José Niza estava a alegar há duas horas quando o presidente do coletivo de juízes do caso dos Vistos Gold fez uma chamada de atenção: “Senhor procurador, tem mais 10 minutos.” O representante do Ministério Público tentou explicar que ainda ia “a meio” da sua intervenção, Francisco Henriques não cedeu e o procurador pôs em causa a legitimidade do juiz para interromper a sua exposição.

“Vou demorar mais que isso”, avisou o procurador

– “Vai demorar aquilo que o tribunal deixar”, cortou o juiz

– “Acha que, aqui, o tribunal pode interromper?”

– “Senhor procurador, se insiste, eu corto-lhe a palavra!”

– “Se quiser, corte…”

A sessão acabou interrompida durante cinco minutos, para José Niza poder ir “tomar água”. No regresso, o procurador tinha conseguido uma benesse de mais meia hora para concluir as alegações finais de um processo que já leva mais de um ano de julgamento.

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Mas teve de cortar caminho e ir direto ao assunto, sustentando que o ex-ministro Miguel Macedo devia ser condenado a uma pena de prisão “não superior a cinco anos” pelos três crimes de prevaricação e um crime de tráfico de influências. Uma pena suspensa — isto é, sem que Macedo tenha de ir para a prisão —, concedeu Niza, que estendeu esse modelo à generalidade dos 21 arguidos.

As exceções foram para Jaime Gomes, caso em que o Ministério Público considera que se “impõe” essa sentença, e para António Figueiredo, para quem o procurador pede uma pena “não superior a oito anos”. No caso do ex-presidente do Instituto de Registos e do Notariado (IRN), se o tribunal se decidir por uma condenação superior a cinco anos, terá de cumprir pena efetiva.

Vistos Gold. Ministério Público admite penas suspensas inferiores a 5 anos

Miguel Macedo estará fora deste leque. O procurador do Ministério Público considera que, “com exceção de António Figueiredo, todos os demais devem ser condenados em penas únicas não superiores a 5 anos de prisão”.

O ex-ministro, que deixou a pasta da Administração Interna precisamente por causa deste processo, está a ser julgado por alegadamente ter beneficiado uma rede de atribuição de vistos gold e de vistos temporários. Também é acusado de abrir portas no Ministério das Finanças a Paulo Lalanda e Castro e de, através do amigo Jaime Gomes, ter beneficiado a empresa Everjets no concurso de gestão e manutenção dos helicópteros Kamov.

Vistos Gold. Os quatro pontos principais da defesa de Miguel Macedo

Esta segunda-feira, o Ministério Público deixou cair um dos crimes que tinha apontado a Manuel Palos (então diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras): um dos crimes de prevaricação. Essa leitura não se estendeu a Miguel Macedo: mantêm-se os três crimes de prevaricação e um crime de tráfico de influências.

Os helicópteros Kamov

O Ministério Público acusa Miguel Macedo de ter enviado o caderno de encargos do concurso para a gestão de seis helicópteros Kamov usados no combate aos fogos florestais, antes ainda de o documento ser tornado público.

A Everjets acabou por apresentar-se a concurso sem ter levantado o caderno de encargos — sinal de que o obteve por outra via, algo que o Ministério Público considera ter representado uma vantagem indevida da empresa. Esta segunda-feira, o procurador José Niza lembrou que a FAASA “veio a fazer trabalhos à Everjets”. A tese do Ministério Público é a de que o documento foi enviado do e.mail oficial de Miguel Macedo para Jaime Gomes e que o gestor o fez chegar à Everjets, através dos espanhóis da FAASA.

Macedo não contestou em tribunal que tenha, de facto, enviado o caderno de encargos a Jaime Gomes. Procurou, sim, enquadrar essa decisão à luz da “responsabilidade” que tinha como ministro e com o facto de não poder permitir que, pela segunda vez em dois anos, esse concurso acabasse sem interessados.

O Oficial de Ligação para a China

A colocação de um Oficial de Ligação em Pequim é vista pelo Ministério Público como um passo fundamental no processo de atribuição de Autorização de Residência para Investimento (ARI, ou vistos gold) a cidadãos chineses. Macedo terá imprimido velocidade ao processo e a investigação imputou-lhe um crime de prevaricação.

A defesa de Macedo contestou essa tese, alegando que essa nomeação resultou de uma reorganização dos oficiais de ligação do MAI e porque, em 2015, 81% dos pedidos de vistos gold vinham daquele país.

Os vistos para os doentes líbios

Neste âmbito, o percurso de Paulo Lalanda e Castro (que contratou José Sócrates como consultor para a sua farmacêutica Octapharma) cruza-se com o de Miguel Macedo através de Jaime Gomes. Está em causa outro crime de prevaricação.

Lalanda e Castro detinha a Intelligent Life Solutions (ILS), uma empresa que dava apoio a cidadãos líbios que queriam vir até Portugal para receber tratamento médico. No âmbito dos Vistos Gold, a ILS contratou a JAG de Jaime Gomes para tratar da logística dessas viagens e, nesse processo, o gestor terá levado Miguel Macedo a intervir junto de Manuel Jarmela Palos para conceder um tratamento preferencial à ILS.

Perante o tribunal, Macedo admitiu ter feito essa ponte, mas negou que estivesse em causa qualquer tipo de favorecimento. O objetivo de garantir que Manuel Palos recebia Jaime Gomes serviria apenas para que o ex-responsável pudesse “elucidá-lo sobre todos os procedimentos e regras a cumprir durante a estada dos doentes líbios que viriam para Portugal receber tratamento médico ao abrigo de um contrato celebrado com o Estado líbio”, como explicou na contestação que apresentou à acusação.

“Esta informação não representava – nem era mesmo – qualquer informação privilegiada, de favor, mas antes uma informação objetiva e de carácter não reservado”, lê-se na contestação.

A benesse fiscal a Lalanda Castro

Ainda sobre as viagens de cidadãos líbios para Portugal, o Ministério Público voltou a juntar Lalanda e Castro, Jaime Gomes e Miguel Macedo para avançar com uma acusação de tráfico de influências devido a uma reunião entre o dono da ILS e Paulo Núncio, então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Macedo, mais uma vez, teria feito a ponte.

A ILS não cobrou o IVA nos pagamentos de mais de 2,9 milhões de euros cobrados aos líbios que vinham a Portugal, por entender que estava isenta desse pagamento. O entendimento da Autoridade Tributária foi diferente e ordenou o pagamento de 667 mil euros relativos a 2013.

Macedo falou com o colega de Governo e conseguiu uma reunião entre o secretário de Estado e o empresário. Mas garantiu ao tribunal que só soube de que o pedido de Jaime Gomes envolvia Lalanda e Castro e que estava em causa a sua empresa, ILS.

Limitou-se a pedir o agendamento de uma reunião, não podendo isto mesmo ser confundido com quaisquer diligências para que determinada questão seja decidida ilicitamente. Aliás, refira-se que estas situações – de agendamento de reuniões para audição de particulares ou empresas – acontecem amiúde nos gabinetes ministeriais”, refere a contestação da defesa do ex-ministro.