Perante a detenção de Carles Puigdemont na Alemanha e consumado o bloqueio do processo independentista na Catalunha, muitos seriam aqueles que, na posição de Mariano Rajoy, não demorariam a sair à rua para colher os louros de uma vitória suada. Porém, o Presidente de Governo de Espanha faz o contrário: a não ser quando não tem hipótese, foge a sete pés do tema da Catalunha.

Nas suas intervenções mais recentes, houve tempo para falar de pensões, da construção de uma linha ferroviária com Portugal e até sobre o plano de alargamento da fibra ótica em Espanha. Porém, a crise política e institucional na Catalunha, o tema que marca a atualidade do seu país, só merece menção de Mariano Rajoy quando este responde a um jornalista ou é interpelado no Congresso dos Deputados. Nesses casos, é esquivo, respondendo que o caso está nas mãos da justiça.

“Rajoy decidiu que o tema da Catalunha é um caso estritamente de delinquência e que, assim sendo, quem trata deles são os juízes e não os políticos”, diz ao Observador o politólogo Oriol Bartomeus, da Universidade Autónoma de Barcelona. “Então, como já fez em muitos casos, Mariano Rajoy tem optado pela sua estratégia política de eleição: não fazer nem dizer nada.”

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A prova disso foi, por exemplo, a resposta que Mariano Rajoy deu a Joan Tardá, deputado dos independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha, no Congresso dos Deputados, quando este instou o Presidente do Governo a procurar uma solução política para a crise na Catalunha.

“Se o presidente do Governo ou qualquer membro do seu Governo tomasse decisões que correspondem aos juízes, teríamos um problema muito grave do Estado de direito e do funcionamento do Estado democrático”, disse em resposta ao deputado independentista. “Tal coisa não se passa aqui, nem em qualquer outra parte do mundo.”

Rajoy e a arte de não negociar

Para Oriol Bartomeus, a abordagem de Mariano Rajoy é “péssima”, sobretudo porque “põe em causa o equilíbrio de poderes não apenas na Catalunha mas em toda a Espanha”.

“Uma vez que Mariano Rajoy se afasta da procura de qualquer solução política, deixa tudo nas mãos dos juízes. Dessa forma, são os juízes que acabam por fazer política, mais ninguém”, diz o politólogo ao Observador.

Por decisão dos tribunais, os independentistas já viram três candidatos a presidente da Generalitat a serem barrados: primeiro, Carles Puigdemont, por não poder tomar posse remotamente; depois, Jordi Sánchez, por não ter autorização para sair da prisão e estar presente na sessão de investidura; por fim, Jordi Turull, que foi colocado em prisão preventiva menos de 24 horas depois da votação derradeira que ditaria a sua tomada de posse como presidente do governo regional da Catalunha.

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“Quando os juízes são chamados a ocupar o espaço político, continuam a ser juízes. E os juízes, ao contrário dos políticos, não podem nem devem entrar em negociações. A política é feita de diálogos e pactos, mas com um juiz não há maneira de chegar aí”, diz Oriol Bartomeus. “Ninguém chega ao pé de um juiz e diz: ‘Não ganho eu nem ganhas tu, vamos antes negociar’.”

Para este politólogo, a crise na Catalunha divide-se em duas partes igualmente equivocadas. “Primeiro enganaram-se os partidos espanhóis ao pensarem que podem ganhar uma maioria no parlamento da Catalunha. Depois enganam-se os partidos independentistas quando pensam que na Catalunha há mais de 50% de votos a favor da independência”, explica. “E o problema é precisamente esse: os dois lados fazem promessas assentes em expectativas irrealizáveis.”

Assim, continua Oriol Bartomeus, nenhuma parte se demonstra a disposta a negociar: nem os independentistas, que estão na mó de baixo; nem Mariano Rajoy, que está na mó de cima desde que conseguiu a aplicação do Artigo 155 da Constituição, que depôs o governo regional e suspendeu a autonomia da Catalunha. “Uma negociação quer dizer que alguém tem de sair de cima do seu cavalo. E, agora, quem tem as cartas na mão é Rajoy. Mas não vai fazer nada. Vai esperar que os juízes façam o seu trabalho e depois rezar para que isto se evapore.”

Semelhante análise fez o filósofo catalão Josep Ramoneda, num artigo de opinião publicado no El País. “Desde o primeiro momento, Rajoy optou por abdicar das suas responsabilidades e atribuir à justiça todas as funções. Agora, pagam-se as consequências disso. Um problema político converteu-se num problema judicial, que agora escapa das mãos de Rajoy”, escreveu. “Quem marca os tempos políticos não é o governo espanhol, mas sim o juiz Llarena”, acrescentou Josep Ramoneda, referindo-se ao juiz do Tribunal Supremo de Espanha.

Rajoy tem um problema que nasceu na Catalunha — e não é o independentismo

Em dezembro, Mariano Rajoy ganhou uma nova dor de cabeça. Além do independentismo na Catalunha, cujos partidos conseguiram uma maioria de assentos parlamentares nas eleições autonómicas de dezembro de 2017 — mesmo apesar de não terem a maioria dos votos, um feito que têm a agradecer à lei eleitoral que sobrevaloriza os votos das aldeias e vilas em desfavor das cidades —, o Partido Popular de Mariano Rajoy foi ultrapassado pelo Ciudadanos.

O Ciudadanos, partido centrista e liberal fundado em 2006 na Catalunha por Albert Rivera, tornou-se no partido mais votado naquela região com as eleições autonómicas. E, desde então, as sondagens passaram a indicar que esse seria também o lugar do Ciudadanos em toda a Espanha: o de maior força política.

Desde o início do ano, o PP perde força para o Ciudadanos, que é hoje o partido favorito nas sondagens

Desde o início do ano, a tendência tem sido de subida para o Ciudadanos e de queda para o Partido Popular (PP). Na última sondagem do CIS para o El País, o partido de Albert Rivera aparece com uma previsão de 28,9% dos votos — mais do que o dobro dos 13,06% conquistados nas eleições legislativas de 2016. Em segundo lugar, surge o PP, com 21,5%. Segue-se depois o PSOE com 19,4% e o Podemos com 17%, perspetivas que parecem prolongar a travessia no deserto da esquerda espanhola.

Por trás da queda do Partido Popular, analisa Oriol Bartomeus, a questão catalã não é a única a causar danos a Mariano Rajoy e ao PP. “As pessoas que dantes votaram no PP e agora querem votar no Ciudadanos não mudam de intenção de voto por causa da Catalunha, mudam sobretudo porque acreditam que há um problema de corrupção no Partido Popular”, diz o politólogo. “O PP é visto como um partido corrupto que não cumpre e o Ciudadanos é a cara da nova política.”

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Embora a crise da Catalunha e a sua imprevisibilidade tenham retirado à política espanhola a capacidade de olhar o futuro a médio-prazo, a verdade é que nos partidos já se pensa nas eleições autárquicas de 2019 — e em como o resultado destas poderá ser determinante para as próximas eleições legislativas, previstas para junho de 2020.

Num texto de opinião publicado no El Mundo, o escritor Antonio Lucas ilustrou a aparente queda de forma de Mariano Rajoy, depois de outras anteriormente (e erradamente) anunciadas. “Houve uma altura em que o inquilino de Moncloa se tornou numa espécie de superstição nacional”, escreveu. “Mas o tempo é circular e o poder (pelo menos o político, comporta-se sempre da mesma forma. E cai da mesma forma: caindo. Algo soa a fim de trajeto, a sol e a sombra.”

Sobre as perspetivas políticas de Mariano Rajoy no futuro, seja ele o mais próximo como o mais distante, Oriol Bartomeus mantém algumas reservas. “Mariano Rajoy é um resistente, sempre foi. Nunca foi uma pessoa de atacar, mas uma pessoa de aguentar. É um político que aguenta”. Será que aguenta os tempos que se seguem? Na ausência de uma resposta, Mariano Rajoy mantém o silêncio.