O peixe-diabo Caulophryne jordani tem uma forma de reprodução, no mínimo, peculiar: o macho é parasita da fêmea. Esta característica já era conhecida, mas nunca tinha sido registada em vídeo até agosto de 2016, quando o casal Kirsten e Joachim Jakobsen, da Fundação Rebikoff-Niggeler, mergulhou nos mares dos Açores, ao largo da ilha de São Jorge. A descoberta foi divulgada este mês pela revista Science e as imagens são impressionantes.

O mergulho exploratório no submersível estava prestes a chegar ao fim, e o casal preparava-se para voltar à superfície depois de cinco horas a navegar em águas profundas, quando algo lhes chamou a atenção. Não podiam perder o momento e começaram a filmar o estranho peixe diante dos seus olhos. Um processo desafiante, pois tinham de colocar a janela do submersível (com cerca de 1,4 metros de lado) de forma a filmar o animal que teria uns 16 centímetros.

De volta à base era preciso identificar a espécie, por isso enviaram o vídeo para Ted Pietsch, um especialista em peixes de águas profundas na Universidade de Washington, em Seattle. “Tenho estudado estes [animais] a maior parte da minha vida e nunca vi nada assim”, disse o investigador citado pela Science.

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“Este vídeo tem a vantagem de poder mostrar como existem animais que têm modos de vida tão diferentes”, diz Emanuel Gonçalves, administrador da Fundação Oceano Azul.

São conhecidas cerca de 160 espécies de peixes-diabo, primos do tamboril, mas existem muito poucos vídeos sobre elas. “Por isso pode ver quão rara e importante é esta descoberta”, continuou Ted Pietsch. Este peixe-diabo até tem uma ampla distribuição, mas tudo o que se sabia sobre a espécie baseava-se em exemplares de museu ou animais capturados acidentalmente em redes de pesca.

Distribuição de xarroco Caulophryne jordani (laranja) nos oceanos a nível mundial — IUCN

Foi o contacto com Ted Pietsch que atrasou a divulgação do vídeo. A quantidade de informação — sobre o macho, o comportamento da fêmea ou até a coloração dos animais — é tal que os exploradores e o cientista estão a preparar um artigo científico. Por exemplo, já se sabia que os machos, que atingem no máximo 1,5 centímetros eram parasitas, mas pensava-se que estariam completamente imóveis. Neste vídeo foi possível confirmar que, embora preso à fêmea, o corpo e as barbatanas se movem.

A estratégia de parasitismo tem uma boa justificação. Numa zona profunda dos oceanos, onde não entra um raio de luz e onde é difícil encontrar parceiros, estes machos agarram-se às fêmeas (e alimentam-se à custa delas) para o resto da vida. Tornam-se tão dependentes da parceira que até degeneram parte das estruturas do corpo, conta ao Observador Emanuel Gonçalves, administrador da Fundação Oceano Azul, instituída pela Sociedade Francisco Manuel dos Santos. Um pequeno compromisso para o macho que assim garante que está sempre pronto quando chegar o momento da reprodução da fêmea.

Neste ambiente não só os parceiros são poucos, como o alimento também é escasso. No vídeo é possível ver algumas estratégias usadas pela fêmea para capturar alimento, com um dispêndio mínimo de energia. Imóvel na coluna de água, a fêmea poupa energia enquanto espera que o alimento nade até ela — por isso a vemos “rebolar” ao sabor da corrente. Os raios modificados das barbatanas são sensíveis aos movimentos na água e permitem-lhe detetar facilmente presas, que apanha com a boca grande, ou detetar predadores. Imagine-se num quarto completamente escuro de braços abertos à espera que algo lhe toque na mão para rapidamente lhe poder agarrar ou para fugir a sete pés.

Estes raios modificados têm ainda outra caraterística interessante: parecem ser bioluminescentes (ou seja, emitem luz), o que pode servir para atrair as presas. O raio mais especializado nesta função será o primeiro raio da barbatana dorsal (no topo da cabeça), diz Emanuel Gonçalves. Abana para a frente e para trás e tem um tufo na ponta, um autêntico isco.

“A luminescência, quer seja produzida por bactérias ou por mecanismos químicos, pode ser usada para atrair parceiros ou presas ou para comunicar”, diz Emanuel Gonçalves. “Na verdade, no oceano profundo existe muita luz, mas luz biológica.”

Baseados nos Açores, Kirsten e Joachim Jakobsen estavam a explorar uma parede íngreme do lado sul da ilha de São Jorge. E já não é a primeira vez que fazem uma descoberta supreendente. “Acontece regularmente”, diz ao Observador Kirsten Jakobsen. Por exemplo, em 2003, encontraram um recife de coral perto da ilha do Faial, totalmente desconhecido dos investigadores.

A capacidade que têm para registar dados a grandes profundidades, para recolher amostras ou instalar experiências nesses locais, faz com que sejam parceiros da Universidade dos Açores, de outras instituições científicas e do governo regional. As imagens impressionantes que conseguem captar servem não só para uso científico, como para serem usadas em documentários de natureza. Colaboraram com a BBC para o documentário Planeta Azul, por exemplo.

A especialidade principal de Kirsten e Joachim Jakobsen é a tecnologia. Foram eles que conceberam o submergível — Lula 1000 —, onde fazem as explorações, e todos os sistemas interiores que este tem. Este submergível, que atinge mil metros de profundidade, veio substituir o Lula que só chegava aos 500 metros de profundidade. Foi graças a ele que encontraram este peixe-diabo, que vive entre os 600 e os mil metros de profundidade.

A fundação sem fins lucrativos para a qual trabalham foi criada em 1994 por Joachim Jakobsen. O nome da fundação foi inspirado no casal Ada e Dimitri Rebikoff, “pioneiros no desenvolvimento de tecnologia subaquática”, conta Kirsten Jakobsen. O casal Rebikoff, com quem Joachim Jakobsen chegou a colaborar, desenvolveu as primeiras câmaras fotográfica e de filmar submarinas, o primeiro flash eletrónico subaquático e o primeiro veículo submarino teleguiado.

“Ainda há tanto por saber sobre o oceano profundo. Devíamos investir mais em ciência para podermos conservar estas espécies e o oceano”, diz Emanuel Gonçalves. Para o investigador do Mare – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, investimos mais a explorar o espaço e a conhecer outros planetas do que a conhecer os oceanos.

Em termos de financiamento, a Fundação Rebikoff-Niggeller chegou a receber financiamento da família Niggeler, conta Kirsten Jakobsen. Para a construção do Lula 100o conseguiram o apoio do governo dos Açores. Agora, vive dos projetos científicos e cinematográficos de que é parceira. Um destes projetos científicos será desenvolvido com a Universidade dos Açores e pretende estudar os pouco documentados corais de águas profundas. “Este projeto vai permitir saber mais sobre a biodiversidade marinha dos Açores”, finaliza a exploradora.