A transportadora aérea Ryanair pode incorrer em processo contraordenacional e num crime, se for aplicada a lei portuguesa quanto à substituição de trabalhadores grevistas, segundo especialistas em Direito do Trabalho.
Tiago Cochofel de Azevedo, advogado do escritório Vieira de Almeida, notou à agência Lusa a necessidade de definir qual a lei aplicável a este caso, que envolve uma empresa irlandesa e tripulantes de cabine com base em Portugal, que poderão ter sido substituídos durante a greve por colegas de bases internacionais.
Na lei portuguesa a “substituição de grevistas, além de contraordenação muito grave, é um dos poucos crimes previstos na lei laboral, mas é crime e é punido por uma pena de multa até 120 dias”, avançou à Lusa.
Outro especialista, António Garcia Pereira referiu que a violação da proibição de substituição “constitui uma contraordenação muito grave e implica também responsabilidade de natureza criminal”.
Desde o início da paralisação de três dias não consecutivos que o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) denunciou que a Ryanair contactou tripulantes na Europa para a substituição dos grevistas e fez ameaças de despedimento.
A transportadora aérea de baixo custo informou publicamente que iria usar “aeronaves e tripulantes” de fora do país “se necessário” para cumprir a operação durante a greve dos tripulantes de cabine com base em Portugal.
O advogado Tiago Cochofel de Azevedo frisou desconhecer os termos concretos dos contratos, mas referiu que, no âmbito da legislação comunitária, a lei que regula relações contratuais “é a escolhida pelas partes” e no caso de não haver escolha o “contrato vai ser regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho”.
E mesmo optando por uma lei distinta do país de emprego, não se pode privar o trabalhador da “proteção que teria caso fosse aplicável a lei do seu local habitual de trabalho”, indicou. Assim, “há uma probabilidade muito séria de a lei aplicável ser a lei portuguesa” neste caso.
Por seu lado, Garcia Pereira referiu que à luz dos “princípios do direito internacional privado nenhum preceito de natureza de ordem pública da lei portuguesa pode ser afastado em detrimento de uma outra lei, mesmo por convenção das partes”.
O direito à greve é um direito constitucionalmente consagrado no artigo 57º, com “eficácia direta e imediata, que vincula todas as entidades públicas e privadas” e a proibição de substituição está ainda prevista no Código de Trabalho (artigo 535º. Caso sejam violadas as regras, a responsabilidade é imputada ao empregador, tendo a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que levantar autos contraordenacionais e remeter para o Ministério Público (MP) o acionamento da responsabilidade criminal, acrescentou o advogado.
Na quinta-feira, a ACT informou que continua a “intervenção inspetiva” à Ryanair e que esteve presente em todos os dias de greve dos tripulantes de cabine da transportadora aérea, sem sofrer restrições.
Sobre o recurso à substituição de trabalhadores em greve, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, lembrou, no parlamento, que “numa situação de greve, a substituição de trabalhadores não pode acontecer quando fere o direito à greve”.
Vieira da Silva lembrou que os contratos de trabalho com a Ryanair foram assinados ao abrigo de um regulamento europeu (o regulamento de Roma) que permite às companhias aéreas escolherem um enquadramento legal diferente daquele que vigora no país onde os trabalhadores estão instalados.
No entanto, o mesmo regulamento também prevê que em caso de conflito com a legislação do país de origem, neste caso Portugal, seja aplicada a legislação que for mais favorável ao trabalhador, explicou o governante, referindo que se trata de um processo “complexo”.
Garcia Pereira indicou ainda à Lusa que os trabalhadores “a serem constrangidos com a ameaça de um mal importante, neste caso o despedimento, para suportar uma determinada situação, isso configura a prática de um crime, que é o crime de coação previsto no artigo 154º do Código Penal”, acrescentou ainda o advogado, referindo ser este um crime público, sem necessidade de queixa das vítimas.
A Lusa questionou a PGR sobre esse assunto e aguarda resposta.