Ivailo Iordanov foi um dos jogadores estrangeiros com mais jogos oficiais realizados pelo Sporting mas deixou uma marca no próprio futebol português, sobretudo pela forma como enfrentou o diagnóstico de esclerose múltipla em 1997 e, três anos depois, ainda ajudou os leões a quebrar um longo jejum de 18 anos sem ganhar o Campeonato. Este domingo, o antigo adjunto do Baroe que agora é diretor desportivo da sua primeira equipa na 1.ª Divisão búlgara, o Lokomotiv Gorna Oryahovitsa faz 50 anos e o Observador reuniu os episódios mais marcante do búlgaro que ficará sempre como o “herói” que foi de grua colocar um cachecol verde e branco na estátua do Marquês de Pombal.
“A doença está controlada. Sempre que preciso vou fazer exames a Portugal, sou seguido no hospital de Santa Maria e há uns surtos que me obrigam a estar constantemente vigilante. Tomo medicamentos todos os dias. Se é difícil de conviver? Sim, um bocado. Como sabes, não há cura, infelizmente. Mas está controlada, foi importante detetá-la a tempo. Uma pessoa nunca se habitua. Quando tens uma doença grave, é difícil para toda a gente, não só para ti mas também para a família. Aparece um sentimento de revolta que é difícil de gerir. Difícil, muito difícil…”, admitiu numa entrevista publicada este domingo no jornal Record, onde recordou também que o pai, militar falecido em 2001, também jogou futebol e foi dos seus primeiros treinadores.
Presente? Não sei, não sou muito ligado a coisas materiais. Fico feliz com qualquer coisa. Mas sabes o que quero mesmo? Saúde e anos de vida. E sorte, claro. Sem ela, não temos nada”, destacou Iordanov em dia de aniversário.
Jogar entre homens aos 15 antes de passar dois anos na tropa
Nascido em Samokov, Iordanov cedo revelou jeito para a bola no PFC Rolski Sportist. Tanto que, com apenas 15 anos, o avançado búlgaro (que então alinhava apenas na frente, como gostava) já estava a jogar entre homens, na 2.ª Divisão do país. Por lá andou antes de se mudar, em 1989, para o Lokomotiv Gorna Oryahovitsa, onde teve a primeira experiência no Campeonato principal que era dominado pelo CSKA Sófia. E só não foi antes por causa dos dois anos de tropa que teve de fazer, entre a Bulgária e a União Soviética. Principal referência? O internacional inglês Bryan Robson, que brilhou no Mundial de 1982 e nos anos 80 ao serviço do Manchester United.
Uma apresentação entre os saltos para recorde de Sergei Bubka
A pista de tartan de cor azul clara do antigo estádio José Alvalade foi um dos principais palcos das grandes provas de atletismo em Lisboa nos anos 80 e 90 e por lá passaram algumas das maiores figuras nacionais, casos de Carlos Lopes e Fernando Mamede, que chegou mesmo a bater lá um recorde da Europa em 1991 perante 15 mil pessoas que praticamente encheram a bancada central, e internacionais, como os velocistas Robson da Silva ou Ben Johnson. Em junho de 1991, Iordanov, de fatinho preto e gravata branca, foi apresentado como reforço dos leões a meio do meeting de Santo António onde Sergei Bubka tentava bater o recorde mundial do salto com vara.
As estreias a marcar, a história dos dérbis e o Mundial de 1994
Iordanov nunca foi um artista da bola como o compatriota Balakov nem um goleador com médias de quase um golo por jogo, mas a verdade é que aparecia nos momentos importantes. Como, por exemplo, na estreia com o Famalicão ou no primeiro jogo europeu, com o Dínamo de Bucareste, marcando em ambos. No segundo dérbi em Alvalade, em 1992, e depois de um fabuloso golo de Bala aos 12 segundos, fez o 2-0 de cabeça e acabou expulso por acumulação de amarelos, naquele que foi o único vermelho na carreira (e por não ter ouvido o apito antes de chutar à baliza). A temporada seguinte teve um misto de sentimentos, entre maio e julho de 1994: viu a Liga fugir no memorável dérbi do 6-3 com hat-trick de João Vieira Pinto na primeira parte, mas foi chamado ao Campeonato do Mundo em vez de Penev e esteve na grande carreira da Bulgária que ganhou à Grécia, à Argentina, ao México e à Alemanha antes de perder com a Itália nas meias-finais (2-1) e com a Suécia no jogo para o terceiro e quarto lugares (4-0).
O herói do Jamor, na despedida de Figo, Peixe e Balakov
A vitória na Taça de Portugal de 1995, frente ao Marítimo, acabou por ser um momento importante da passagem do búlgaro por Alvalade: o Sporting, que não ganhava qualquer título há uns anos, tinha uma equipa fortíssima mas que iria ficar sem Figo, Peixe e Balakov no final daqueles 90 minutos diante dos insulares. O avançado, uma das figuras mais queridas do grupo (tal como era na seleção, onde Stoitchkov, sempre pronto para fazer das suas, chegou a empurrá-lo no final de uma entrevista para a piscina vestido e de telemóvel na mão…), fez os dois golos do triunfo e, na primeira reação em direto para a RTP, apontou para as bancadas em lágrimas dizendo “Isto é para aquela malta que nos apoia”. “Não havia alternativa, a Taça tinha de ser nossa custasse o que custasse”, sublinhou.
O acidente de viação, a fratura na coluna e o regresso antes do tempo
Nesse Verão de 1995, a meio de julho, Iordanov teve o primeiro grande teste à sua fibra: no seguimento de um grave acidente de viação na Bulgária, o avançado sofreu uma fratura na coluna e temeu-se que tivesse a carreira em risco. Sem necessidade de intervenções cirúrgicas, acabou por viajar para Lisboa, iniciar um longo período de recuperação e voltar aos treinos três meses depois (antes do que tinha inicialmente traçado), ao ponto de ter realizado sete golos em 25 partidas nessa temporada (onde venceria a Supertaça frente ao FC Porto, em Paris). Em paralelo, e apesar de ter pensado que nunca mais tocaria no volante de um carro, seguiu a recomendação médica de fazer o contrário para perder o medo e também aí voltou à sua vida normal pouco tempo depois.
A esclerose múltipla, a aposta ganha e o exemplo que dava
Quando estava num estágio pela seleção búlgara, em 1997, Iordanov sentiu um dia a perna a falhar. Estava para ser titular nesse jogo com a Rússia, pediu ao técnico que desse lugar a outro porque não estava nas melhores condições. De regresso a Lisboa, os exames apontaram para um diagnóstico totalmente desconhecido: esclerose múltipla. O próprio médico do Sporting que lhe deu a notícia estava de lágrimas nos olhos com o que se passava e o jogador, para não haver qualquer confusão, marcou uma conferência de imprensa e assumiu o que se passava. Com Fernando Ferreira, o médico, apostou que estaria no Mundial de 1998 e não falhou, tendo nessa fase parado de tomar a medicação para que não influenciasse em demasia o rendimento. Em paralelo, o jogador, que entretanto já tinha experimentado quase todas as posições em campo menos a de guarda-redes, tornou-se um exemplo de superação e passou a ser visita frequente em vários hospitais para apoiar quem mais necessitava.
A subida na grua ao Marquês: uma imagem para a história
Depois de ter sido diagnosticado com esclerose múltipla, Iordanov continuou a fazer parte do plantel verde e branco e teve a sua grande alegria desportiva em maio de 2000, quando o Sporting de Augusto Inácio quebrou um jejum de 18 anos sem vencer o Campeonato. Houve festa pelas ruas do País toda a noite, mas foi na rotunda do Marquês de Pombal que aconteceu o momento mais simbólico da festa: o búlgaro, que fez 15 jogos e era também capitão de equipa, foi para dentro de uma grua e subiu até à estátua para lá deixar um cachecol verde e branco. “Não tenho vertigens mas mesmo que tivesse subiria sempre! Estava tão feliz naquele momento e chorei tanto que só depois tive consciência do que tinha feito”, admitiu mais tarde o internacional sobre uma noite que nunca esquecerá.
O final da carreira como capitão, o banco e o negócio de camiões
Na temporada seguinte, em 2000/01, Iordanov ainda realizou dois jogos, que acabariam por ser os últimos não só pelo Sporting mas também da carreira. Ao todo, fez 226 encontros oficiais e 71 golos pelos leões, ganhando um Campeonato, uma Taça de Portugal e uma Supertaça ao longo de uma década onde chegou a capitão do conjunto verde e branco após a saída de Oceano, o segundo estrangeiro em termos históricos depois de Vágner. Ainda passou pela equipa técnica do Sporting B, mas acabou por voltar à Bulgária e montar um negócio de camiões.
Um jogo de homenagem que lá se realizou, nove anos depois
Ao longo da carreira, Iordanov foi recebendo algumas propostas para sair de Alvalade, quase todas para ganhar mais. Recusou sempre. “Devo ser um homem à antiga porque nunca me movi por dinheiro. Ou melhor, entendo que o dinheiro não é tudo na vida. Não sou hipócrita nem daqueles que dizem que o dinheiro não é importante. Claro que é. Só que nunca andei atrás dele. Dei sempre o máximo, quer no Sporting quer na seleção e não o fiz pelo dinheiro”, contou em entrevista ao Observador. Também por isso, a única coisa que não abdicava era mesmo ter o seu jogo de despedida que, por uma razão ou outra, se foi arrastando sem data e meteu tribunais pelo meio. Nove anos depois, realizou-se mesmo, em Alvalade, com vários antigos companheiros. E a receita foi toda para instituições de caridade.
As lágrimas numa entrevista à Globo que causaram emoção
Uma entrevista à Globo no ano passado levou Iordanov às lágrimas e causou muita emoção a todos aqueles que foram seguindo o trajeto do búlgaro: 19 anos depois, o jornalista Marcelo Canelas, que tinha feito uma reportagem com o avançado no Mundial de 1998, deslocou-se a Sófia para rever o então adjunto da equipa do Baroe, que entretanto aceitou o convite para ser diretor desportivo da ex-equipa do Lokomotiv Gorna (“Tenho habilitações para ser treinador mas não é qualquer jogador que dá treinador. Para mim não servia e tenho de pensa na minha saúde, o stress é muito grande e tenho de evitá-lo”, comentou), e recordar não só essa altura mais complicada da vida mas também partilhar algumas mensagens de antigos companheiros de equipa como André Cruz, Leandro ou César Prates. A emocionante conversa teve grande repercussão em Portugal, comprovando a marca que o antigo jogador não só no Sporting mas também no próprio futebol nacional.
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