O Presidente francês Emmanuel Macron foi ao Congresso norte-americano discursar perante os representantes políticos dos Estados Unidos, a propósito da sua visita de Estado ao país, assumindo que a França almeja agora ocupar o lugar de honra nas relações com os EUA — mas fazendo igualmente fortes críticas a alguns elementos da política defendida por Donald Trump, como o nacionalismo e o isolacionismo.
Recebido com uma ovação e uma salva de palmas que durou cerca de três minutos, Macron cumprimentou vários congressistas na chegada à sessão. O Presidente Trump, com quem Macron já se encontrou e com quem teve inclusivamente um banquete de Estado na noite anterior, classificou no Twitter o momento como “uma grande honra” e prometeu que Macron “será ÓTIMO!”.
Busy day planned. Looking forward to watching President Macron of France address a Joint Session of Congress today. This is a great honor and seldom allowed to be done…he will be GREAT!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) April 25, 2018
As palavras do Presidente francês, contudo, estiveram longe de ser apenas elogios para Trump.
França e EUA e o seu rendez-vous com o terrorismo
Proferido em inglês, o discurso começou por destacar a relação histórica entre França e Estados Unidos e os laços que os unem. No dia em que se assinalam 58 anos da ida de Charles de Gaulle a esse mesmo Congresso, o Presidente francês destacou as semelhanças entre França e Estados Unidos: “As nossas nações estão enraizadas no mesmo solo, com base nos ideiais das revoluções americana e francesa”, declarou. “Lutámos muitas batalhas, ombro a ombro.” E, trazendo essa relação para a atualidade, Macron apontou para o facto de Trump ter escolhido o chefe de Estado francês como primeiro convidado para uma visita de Estado em solo americano da sua presidência.
De seguida, o Presidente francês destacou o terrorismo como o flagelo que une os dois países e o seu combate como principal objetivo comum: “Nos últimos anos, as nossas nações sofreram revezes simplesmente por causa dos nossos valores. No 11 de setembro, muitos americanos tiveram um rendez-vous inesperado com a morte; nos últimos anos, também os cidadãos do meu país o tiveram”, afirmou. “É um preço horroroso a pagar pela liberdade e pela democracia. É por isso que estamos juntos na Síria hoje, para combater estes grupos terroristas que querem destruir tudo o que nos é querido. Temos este encontro marcado com a morte porque queremos defender a democracia.”
A política externa foi claramente o ponto enfatizado por Macron como a área onde França e EUA mais devem colaborar como países irmãos, falando na necessidade de encabeçar uma “nova ordem mundial”, baseada no multilateralismo: “Os EUA criaram esse multilateralismo — agora têm de ser vocês a reinventá-lo”, pediu.
A unir os dois países, defende o Presidente francês, estão ainda ideias comuns como a história dos direitos civis (com uma menção aos 50 anos da morte de Martin Luther King), a defesa da igualdade de género (recordando Simone de Beauvoir e destacando o impacto do movimento MeToo em França) e também os laços económicos “que criam centenas de milhares de empregos dos dois lados do Atlântico”. Macron foi ainda mais longe ao reclamar para França o lugar durante tantos anos ocupado pelo Reino Unido como parceiro preferencial dos norte-americanos: “Esta relação muito especial… Somos nós”, disse, ao som de aplausos, utilizando a expressão de Winston Churchill.
Da nova “relação especial” às críticas no comércio e no Acordo de Paris
Se a “relação especial” significa um laço fraternal, Macron considera que isso também lhe dá direito a poder dar puxões de orelhas. Daqui para a frente, o resto do discurso perante o Congresso contou mais com críticas do que elogios. O chefe de Estado francês resolveu citar o Presidente norte-americano Franklin Roosevelt (“A única coisa que devemos temer é o próprio medo”) para criticar o isolacionismo e a “ilusão do nacionalismo”, garantindo que “a raiva não traz frutos”.
Em concreto, Macron assumiu-se claramente contra uma guerra comercial: “Vai destruir empregos, aumentar preços e a classe média é que irá pagar por isso”, vaticinou, reafirmando que não acredita na “desregulação total”, nem “no nacionalismo extremo”. Recorde-se que, nas últimas semanas, o Presidente Trump impôs uma série de novos impostos ao comércio com a China, levando muitos a falar numa guerra comercial.
Mais clara ainda foi a crítica de Macron relativamente à saída dos EUA do Acordo de Paris: “Estamos a matar o nosso planeta. Sejamos sinceros: não há nenhum planeta B”, disse. “Pode haver discordâncias nesta matéria entre os EUA e a França, como em todas as famílias, mas temos de trabalhar juntos”, pediu o Presidente francês, sendo fortemente aplaudido por muitos congressistas, que aplaudiram de pé a frase “tenho a certeza que um dia os Estados Unidos irão regressar ao Acordo de Paris”.
Quanto a outro acordo que Donald Trump já ameaçou rasgar, o acordo nuclear com o Irão, Macron reforçou que a França não sairá dele. “Nós assinámos o acordo, não podemos dizer ‘vamos livrar-nos dele'”, afirmou. Contudo, o líder do movimento República em Marcha mostrou-se confiante de que será possível conseguir um novo entendimentos com os norte-americanos nesta matéria, trabalhando num “acordo mais abrangente” para todo o Médio Oriente. “O Irão não deve possuir nenhuma arma nuclear. Nem hoje, nem daqui a cinco anos, nem daqui a dez. Nunca.”
Depois das críticas, Macron voltou assim a abrir a porta a um novo tipo de entendimentos com a administração Trump, mais uma vez no Médio Oriente, como forma de garantir a presença dos EUA no “multilateralismo” que defende ser necessário para a “nova ordem mundial”. E deixou um apelo final, com pompa e circunstância, falando num “chamamento da História”: “Aquilo que amamos está em perigo. Não temos outra alternativa senão triunfar. E triunfaremos.”