A ideia era regressar a Portugal para estudar Filosofia. Corria o ano de 1996 ou um pouco depois disso e Edgar Martins estava na terra que o tinha visto crescer: Macau. À terra que o viu nascer, no entanto, não ia tanto assim: os pais deixaram Évora para trás quando tinha dois ou três anos depois de encontrar oportunidades de trabalho no Oriente. Depois de fazer o liceu na área de humanidades e literatura, porém, Edgar acreditava que o destino o levaria novamente para cá.

Ao escrever um livro de poesia percebeu que podia não ser bem assim: a obra era “muito visual” e isso motivou-o a estudar imagem. Foi para Inglaterra fazê-lo. Só voltou para Portugal com canudo na mão para pôr em prática grande parte dos projetos que tinha em mente. Agora, com 41 anos, foi considerado pela Organização Mundial de Fotografia um dos melhores fotógrafos do mundo. E ganhou dois prémios de uma vez só.

Há um português entre os melhores fotógrafos do mundo escolhidos pela Sony

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É isto que Edgar Martins explica ao Observador ao telefone e pouco depois de acabar de jantar em Londres, onde recebeu o prémio do concurso de fotografia patrocinado pela Sony. Diz que já nem é muito preciso dizer que mora no Reino Unido, porque os últimos tempos trouxeram-no muito mais para estas bandas. Um dos projetos com que venceu o concurso foram desenvolvidos em Portugal: foi ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses e pediu para fotografar as cartas de despedida — “nós dizemos cartas de suicídio, mas o termo certo é cartas de despedidas”, explica-nos — que o instituto tinha em sua posse.

Foi o primeiro artista a abrir as portas ao arquivo com esses documentos. E conseguiu assim concretizar uma ideia que tinha em mente “desde há doze ou catorze anos”, mas que só soube trabalhar “depois de amadurecer”: “Eu quis desafiar-me e sempre senti vontade de trabalhar o tema da morte. Mas não era maduro o suficiente para isso. Já tinha tentado umas coisas em casas funerárias, mas nada me satisfez. Só depois de passar por umas experiências pessoais é que percebi o que podia fazer. Foi depois do assassínio de um amigo”, confessa o fotógrafo.

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Edgar Martins admite que teve alguns cuidados na produção deste projeto: “Teria sido fácil cair no sensacionalismo. Eu ainda tentei uma abordagem com máquinas fotográficas, mas não gostei. Era demasiado revelador e desrespeitava a privacidade daquelas pessoas”. O que fez em vez disso foi dar um passo em frente: as imagens da série “Siloquies and Soliloquies on Death, Life and Other Interludes” foram todas captadas com recurso a scanners médicos do Imperial College, mesmo a combinar com o facto de aquelas cartas serem, em última análise, material forense. “Desta vez gostei daquela tensão entre o que se revela e o que se esconde. É uma coisa que gosto de explorar: as insuficiências motivam-me. Gosto da subtração e da opacidade”, concretiza o artista.

É que este português “não estava em controlo: “O meio da fotografia exerce muito controlo e eu prefiro abdicar desse controlo. Não esperava aquele tipo de imagens, por isso fiquei satisfeito com a surpresa de ver aquelas imagens serem reveladas como num laboratório. Quis recriar essa sensação”, conta Edgar Martins. Tudo indica aconteceu por acaso: “Estava a caminho de um evento em Bragança e ia a conversar com um curador de arte. Contei-lhe dos meus planos e ele disse-me que tinha um contacto no Instituto de Medicina Legal, que podia falar com essa pessoa”, recorda. Foi o que fez. E para seu espanto, o instituto escancarou-lhe a porta: “Ficaram entusiasmadas com a ideia de haver um olhar externo naqueles documentos. Também lhes dei um voto de confiança quando me comprometi em ajudá-los a conservar as fotografias que tinham lá e que se estavam a degradar”.

“Siloquies and Soliloquies on Death, Life and Other Interludes” foi a série de fotografias que valeu a Edgar Martins um posto no lugar mais alto do pódio do concurso de fotografia, mas o fotógrafo português não se ficou por aí. Há outra série, a “The Poetic Impossibility of Managing the Machine”, que conquistou o segundo lugar. Tanto quanto explica o autor, este é um projeto feito em ambientes de difícil acesso: Edgar teve acesso aos centros de treino e de exploração espacial da Agência Espacial Europeia, a centrais hidroelétricas, a instalações da EDP e às fábricas da BMW. Mais do que isso, foi capaz de parar a produção de automóveis para fotografar: “Aproveitava as mudanças de turno ou as paragens obrigatórias para fotografar, prometendo incomodar o menos possível. O que queria era refletir sobre a relação que o humano tem com a tecnologia e como é que ela influencia a nossa identidade cultural e social”, explica. E concretiza: “Fazer isto numa fábrica de automóveis, que é um símbolo do capitalismo e da mobilidade, e fazê-la parar no tempo era o ambiente ideal”.

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Agora Edgar Martins está num novo projeto. Tem visitado uma prisão em Inglaterra para “estudar a sociologia da ausência”: “Comunico com os prisioneiros e com a família e tento entender como é que eles lidam com a ausência forçada de quem mais gostam”, explica. Veja algumas das fotografias que compõem o portfólio de Edgar Martins na fotogaleria.