O Ministério Público estará perto de concluir a investigação criminal às Parcerias Público Privadas (PPP) rodoviárias que incide sobre decisões tomadas nos dois governos liderados por José Sócrates.

Segundo a revista Sábado, citada pela SIC, três antigos governantes dos Executivos de José Sócrates estiveram sob escuta no âmbito desta investigação — os antigos ministros das Obras Públicas, Mário Lino e António Mendonça — e o ex-secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos. A Sábado adianta que é provável que nas próximas semanas o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) avance para a constituição de arguidos neste inquérito que está numa fase decisiva. Segundo a revista, a Polícia Judiciária (PJ) e o DCIAP terão encontrado indícios de associação criminosa, gestão danosa, fraude fiscal, corrupção ativa, tráfico de influências e branqueamento de capitais.

De acordo com informação recolhida pelo Observador, até à semana passada não havia arguidos constituídos neste inquérito e os ex-titulares de cargos políticos envolvidos no caso, e que já tinham sido alvo de buscas judiciais, não terão sido até agora ouvidos pelo DCIAP. No entanto, várias testemunhas têm sido chamadas nas últimas semanas, incluindo quadros atuais e antigos da Infraestruturas de Portugal (que sucedeu à Estradas de Portugal) para prestar os esclarecimentos adicionais.

Por outro lado, informação que consta de documentos relacionados com a investigação ao caso EDP, consultados pelo Observador, revela que a PJ comunicou aos procuradores deste caso que dificilmente poderiam levar a cabo as diligências pedidas até ao final de abril, porque estavam ocupados com a investigação do inquérito das PPP.

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Ventinhas abriu investigação

A investigação foi iniciada em 2011, em Faro, depois de o procurador António Ventinhas, o atual presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e então apenas membro da direção do sindicato, ter aberto um inquérito criminal. Isto após a publicação de várias notícias na comunicação social sobre os alegados contratos ruinosos das PPP lançadas pelo Governo Sócrates. Mais tarde, e quando os autos já estavam no DCIAP, foram juntas várias queixas-crime, entre as quais uma do Automóvel Clube de Portugal.

Em setembro de 2012 foram noticiadas as primeiras buscas domiciliárias do caso, tendo a PJ entrado em casa de Mário Lino, António Mendonça e Paulo Campos. No final do ano, foram realizadas iguais diligências a Fernando Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças, Carlos Costa Pina, ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, e Almerindo Marques, ex-presidente da empresa Estradas de Portugal (atual Infraestruturas de Portugal).

As investigações, que envolveram perícias a milhares de documentos, análises a comunicações eletrónicas e operações bancárias, concentram-se em dois processos distintos que envolvem 11 Parcerias Público Privadas rodoviárias:

  • Um dos alvos da investigação é a renegociação pelo Governo Sócrates dos sete contratos das auto-estradas Sem Custos para o Utilizador (SCUT) lançadas pelo Governo de António Guterres no final da década de 90. O Governo Sócrates introduziu portagens nessas auto-estradas que eram precisamente conhecidas por serem gratuitas para os utilizadores, o que obrigou a renegociar os termos dos contratos. Tal renegociação terá agravado a fatura a pagar pelo Estado em 700 milhões de euros.
  • Por outro lado, está também sob escrutínio judicial a adjudicação de cinco das sete subconcessões rodoviárias lançadas no primeiro Governo de Sócrates pela Estradas de Portugal que vieram a agravar a fatura do Estado com as PPP. Estes contratos começaram por ter o visto recusado por parte do Tribunal de Contas, mas acabaram por passar após uma reformulação das condições financeiras de modo a responder às objeções dos juízes. Na investigação do DCIAP e da PJ estão em causa as concessões do Douro Litoral, Trás-os-Montes, Baixo Alentejo, Litoral Oeste e Algarve Litoral.

Estudos de tráfego empolados

Um dos pontos centrais da investigação, considerada muito técnica tendo em conta a complexidade jurídica e técnica dos contratos das PPP que estão a ser alvo de escrutínio judicial, estão os estudos de tráfego. Estes foram essenciais para a elaboração dos modelos financeiros das subconcessões lançadas pelo Governo Sócrates. Grosso modo, o DCIAP e a PJ têm indícios claros, com base nas peritagens técnicas que foram realizadas, que as previsões de tráfego terão sido alegadamente empoladas, o que aumentou o valor a pagar pelo Estado às concessionárias privadas.

Esta foi uma matéria que já tinha sido denunciada no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito aberta às PPP. Por exemplo, no caso da renegociação da SCUT do Grande Porto, na qual foram colocadas portagens, o contrato original estipulava um tráfego médio diário de 58,3 mil carros para o período entre 2008 e 2010. Na renegociação, tal valor desceu para 45,5 mil carros — um valor otimista tendo em conta a crise que já se adivinhava. Contudo, o valor real foi de apenas 39,2 mil viaturas.

O problema do alegado empolamento dos estudos tráfego tem várias vertentes em termos de agravamento de custos para o Estado mas uma delas é simples de explicar. Aquando da renegociação das SCUTS, e para manter um modelo financeiro igual ao das subconcessões, o Ministério das Obras Públicas liderado por Mário Lino e Paulo Campos introduziram os chamados pagamentos por disponibilidade.

Ou seja, enquanto nas concessões SCUT os concessionários eram remunerados de forma variável por cada viatura que passava na estrada de acordo com as previsões de tráfego realizadas antes da assinatura dos contratos, com a renegociação as concessionárias passaram também a receber um valor fixo: o chamado pagamento por disponibilidade. O problema é que esse valor fixo assentavam igualmente em estudos de tráfego que já estavam empolados — e empolados continuaram. De acordo com o Tribunal de Contas, esta renegociação dos contratos SCUT terá levado a um aumento de encargos de 700 milhões de euros, o que fez disparar a fatura total para 4,3 mil milhões de euros.

As subconcessões e a pressão de Sócrates

O segundo alvo da investigação são subconcessões lançadas pelo Governo Sócrates. Segundo a revista Sábado, a Credip, instituição governamental que foi criada para montar o financiamento para as obras públicas que o primeiro-ministro José Sócrates ordenou, avisou atempadamente a Governo que a Estradas de Portugal (a empresa tutelada pelo Ministério das Obras Públicas que assinava os contratos em nome do Estado) não tinha capacidade financeira para pagar a fatura de 7,5 mil milhões de euros que à época era calculada como a fatura a pagar pelas sete subconcessões assinadas pelo Governo Sócrates. Os ministros Mário Lino e Fernando Teixeira dos Santos, seguindo ordens de Sócrates, foram obrigados a assinar uma carta de conforto em que assumiam que o Estado pagaria a conta caso a Estradas de Portugal falhasse.

Almerindo Marques, então presidente da Estradas de Portugal, chegou a reconhecer no Parlamento, numa audição na Comissão Parlamentar de Inquérito às PPP, ter recebido pressões do Governo para avançar com a adjudicação de concessões rodoviárias, já depois de ter rebentado a crise financeira de 2008 que provocou o agravamento dos custos financeiros destes projetos. No final, a empresa de capitais públicos acabou por assumir responsabilidades totais de 11 mil milhões de euros.

O Tribunal de Contas chegou a recusar o visto prévio a estes contratos, criticando duramente a forma como todo o processo de contratação pública foi conduzido pelo Governo Sócrates, o que obrigou a uma renegociação dos contratos. As propostas foram alteradas pelos concessionários, tendo o valor final sido reduzido em cada uma delas. Mais tarde, o Tribunal de Contas, veio a atacar estes novos valores contratuais aparentemente mais baixos, denunciando a existência de compensações ou contratos contingentes que não chegaram ao conhecimento dos juízos que deram o visto prévio. Esta auditoria do Tribunal de Contas de 2012 será aliás um dos documentos que foi usado pelos investigadores deste processo. Calcula-se que tais compensações terão atingido 705 milhões de euros, segundo a Sábado.

Estas mesmas PPP foram novamente renegociadas pelo Governo de Passos Coelho, já no tempo da troika, com o objetivo de reduzir os pagamentos do Estado feitos ao abrigo destes contratos que este ano ainda devem custar 1.700 milhões de euros.