugal (já vai na quarta temporada). E foi a propósito desta chegada — mais vale tarde do que nunca — que falámos com Kenya Barris, o criador da série.
[o trailer de “Black-ish”]
A figura do pai, ali à volta dos quarenta, é central, porque, como Barris diz numa breve conversa ao telefone, “uma grande parte é baseada na minha experiência. Por vezes 100%. Eu tenho seis filhos, a minha mulher é médica, por isso ‘Black-ish’ é uma espécie de catarse para o que se passa na minha vida”. Antes de “Black-ish”, Kenya Barris esteve envolvido em programas de sucesso, como “America’s Next Top Model With Tyra Banks” ou “The Game”. Apesar dos seus 43 anos, o seu currículo mete respeito, e encontrou nesta série, um meio para falar de diversos temas da actualidade com uma naturalidade que foi sendo conquistada à medida que a série crescia: a violência policial, a homossexualidade ou o movimento Black Lives Matter.
Quando criei “Black-ish” falar do passado dos negros nos Estados Unidos não era algo que tivesse presente. Contudo, no momento em que percebi o efeito que o programa tinha na audiência, ao contar certas histórias, compreendi que tinha de fazê-lo e isso ganhou vida própria. Se tens uma voz, creio que tens a responsabilidade de o assumir.”
Kenya Barris não se sente no direito de reconhecer a importância que o seu programa teve e tem na sociedade e na indústria mas sente que as coisas estão a mudar nos Estados Unidos: “Claro, há sinais de que as coisas estão a mudar. O ‘Black Panther” está em vias de se tornar no maior sucesso de sempre. Isso é um sinal de grande mudança na indústria cinematográfica e televisiva”.
No primeiro episódio, Andre Johnson está em vias de ser promovido. Antes disso acontecer, delineia em poucos segundos a separação que existe no seu trabalho entre brancos e negros, através do lugar onde as pessoas se sentam na mesa de reuniões. Ele quer passar para o outro lado e a dado momento nota que não se vai tornar vice-presidente, mas vice-presidente de um novo gabinete no seu trabalho: o “urbano”. “Urbano” é um eufemismo para negro.
“Black-ish” tem sempre uma fisgada. A mensagem é directa, a moralidade – ou a direcção dessa moralidade – é subtil. Obama compreendeu isso e elogiou a série por diversas vezes. Uma delas aconteceu precisamente quando conheceu Kenya e a mulher. Trump ainda não teve o privilégio de conhecer a família Barris, mas já mandou um tweet sobre o assunto: acha que “Black-ish” é racista? Normal. A eleição de Trump não passou despercebida em “Black-ish”. Mas ultrapassou o risco? Não, uma das suas melhores características é saber pisar o risco sem o ultrapassar ou de estar atrás deles e criar as bases para ser o espectador a dar esse passo.
Kenya Barris não encarou como um risco levar um programa assim para uma estação como a ABC. Aliás, “nem penso que o piloto tenha sido muito arriscado. Mas com o passar do tempo fiquei surpreendido e muito entusiasmado com a liberdade que me deram para continuar o programa como queria e com a minha visão criativa.” Essa liberdade justifica o sucesso de “Black-ish” e o modo como ganhou uma vida autónoma.
Em Janeiro deste ano surgiu o primeiro spin-off, “Grow-ish”, em volta de Zoey (Yara Shahidi), a filha mais velha dos Johnson, e a sua ida para a faculdade:
Foi um programa que se criou a si mesmo. A personagem ia para a universidade e eu não sou grande fã dos programas em que os filhos nas famílias voltam a casa ao fim de semana. Queria que as personagens crescessem nesse universo, para que pudesse falar mais sobre elas. Queria que fosse diferente. Além disso, a minha filha foi recentemente para a universidade e assim tinha um canal para falar sobre essas coisas.”
Tracee Ellis Ross, Jenifer Lewis, Laurence Fishburne, Rashida Jones, Trevor Jackson, Wanda Sykes, Raven-Symoné ou Tyra Banks marcam presença regular na série, que já contou com participações especiais de Chris Brown (que gerou alguma controvérsia na altura) ou Aloe Blacc. Com atraso mas ainda a tempo, os Johnson entram finalmente nas vidas dos portugueses.