Pelo menos 14 gestores das maiores empresas portuguesas ganharam mais de um milhão de euros brutos no último ano. Quase todos são presidentes do conselho de administração ou presidentes executivos da empresa, mas nenhum deles é mulher, de acordo com o levantamento feito pelo Observador a partir dos relatórios de governo das sociedades que negoceiam títulos em bolsa.
António Mexia surge, sem surpresa, a liderar a lista dos mais bem pagos por cargo, com uma remuneração bruta anual de quase 2,3 milhões de euros, o que inclui prémios de gestão atribuídos no ano passado pelos resultados de 2016, mas também bónus de anos anteriores. A EDP é a única empresa onde é possível encontrar administradores que não são presidentes com remunerações brutas anuais superiores a um milhão de euros. Mas o gestor que mais ganhou em remunerações pagas por empresas da bolsa no ano foi Pedro Queiroz Pereira. O presidente do conselho de administração da Semapa e da Navigator — e também maior acionista — recebeu de empresas participadas da Navigator 1,8 milhões de euros, a qual se somam 1,3 milhões de euros pela presidência da Semapa. Soma feita, são mais de três milhões de euros em valores brutos incluindo prémios.
Galp, Sonae SGPS, Semapa, Navigator e Jerónimo Martins, Santander e BPI, são outras sociedades que pagaram mais de um milhão de euros a gestores, mas neste caso apenas a presidentes do conselho de administração ou presidentes executivos. Na maioria dos casos analisados, os prémios de gestão atribuídos pelo desempenho da empresa representam mais de metade das remunerações brutas, ainda que o pagamento destas parcelas seja muitas vezes diluído ao longo do tempo. Os bónus pagos em 2017 premeiam os resultados obtidos pelas empresas em 2016, mas também podem recuar aos resultados de anos anteriores, por causa do diferimento no seu pagamento, uma regra que procura alinhar os interesses dos gestores com os interesse de médio e longo prazo da empresa, desincentivando atos de gestão que tragam lucros no curto prazo, mas que podem custar no futuro.
Os grupo de administradores que está acima da fasquia do um milhão de euros é ainda um clube restrito, onde não entrou nenhuma mulher em 2017. A principal explicação é a escassez e mulheres nos cargos de topo das grandes empresas, sobretudo das que pagam melhor. Paula Amorim poderia ser uma exceção, uma vez que é presidente não executiva da Galp, mas à semelhança do seu pai, abdica do vencimento. Fica com os dividendos, o que no caso da petrolífera são relevantes.
Só em empresas de menor dimensão, mas ainda líderes no seu setor, é que encontramos presidentes executivas com remunerações comparáveis às dos pares masculinos. Isabel Vaz, na Luz Saúde levou para a casa 682 mil euros brutos, incluindo prémios, e terá direito a um bónus de 850 mil euros quando abandonar o cargo. Na Media Capital, a administradora-delegada, Rosa Cullel recebeu 618 mil euros, também com remuneração variável.
Mulheres fora do clube “um milhão”
O atual panorama de ausência de mulheres vai começar mudar já este ano, uma vez que a empresa que mais bem paga na bolsa portuguesa — a EDP — contratou duas mulheres como administradoras executivas, para cumprir as recomendações do governo da sociedade. Também a banca tem vindo a abrir as portas da administração a elas, muito por imposição dos reguladores.
Em entrevista ao Observador, o diretor-geral da empresa de recursos humanos Mercer, reconhece que a disparidade salarial de género é um tema relevante em Portugal. Por um lado, as diferenças salariais entre eles e elas tendem a esbater-se quanto mais se sobe na escada da carreira empresária. Uma administradora ganha o mesmo que um administrador, diz Diogo Alarcão. Mas se ganham o mesmo, também são muito menos. O especialista destaca ainda outro fenómeno: há menos mulheres a chegar aos cargos de chefia, mas depois saem mais. Ou seja, as mulheres sobem nas empresas, mas as empresas não as retêem.
Como se decide o salário de um gestor de topo? Diretor-geral da Mercer explica
Entre as grandes empresas analisadas pelo Observador — EDP, Galp, Sonae SGPS, Nos, Navigator, Semapa, Mota-Engil, BPI, BCP, Jerónimo Martins, CTT e Novo Banco –, quase todas pagaram mais às suas administrações no ano passado. Também os presidentes-executivos viram os seus salários crescer, sobretudo por via da atribuição de remuneração variável. Os CTT foram uma exceção. Há outros casos como o Novo Banco ou a Caixa Geral de Depósitos onde a comparação é mais difícil de fazer porque houve mudanças nas regras ou na composição dos órgãos sociais.
Outra ausência destacada na lista dos mais bem pagos são os gestores da banca. Apenas no BPI e no Santander, bancos controlados por capital espanhol, se encontram dois gestores a ganhar mais de um milhão de euros, e com prémios de gestão, ambos portugueses. Fernando Ulrich ainda foi o mais bem pago na administração do BPI no último ano, incluindo remuneração variável do tempo em que foi executivo. Pablo Forero, que assumiu as funções de presidente executivo no ano passado, ainda não aparece com remuneração variável. No Santander, António Vieira Monteiro ganhou cerca de 1,1 milhões de euros, o que abrange remuneração variável paga em dinheiro, mas também em ações.
No BCP, o único banco que resta no índice PSI 20, que reúne as maiores empresas cotadas na bolsa portuguesa, as remunerações dos gestores estão muito longe dos valores milionários do passado. Apesar de se ter libertado do limite imposto aos bancos que receberam ajudas públicas, e de ter subido 80%, o vencimento de Nuno Amado foi de 631 mil euros brutos, com o BCP a fazer questão de informar que deste montante, foram retidos 288.218 euros para IRS.
O novo presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) beneficiou da mudança de regras salariais no banco do Estado que acompanhou a contratação de António Domingues. A remuneração bruta anual de Paulo Macedo ficou-se pelos 387,7 mil euros em 2017. Fica um pouco aquém do vencimento bruto fixado para o presidente do banco no valor de 423 mil euros, na medida em que Macedo só entrou no final de janeiro. Não houve pagamento de prémios.
Caixa pagou indemnização de 1,7 milhões a gestores da equipa de Domingues afastados
Ainda mais modestos são os salários no Novo Banco. A remuneração total da comissão executiva foi de 1,3 milhões de euros, abaixo do vencimento bruto individual de alguns dos gestores mais bem pagos. E o salário de António Ramalho foi de 330 mil euros brutos.
E há uma explicação para isso. Depois da crise financeira, os salários da banca estão cada vez mais condicionados pela supervisão, nacional e europeia, destaca Diogo Alarcão, diretor-geral da consultora Mercer. Há limites à percentagem da remuneração que pode resultar da atribuição de prémios, o ideal será 50%, e existe ainda a imposição de diluir no tempo uma parcela desses bónus. São regras que limitam os acionistas, mas que, para o responsável da Mercer em Portugal, também os protege dos excessos do passado. E realça que, quando o mercado se sente demasiado espartilhado, reage e a reação tem sido a de aumentar remuneração fixa.
Os gestores portugueses ganham muito?
A resposta a esta pergunta varia. Voltando ao exemplo da EDP, o ex-presidente não executivo da elétrica, Eduardo Catroga, aproveitou uma conferência sobre a remuneração dos gestores para responder aos que atacam os salários pagos à gestão da elétrica. Defendendo a necessidade de atrair talento numa empresa que se move à escala global, Catroga diz que a remuneração do “gestor A” (leia-se António Mexia) chega a ser um terço da do gestor que trabalha no país ao lado, uma assimetria que não é apenas explicada pela dimensão do país.
A comparação entre a remuneração bruta anual de António Mexia e de Sanchés Galan confirma esta relação. O presidente-executivo da Iberdrola ganhou cerca de 9,5 milhões de euros brutos no ano passado, contra os 2,3 milhões de euros atribuídos em 2017 ao líder da EDP. A elétrica espanhola vale quase três vezes mais do que a portuguesa na bolsa, mas teve menos que o triplo dos lucros no ano passado.
Da informação pública e das referências internacionais disponíveis, o diretor da Mercer defende que os salários estão alinhados com os seus pares no mercado, considerando também a dimensão do mercado e das empresas. E explica que quando as empresas querem atrair talento pagam acima do mercado, quando estão em crise podem pagar abaixo.