Foram duas audições que vão ficar para a História: o presidente de uma das empresas tecnológicas mais influentes do mundo esteve a ser questionado durante 10 horas no Congresso norte-americano.
https://observador.pt/2018/04/11/mark-zuckerberg-volta-ao-congresso-norte-americano-siga-aqui/
Na terça-feira, foram 44 os senadores que interrogaram Mark Zuckerberg durante cinco horas. Na quarta-feira, foram perto de 100 congressistas no mesmo período de tempo. No final, Mark Zuckerberg repetiu ideias, frases, remeteu várias explicações para membros da sua equipa e fez apenas uma ou outra revelação mais marcantes. Houve, pelo menos, 12 perguntas que ficaram sem resposta.
A auditoria está a ser feita a quantas apps? E quando vai acabar?
“Estamos a fazer uma auditoria a cada aplicação”, foi a frase que Mark Zuckerberg disse várias vezes ao longo das duas audições. No depoimento inicial, que enviou ao Congresso, já dizia que estavam a “investigar todas as apps”. No entanto, foi preciso chegar à última audição para se perceber, depois de a congressista Schawosky ter feito várias perguntas, que não há um número concreto das aplicações que estão a ser investigadas.
Schawosky lembrou Zuckerberg de todas as vezes em que este assumiu, nos últimos anos, que tinha errado. “Parece que a autorregulação, simplesmente, não funciona”, afirmou. Segundo a representante norte-americana, “há cerca de nove milhões de aplicações”. O criador do Facebook não confirmou nem desmentiu. Apenas disse a resposta-chave que tinha preparada para momentos mais complicados: “A minha equipa pode ajudar com isso se precisar”.
Mark Zuckerberg. Os milhões, as polémicas e as desculpas do “novo César” do Facebook
“Mas têm um prazo para concluir essa auditoria?”, continuou a congressista. “Pode demorar muitos meses”. Não satisfeita, a congressista contra-perguntou: “Anos?”. E surge a resposta que mostra que nem Mark Zuckerberg sabe quanto tempo este processo vai demorar “Espero que não”.
Houve ou não funcionários do Facebook envolvidos com a Cambridge Analytica?
“Não sei”. “Não ouvi nada sobre isso”. “Não sei nada sobre isso”. Foram estas as três respostas de Mark Zuckerberg quando questionado sobre o possível papel de funcionários do Facebook no acesso aos dados utilizados pela Cambridge Analytica. Então, estiveram ou não estiveram? Zuckerberg afirmou, nas audições, que havia funcionários da empresa a trabalhar com campanhas políticas, focando-se no caso da eleições presidenciais norte-americanas. Quanto a terem tido um papel ativo na Cambridge Analytica, não negou nem confirmou.
Sabemos, no entanto, que “ninguém foi despedido por causa deste caso”, afirmou Zuckerberg. A dúvida mantém-se e provavelmente só depois de as investigações em curso terem terminado, a do governo americano, a do britânico e a do próprio Facebook, é que se poderá saber o envolvimento (ou não envolvimento) de funcionários da empresa com a polémica empresa de análise de dados.
Perfil de Zuckerberg foi usado pela Cambridge Analytica? Mas como?
Foi uma das revelações mais importantes da audição, senão a mais importante. Quando a republicana Anna Eschoo lhe perguntou se os dados pessoais de Zuckerberg tinham sido vendidos a “terceiros mal intencionados”, o líder do Facebook respondeu “sim, foram”, mas não se soube mais nada sobre o assunto. Na resposta não fica 100% claro que os “terceiros mal intencionados” sejam os membros da Cambridge Analytica, mas é isso que se depreende.
Contudo, não se percebe se isso aconteceu porque Zuckerberg participou na aplicação thisisyourdigitallife, que permitiu a recolha dos dados que foram posteriormente vendidos à Cambridge Analytica, ou, não tendo participado, como é que a empresa britânica copiou o seu perfil.
É possível garantir que Alexander Kogan fica sem os dados que vendeu à Cambridge Analytica?
Sobre o programador Alexander Kogan, que vendeu os dados à Cambridge Analytica, Zuckerberg disse que já o tinham banido da plataforma, mas não disse muito mais além disso. Não há certezas sobre se Kogan mantém os dados, se os vendeu a mais empresas ou se há outros programadores com informação semelhantes. A única coisa que Zuckerberg disse hoje foi: “Vamos-nos certificar que ele fica sem os dados a que teve acesso”.
O líder do Facebook fez ainda referência ao facto de haver mais investigadores da Universidade de Cambridge com outras apps “para uso académico” na plataforma e disse que era preciso verificar o que se estava a passar, se Kogan tinha sido um caso isolado ou não.
“É preciso mais legislação”. Mas que legislação?
Na União Europeia já é sabido que vai haver o Regulamento sobre a Proteção de Dados (que passa a ser plenamente aplicável a 25 de maio), mas e no resto do mundo (com especial enfoque nos Estados Unidos, onde decorreu a audição)? A resposta pode surgir depois das audições. No entanto, mesmo com o Facebook a dizer que vai aplicar em todo o mundo as alterações a que foi obrigado pela União Europeia (como ter termos de serviço mais claros e permitir o direito a ser esquecido digitalmente), não apoiou nenhuma das propostas de maior regulação do setor que lhe foram apresentadas por senadores e representantes.
Zuckerberg afirmou que é preciso mais legislação, mas não adiantou que medidas seriam as melhores. O contrário também não disse. “Que medidas do RGPD estão erradas?”, questionaram-no. “Preciso de pensar sobre isso”. Ainda na senda do RGPD, soube-se que a 25 de maio o Facebook vai aplicar as alterações (informação no topo das aplicações a mostrar que dados são utilizados é uma delas). Contudo, quando questionado quando é que as medidas aplicadas na UE vão surgir nos EUA (como o Facebook ter de informar em 72 horas os utilizadores se os dados foram comprometidos), Zuckerberg não deu um prazo.
O que acontece aos dados de quem não tem Facebook, mas é apanhado pela rede social?
Zuckerberg explicou prontamente que a rede social também tem acesso aos dados das pessoas que não têm Facebook, mas que visitam páginas públicas ou acedem a sites que partilham dados com a empresa. Explicou que fazem isto por dois motivos: segurança e publicidade. Mas quando lhe perguntaram se estes dados eram vendidos para fins publicitários, não esclareceu os congressistas. “Acredito que agregamos diferentes dados, mas posso tentar saber mais detalhes sobre isto.”
A congressista Dingell, do Michigan, questionou Zuckerberg sobre a quantidade de botões de “gosto” e de partilha que existem em sites fora do Facebook e que são usados também para recolher informação dos utilizadores, mesmo que não tenham conta na rede social, mas o líder da empresa não conseguiu dar-lhe esta informação. Não fazia ideia de quantos sites dispunham deste tipo de ligações.
Que regulação é mais justa para com as startups que queiram competir com o Facebook?
É uma preocupação que já tinha surgido ontem no Senado e que voltou esta quarta-feira à Câmara dos Representantes. Até que ponto uma regulação complexa sobre a privacidade de dados vai inibir pequenas startups de competirem com o Facebook e outras empresas que tenham mais recursos?
Zuckerberg respondeu o que já tinha dito no Senado:“A Internet está a crescer em importância no mundo e na vidas das pessoas. É inevitável que haja alguma legislação, mas precisamos de ter cuidado com a regulação que implementamos, porque, às vezes, as empresas que são maiores e que têm mais recursos podem facilmente cumprir com essa regulação, mas uma pequena startup não.”
A preocupação com o assunto foi mais uma vez notada, mas Zuckerberg nunca explicou o que é essencial numa eventual regulação para evitar que haja competição desleal.
Vai ou não haver uma versão paga do Facebook?
Várias vezes, no passado, Zuckerberg afirmou que o Facebook vai ser, para sempre, um serviço não pago. “Vamos manter para sempre o Facebook como um serviço gratuito para todos”, disse Mark Zuckerberg em 2010 ao Washington Post. Contudo, nestas audições uma simples palavra mudou o discurso: “Versão”. Em resposta ao senador Bill Nelson, que quis saber se a empresa está a pensar num modelo de subscrição para quem não queira receber publicidade, Zuckerberg respondeu: “O Facebook vai ter sempre uma versão gratuita”.
Os 7 pontos que marcaram a primeira audição de Zuckerberg no Congresso
O problema surge porque isto pode significar que está aberta a possibilidade a uma versão paga. Mais tarde na audição, perguntaram de novo a Zuckerberg sobre uma eventual versão para subscrição e o executivo afirmou que “várias pessoas sugerem uma versão paga do Facebook, onde não há anúncios se pagarem uma subscrição mensal, e consideramos ideias como essas”. Esta afirmação mostrou que, afinal, o que era certo em 2010, poderá já não ser tão certo em 2018. Vai existir uma versão paga do Facebook? Não se sabe.
No entanto, no mesmo tema, o senador conseguiu uma das resposta mais emblemáticas de Zuckerberg na audição: “Então, como é que têm receitas?”. Zuckerberg respondeu: “Senador, temos anúncios [we run ads]”.
Está ou não disposto a mudar o modelo de negócio para proteger a privacidade?
Um dos temas mais falado nas audições está relacionado com o modelo de negócio do Facebook, que incide no aproveitamento de dados de utilizadores para outros fins. Quando um dos congressistas lhe perguntou se estaria disposto a mudar o modelo de negócio para proteger a privacidade dos utilizadores, Zuckerberg ficou visivelmente incomodado. E optou por responder “não sei o que a pergunta significa”. O congressista insistiu no tópico, mas do fundador da maior rede social do mundo não saiu nenhuma resposta clara.
Como é que o Facebook vai autenticar páginas políticas?
Zuckerberg pouco explicou sobre como vão implementar umas das novas alterações na plataforma, a autenticação do patrocínio de anúncios políticos. O presidente executivo do Facebook disse que a autenticação vai passar por validar a localização do utilizador, para, por exemplo, se estiver na Rússia, a plataforma poder perceber se quem está a pedir autenticação é quem diz ser. Contudo, como é que funciona exatamente a autenticação e quando é que vai ser aplicada no resto do mundo, ficou sem resposta. Em resposta ao Observador, o Facebook explicou, por e-mail, que esta medida vai ser aplicada, para já, apenas nos Estados Unidos da América.
As ferramentas de autenticação destas páginas e que tipo de triagem, além da confirmação da localização, é que os utilizadores que queiram promover posts políticos no Facebook vão ser submetidos (por exemplo, a página de um candidato autárquico), ficou por saber. É uma medida que precisa de maior transparência para quem quer fazer propaganda eleitoral no Facebook , principalmente porque Zuckerberg afirmou: “Queremos assegurar que ninguém interfere com as eleições que vão decorrer em 2018 no mundo”.
Existe ou não a possibilidade de Zuckerberg sair da liderança do Facebook?
Zuckerberg contava com perguntas sobre a sua continuidade enquanto presidente executivo e não executivo do Facebook (o líder do Facebook não pode ser despedido, terá de se afastar por iniciativa própria). O rumor, pelos vistos, existe. Tanto que nas notas que levou para a audição do Senado tinha, e deixou em cima da mesa num dos intervalos, tinha este como um dos tópicos que podia surgir. No entanto, tanto na primeira como na segunda audição, ninguém questionou se Zuckerberg devia ou não continuar à frente do Facebook.
https://twitter.com/KaniJJackson/status/983833045131292672
Numa conferência telefónica com jornalistas de todo o mundo, Zuckerberg já tinha dito achava que era a pessoa mais indicada para liderar a empresa. Mas fica a questão: Porque é que estava esse ponto nas notas? Porque é que um jornalista afirmou que havia esse rumor na conferência de imprensa?
Zuckerberg não esclarece que funcionários da empresa podem aceder aos dados dos utilizadores
Já no final da audição, Zuckerberg respondeu a uma das perguntas que mais atormenta utilizadores: “Pode um funcionário do Facebook aceder aos meus dados?”. Para o fundador da rede social, “teoricamente” é um cenário possível. O problema foi o “teoricamente”. Zuckerberg não disse, como noutras respostas, taxativamente “não”. Também não disse sim, mas vendo o historial da empresa e os pedidos de desculpa que o criador do Facebook já teve de fazer por erros que podiam ter sido evitados, parece uma resposta que merecia uma resposta definitiva, que não fosse teórica.