Há cerca de três anos, enquanto presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, Bernardo Branco Gonçalves notou que nem sempre era fácil puxar os alunos para a participação cívica universitária. Olhando para fora da esfera do ensino superior, percebeu que esse mesmo problema existia a nível da política nacional, nomeadamente nas freguesias e municípios. As autarquias, sentiu, não sabiam comunicar com millennials. Decidido a tentar resolver esse problema de comunicação, Bernardo criou a MyPolis, uma plataforma que irá ser lançada em setembro e permitirá aos cidadãos votar em propostas políticas e lançar ideias para a comunidade.
Um típico autarca comunica através de imprensa, da televisão, produz programas eleitorais para falar sobre as suas medidas, as ideias são votadas na assembleia municipal… Eu nunca na vida vou ler um programa eleitoral, dificilmente tenho tempo e paciência para isso, raramente vejo televisão, não compro jornais há anos e nem sequer faço a mínima ideia do que é que se passa numa assembleia municipal. Há uma assimetria na maneira como um político comunica e aquilo que os cidadãos, principalmente os millennials, estão à procura, acreditamos nós. É para resolver esse problema de comunicação que nós pensámos nesta plataforma”, disse Bernardo Branco Gonçalves ao Observador.
A ideia de Bernardo começou a ser materializada em conjunto com os seus irmãos, que já não participam ativamente no projeto. Como mais velho — tem 25 anos — decidiu continuar a apostar no projeto e, naquilo que descreve como tendo sido “um momento de loucura”, despediu-se da Deloitte Digital, onde trabalhava como consultor, para se focar a 100% na ideia.
De momento, além do fundador, que gere o negócio e trabalha em design de interfaces, a equipa da MyPolis é constituída por outros quatro membros: David Seco, que foi vice-presidente da Associação de Estudantes presidida por Bernardo e agora é responsável pela gestão financeira e marketing da empresa; Ângela Coelho, developer e designer que Bernardo conheceu através de David; e Pedro Cerejo e João Oliveira, também developers. Juntos trabalham para que a plataforma esteja disponível no final do verão, “numa junta de freguesia e numa câmara municipal, pelo menos”.
A MyPolis, que estará disponível através da web e em app, terá como uma das principais funcionalidades uma secção de votação de ideias, “em que um político faz upload de uma proposta para a plataforma e o cidadão diz se concorda ou não, quase como se fosse um Tinder de ideias”, descreveu o fundador da MyPolis. A plataforma permitirá também aos cidadãos fazer upload das suas próprias ideias, algo que, segundo Bernardo, “torna a ferramenta um canal ótimo para orçamentos participativos”. Além destas duas ferramentas, a equipa está ainda a trabalhar numa funcionalidade de reporte de ocorrências em espaço público. O foco, contudo, “é a discussão de propostas políticas”.
“Nos contactos comerciais que fomos fazendo surgiu muito o requisito de reportar ocorrências, acham que é complementar, portanto a nossa visão [para a MyPolis] passou de ser uma plataforma de votação de ideias para ser mais uma plataforma mais holística de ativação de participação cívica num dado sítio”, confessou Bernardo.
Um dos trunfos da MyPolis para incentivar cidadãos a aumentar a sua participação cívica através da plataforma é a gamificação, isto é, o uso de técnicas e mecânicas utilizadas em jogos noutros contextos. No caso da MyPolis, a participação cívica dos utilizadores é recompensada com pontos que aumentam o nível (podem-se tornar cidadãos de bronze, prata ou ouro, por exemplo) e que podem ser trocados por prémios, os quais mudam consoante a sua freguesia ou município.
Queremos que haja algo mais tangível. Isto depende da estratégia de implementação definida a nível local. Por exemplo, há uma junta de freguesia aqui em Lisboa em que estamos a pensar trocar os pontos por produtos do comércio local, porque é uma área estratégica. Há outra em que estamos a pensar trocar os pontos por acesso a atividades culturais, como idas ao teatro, idas ao cinema, de forma também a criar sinergias entre a área cultural e a área de participação cívica nessa geografia. O modelo de engagement que nós queremos criar é sempre muito feito em parceria”, explicou.
O propósito da plataforma, conforme indica o nome, inspirado na Grécia, é “criar uma nova polis”, referiu Bernardo. “Queremos uma nova polis de millennials a participar política e civicamente nos seus telemóveis. Queremos que cada um sinta a polis um bocadinho sua, em vez de ser algo que está a acontecer lá a nível institucional. A polis também é minha, é de todos os millennials.”
“O nosso mote é tornar a política simples, intuitiva, digital e sexy”
Apesar de a aplicação ainda não ter sido lançada, a MyPolis conquistou diversos prémios nos últimos meses, tendo vencido o programa Startup Portugal Momentum no ano passado, a menção honrosa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa na final do Montepio Social Tech, o prémio Democracia Digital no concurso Elevator Pitch da Representação da Comissão Europeia em Portugal no início do mês de maio e, mais recentemente, o StartupIN. “Tem sido um projeto muito acarinhado”, disse Bernardo, destacando ainda o apoio que a MyPolis recebe da parceiros como a Vodafone, Montepio e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
“Toda a nossa rede de parceiros tem sido fundamental para nós, que somos um bebé a crescer. Sentimo-nos apoiados, estamos gratos por isso.”, afirmou o fundador do projeto. “É de sublinhar que um jovem como eu, que queira criar impacto à sua maneira, com a sua ideia, tenha terreno fértil para o fazer. Há muitos programas de empresas, do governo, de investidores sociais que querem apoiar e querem plantar este tipo de iniciativas. Nós tentamos aproveitar ao máximo.”
Por agora, o foco é “acrescentar o máximo de valor às autarquias” parceiras, explicou Bernardo Branco Gonçalves, que deseja que a MyPolis não seja apenas “um fornecedor de software, mas sim um parceiro que presta serviços para ativar a participação cívica”. A longo prazo, disse o fundador, a MyPolis pretende escalar para fora de Portugal, diversificar a tipologia de clientes, os usos da plataforma e “aprender com isso”. A empresa, que tem como mote “tornar a política simples, intuitiva, digital e sexy”, quer ser o canal para “uma geração que não tem paciência para grandes formalismos” mas que quer participar e “perceber como pode contribuir”.
A política tem de deixar de ser um bicho papão engravatado para passar a ser algo em que toda a gente tem o seu espaço. Aí atingiremos realmente o conceito de democracia representativa, quando a política deixar de ser uma coisa sisuda, só para alguns, complicada… Toda a gente tem o seu lugar.”