O escritor espanhol Fernando Aramburu disse à Lusa que o romance “Pátria” sobre a sociedade basca, marcada e dividida pelo ódio e pela violência da ETA, pode motivar um novo pensamento sobre a realidade vivida durante as últimas décadas.
“Constato que o meu livro está a fazer pensar muitas pessoas que tinham problemas na consciência e, por outro lado, comoveu outras pessoas. Deste ponto de vista a minha tarefa foi cumprida, apesar de o meu objetivo principal ser literário”, disse à Lusa Fernando Aramburu autor do livro lançado esta semana em Portugal.
“No que diz respeito ao País Basco, o terrorismo da ETA vai ser para sempre um fator negativo”, lamenta Aramburu autor do romance que aborda de forma direta as circunstâncias relacionadas com os vários tipos de violência que marcam a sociedade basca.
“Ser basco coloca-me perante o terrorismo da ETA numa determinada posição: É para mim um sofrimento. Vi muita dor e muitas tragédias. Não posso ficar indiferente perante uma catástrofe histórica como esta. Não foi a curiosidade que me levou a escrever ‘Pátria’, mas sim as proximidades emocionais, a dor e a compaixão”, explica Aramburu autor de vários livros premiados em Espanha.
“Pátria” é um romance contemporâneo sobre duas famílias que enfrentam a realidade e o passado na altura em que a ETA anuncia o abandono à luta armada, aprofundando as relações entre nove personagens centrais ao longo de 125 capítulos.
Todos os aspetos da sociedade são aprofundados: o terrorismo, as questões sociais, a questão da língua, os ódios, o temperamento fechado do nacionalismo, a ruralidade, o poder da igreja católica e a dureza das convicções dos vários personagens.
No capítulo com o título “Se derem vento à brasa”, “Xabier”, um escritor, reflete sobre a forma de encarar a violência. “Parecia-lhe que até à data as vítimas do terrorismo tinham merecido pouca atenção por parte dos escritores bascos. Interessam mais os vitimários, os seus problemas de consciência, as suas retaguardas sentimentais e tudo isso. Aliás, o terrorismo da ETA não serve para atacar a direita. Para isso é muito melhor a guerra civil” refere Xabier, personagem do romance de Aramburu.
“Eu não sou um autor que se socorre de questões filosóficas ou poéticas para a construção dos textos. Eu concebo um romance como uma criação de personagens ativos que convivem e com este exercício necessariamente surgem histórias”, refere o escritor.
Fernando Aramburu, escritor de origem basca de 59 anos sublinha que não vive a história recente do País Basco como um tema, mas sim como uma vivência pessoal e que um romance como “Pátria” tem também como “ingrediente” o próprio testemunho pessoal.
“Nas páginas deste livro há muitos pormenores que saíram diretamente da minha experiência. Não tive de ir a arquivos ou a hemerotecas para saber o que aconteceu no País Basco nas últimas cinco décadas. Bastou-me olhar para a minha própria vida e das pessoas mais próximas de mim”, afirma frisando que a principal preocupação foi a criação literária.
Para o escritor, um romance pode ser uma janela que se abre à realidade social dos locais onde decorre porque permite “ver como vivem os homens e as mulheres e as crianças” e como são afetados pelo clima social em que se encontram. Sendo assim, defende Aramburu, é normal que um romance possa ter mais repercussão do que um livro de sociologia, de história ou um ensaio baseado em dados informativos e devidamente documentados.
Aramburu diz ainda que “os problemas universais e os problemas eternos” do ser humano foram muito intensos no País Basco porque, frisa, correu muito sangue, e porque houve um conflito social com fraturas muito grandes e que afetaram as famílias e onde os amigos deixaram de se falar.
“Este material é muito fértil para a criação literária, cinematográfica e musical. No País Basco ocorreu uma longa série de atentados. Houve muitos problemas sociais e violência e onde há violência há matéria para a narração. Nos sítios onde não acontece nada a literatura e a arte são muito difíceis de concretizar. Onde há tragédias humanas os artistas têm grande possibilidade de expressar coisas com uma certa profundidade e o País Basco foi uma fonte de inspiração muito grande”, refere reforçando que o romance está a provocar o debate sobre o nacionalismo, mesmo entre os leitores bascos.
“‘Pátria’ está a ser lido no País Basco e abriu um debate pacífico e que está a ser levado a cabo com argumentos sem ameaças ou insultos. Um debate que teria sido impossível há 15 ou 20 anos porque agora não há violência, há disposição e modificações muito positivas”, concluiu.
O romance “Pátria”, publicado pela D.Quixote, incluiu um glossário de palavras e expressões de origem basco e foi traduzido para o português por Cristina Rodriguez e Artur Guerra.