As técnicas aplicadas pela “educadora” e apresentadora do programa SuperNanny, Teresa Paula Marques, fazem parte da psicologia comportamental e “violam o princípio da competência”. Esta foi a avaliação feita esta sexta-feira em tribunal pela psicóloga forense Rute Agulhas, a terceira testemunha do Ministério Público a ser ouvida em audiência a propósito da ação especial de tutela da personalidade instaurada pelo MP, em representação dos seis menores visados nos três episódios (um deles já gravado e editado não chegou a ser emitido), contra a SIC, a produtora Warner TV Portugal e os pais das crianças.
Na audiência, Rute Agulhas — que é membro do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Psicólogos Portugueses — condenou as “receitas rápidas e mágicas” da parentalidade. As estratégias em causa chamam-se “time out” e “sistema de economia de fichas” e foram usadas nos dois episódios emitidos em janeiro. Rute Agulhas explicou que as estratégias foram mal aplicadas, uma vez que a primeira tem por base a “definição de um lugar seguro” (no primeiro episódio, a criança de 7 anos é colocada no banco do castigo nas escadas) e não pode haver humilhação. A psicóloga referiu que esta estratégia em particular deverá ter aplicação pontual e só pode ser usada em situações limite, sendo que o “time out” implica deixar a criança sozinha durante alguns minutos, o que não aconteceu em ambos os casos (considerando, inclusive, a equipa de imagem do programa). Já o “sistema de economia de fichas” está associado ao reforço positivo e, diz a testemunha, “tem de ser usado de forma gradual”.
Teresa Paula Marques, psicóloga de profissão, apresenta-se no programa enquanto “educadora”, um termo que Rute Agulhas diz “desconhecer”. Para esta psicóloga, o programa em causa “viola de forma grosseira e grotesca os direitos das crianças”, assinalando que os mais novos não têm capacidade ou maturidade para dar um consentimento de forma informada tendo em conta a sua participação no programa. A psicóloga referiu ainda que as situações apresentadas no contexto do programa constituem “mau trato emocional”, sustendo a afirmação com o parecer que a Ordem dos Psicólogos Portugueses emitiu em janeiro último a propósito da participação de menores em reality show.
Na sessão de julgamento anterior, a requerida SIC tinha pedido a avaliação das crianças visadas, antes e depois da participação no programa, por parte das escolas que estas frequentam. Perante isso, e apesar da avaliação positiva, Rute Agulhas explicou que é frequente as crianças exibirem comportamentos que variam consoante o contexto (casa e escola, por exemplo), referindo-se a crianças assintomáticas.
Regina Tavares da Silva, presidente do Comité Português da Unicef, foi a quarta testemunha do Ministério Público e, em audiência, referiu que o programa explora as imagens das crianças. “Há, de facto, invasão de privacidade e exposição humilhante e degradante para as crianças e as famílias”.
“Assim como está, o programa não deverá ser emitido”
Cristina Ponte, professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, a quinta e última testemunha chamada pelo Ministério Público, referiu em audiência, na sequência de uma pergunta feita pelo advogado da Warner TV. Portugal, que o programa “assim como está, não deverá ser emitido”. Ao longo da sua intervenção, a académica referiu que o programa em questão apresenta uma “dramatização das pessoas reais” e que dá “uma ilusão de autenticidade”. “Ousaria dizer que há momentos em que a criança sabe que está a ser filmada e interpreta um papel”, diz, considerando que o formato apresentado parece criar “um efeito de caos de uma família em crise” que se centra, sobretudo, na figura da “mãe que está desesperada”.
“As crianças estão a ser expostas da pior maneira possível. Aquelas crianças são crianças que nenhum pai gostaria de ter”, continuou Cristina Ponte. Usar os filtros no programa faria com que este não tivesse “espetacularidade”, mas “poderia ser feito”, referiu. Questionada ainda sobre a liberdade da programação televisiva, a académica respondeu que “é importante que esta seja assegurada”, mas que “há limites”.