A Autoridade da Concorrência assume a “preocupação” face à criação de uma nova entidade de supervisão financeira que venha a ter competências de investigação de práticas anticoncorrenciais na banca e seguros. “Sérios conflitos de interesses, “retrocesso”, “enfraquecimento da concorrência” e “dificuldades legais importantes”, são expressões usadas no parecer dado pelo regulador da concorrência à proposta de reforma de supervisão financeira.
O novo modelo, elaborado a pedido do Governo por uma equipa liderada por Carlos Tavares (ex-presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários), prevê a criação de uma entidade, o Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira (CSEF) que poderia assumir competências na área das práticas restritivas da concorrência, atualmente sob tutela exclusiva da Autoridade da Concorrência. Estas propostas estão em consulta pública antes de ficar fechado o novo modelo de supervisão financeira que abrange os setores da banca, seguros e mercados financeiros.
Para este regulador, liderado por Margarida Matos Rosa, esta atribuição de poderes iria criar “um significativo risco de enfraquecimento da concorrência nos mercados em causa, em vez de contribuir para a intensificar”. São várias as reservas suscitadas no parecer da Autoridade da Concorrência (AdC) que considera ainda a proposta de “difícil compatibilização com o quadro legal aplicável, quer a nível nacional, quer ao nível do direito europeu”.
A AdC alerta para o perigo de fragmentação dos poderes de defesa da concorrência, por causa de dificuldades de coordenação operacional e invoca a dispersão de poderes de aplicação que existia antes da sua criação em 2003.
“A mera ocorrência de investigações paralelas sobre as mesmas práticas restritivas de concorrência colocaria ainda em causa o sucesso dessas investigações, com elevados riscos de perturbação dos inquéritos, normalmente sujeitos ao regime de segrego de justiça, e potencial destruição de prova pelas empresas investigadas”.
Para o regulador, a dispersão de competências na defesa da concorrência iria atrasar as diligências e “prejudicar a eficácia das investigações”. Num parecer duro, a Autoridade da Concorrência aproveita para mandar recados aos colegas da regulação financeira sobre a colaboração em investigações da concorrência.
“Desde 2003, são escassos os exemplos de comunicação ou denuncia de suspeitas de práticas anticoncorrenciais por parte dos três supervisores incluídos no (proposto) CSEF– Banco de Portugal, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. De facto, entende-se que a missão de que estes são incumbidos de conduzir supervisão prudencial sobre os seus respetivos setores encerra conflitos de interesse significativos e sobejamente estudados relativamente à denúncia das respetivas práticas.”
“Em contraste com a ausência de comunicação de práticas anticoncorrenciais durante quase 15 anos, a AdC tem um historial de mais de 200 casos investigados nos vários setores da economia, representando o setor financeiro cerca de 6% dessas investigações, em particular 6 no mercado de sistemas/meios de pagamento, 3 no setor bancário e 2 no setor segurador. A investigação de casos de cartel nestes setores — há um processo ainda sem decisão relacionado com a banca que dura desde o tempo em que Manuel Sebastião liderava a AdC (até 2013) — assume particular relevado, com destaque para o impacto negativo destas práticas no consumidor final”.
Neste parecer, a Autoridade da Concorrência contesta ainda o desvio de receitas suas que considera próprias, e que são asseguradas pelos três reguladores financeiros, para o financiamento do novo CSEF (Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira). A proposta de transferir as contribuições dos supervisores setoriais da AdC para o novo organismo “redundaria na diminuição daquelas receitas próprias da AdC”, o que qualifica de “injustificada” e contrária às garantias de independência.