A Sporting SAD anunciou que vai fazer, “a breve prazo”, a primeira das que podem ser várias emissões de dívida até ao final do ano. O valor a emitir nesta operação inicial é de, pelo menos, 15 milhões. A taxa de juro já foi fixada em 6%, uma taxa elevada numa época de juros baixos — o mesmo que o mercado pede para emprestar ao estado filipino liderado por Rodrigo Duterte — mas que está em linha com o que os clubes de futebol normalmente aceitam pagar nas emissões em mercado. A SAD leonina fala em “crescentes dificuldades ao nível do crédito bancário tradicional”.
Segundo comunicado difundido pela SAD através da CMVM, o regulador português dos mercados financeiros, a emissão de dívida servirá para financiar “a atividade corrente, designadamente ao cumprimento de serviço de dívida e tesouraria”. Há um “montante inicial” que é de 15 milhões de euros, mas esse valor “poderá ser aumentado” caso a administração da SAD assim o entenda. A administração está autorizada a emitir, no total, até 60 milhões de euros até ao final do ano, no conjunto das emissões obrigacionistas.
A informação consta de um aditamento à convocatória da assembleia-geral de 11 de maio, a próxima sexta-feira, em que fica desde já definido o juro que a SAD espera conseguir pagar, em juros anuais pagos semestralmente. A taxa anual é de 6%, o que fica ligeiramente abaixo dos 6,25% que foram pagos na emissão 2015-2018 (emitida em 2015) cuja data de reembolso a administração quer passar de maio para 26 de novembro de 2018. A nova emissão servirá para pagar, também, o reembolso dessa dívida antiga que atingia o vencimento este mês mas deverá deixar de assim ser.
Apesar dessa alteração da data de reembolso, a Sporting SAD considera que esta emissão e as outras, no passado, “representaram um excelente investimento para os subscritores”. A opção pelo mercado de capitais decorre do facto de ter sido “considerado importante a permanência da Sociedade no mercado de capitais, face às crescentes dificuldades ao nível do crédito bancário tradicional”.
Bancários indignados com perdão de dívida do BCP e do Novo Banco ao Sporting
Segundo noticiou o Correio da Manhã na sexta-feira, a Sporting SAD voltou a negociar as condições da sua reestruturação financeira com o BCP e com o Novo Banco, acabando por garantir um perdão de 94,5 milhões de euros de dívidas bancárias que tinham sido convertidas em Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOC). Esta foi uma notícia disputada pela gestão do BCP, que na apresentação de resultados trimestrais, na segunda-feira, garantiu que apenas foi tida em consideração a “defesa dos interesses do banco”, lembrando que desde 2013 no banco deixou de se permitir a tomada de decisões sobre crédito a clubes de futebol, dada a carga “emocional” que o futebol acarreta, até para administradores bancários.
A emissão de dívida do Sporting, que se avizinhará, paga juros relativamente elevados numa altura em que as taxas de juro no mercado estão em níveis historicamente baixos — abaixo de zero nos prazos mais curtos.
O custo a suportar é comparável ao que o mercado passou a exigir, por exemplo, ao estado soberano das Filipinas desde que em junho de 2016 o controverso Rodrigo Duterte assumiu as rédeas do país e os juros da dívida dispararam. Uma linha de obrigações filipinas para reembolso em 2022, onde acresce o risco cambial associado à evolução do peso filipino, está a ser negociada nos mercados a taxas superiores a 5,5% — um país que, apesar de tudo, tem um rating superior ao de Portugal (BBB, contra BBB- de Portugal, aos olhos da S&P).
Analistas ouvidos em abril pela Lusa alertaram para a situação financeira “muito debilitada” das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) em Portugal, muito endividadas, e referiram que o problema surgiu logo na sua criação. O economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros Filipe Garcia advertiu para a situação financeira pouco sólida das SAD, uma vez que estas se encontram fortemente endividadas, o que coloca em risco a sua solvabilidade.
Numa perspetiva de dividendos a receber (no caso das ações), referiu, as SAD nunca pagaram dividendo, nem se espera que o façam ou possam fazer. Numa perspetiva de valorização do capital próprio, acrescentou, “percebe-se que a trajetória de resultados dos exercícios ao longo do tempo é negativa, já houve necessidade de aumentos de capital para injeção de tesouraria e não é objetivo central das SAD o lucro e a valorização do seu capital”.
Assim, sinalizou à agência Lusa, perante resultados positivos, as SAD têm optado por outros caminhos que não os da valorização do capital e do retorno ao acionista. “O endividamento explícito e implícito das SAD é de grande dimensão, conferindo riscos de insolvência importantes. Portanto, é difícil, do ponto de vista meramente económico-financeiro, compreender a compra de ações de uma SAD numa perspetiva de longo prazo”, disse Filipe Garcia.
Outro especialista, o diretor de negociação do Banco Carregosa, João Queiroz, concorda com a necessidade de se olhar para a situação financeira das SAD, mas lembrou que o problema surgiu logo de início, desde que surgiu o formato das SAD. “Por isso é que são mais observadas e seguidas por um tipo de investidor menos avesso ao risco, mais complacente”, disse ainda, lembrando o formato de “bola de neve de empréstimos obrigacionistas”, ou seja, pedir um empréstimo obrigacionista para reembolsar o empréstimo anterior.
As emissões obrigacionistas são, segundo os analistas, um instrumento muito utilizado pelas três sociedades ligadas a clubes de futebol (Porto, Sporting e Benfica) e destinam-se normalmente a investidores individuais (adeptos, simpatizantes, sócios do clube), mas não só, investidores estratégicos ou os que estão à procura de taxas de rendibilidade elevadas (‘yields’), já que este tipo de investimento paga um juro acima do oferecido pelos depósitos (mas que não têm qualquer garantia, como nos depósitos até 100 mil euros).