O que os mercados dão, os mercados podem tirar — e, se tirarem, vão tirar mais a uns do que a outros. Pode resumir-se assim, em poucas palavras, o alerta feito pelo Banco Central Europeu (BCE) no Relatório de Estabilidade Financeira publicado esta quinta-feira, numa altura em que a ascensão ao poder de um novo governo em Itália está a gerar algum nervosismo nas bolsas. Além disso, o alerta surge, também, numa altura em que as taxas de crescimento na zona euro estão a dar sinais de poderem ter perdido o fulgor dos últimos anos. Se o crescimento abrandar, os países mais endividados que perderem empenho no equilíbrio das contas públicas podem ver, de novo, barrado o acesso aos mercados.
Os progressos na União Bancária e o fortalecimento dos capitais dos bancos, de um modo geral, são fatores positivos — mas não serão suficientes para evitar que surja uma nova crise da dívida na zona euro caso as taxas de crescimento continuem a abrandar. Caso se confirme “uma deterioração do ambiente de crescimento” ou se houver um “desaperto da política orçamental nos países mais endividados” isso poderá “ter impacto sobre o sentimento dos mercados em relação a alguns emitentes de dívida soberana na zona euro”.
“That’s all, folks”, avisa o ING. Economia europeia esmoreceu e não se prevê nova aceleração
O aviso do BCE parece telegrafado para Roma mas o novo governo não é referido explicitamente, como seria de esperar neste tipo de documento geral de avaliação dos riscos financeiros. Contudo, os economistas do BCE especificam, mais à frente, que são países classificados como “altamente endividados” a Bélgica, Chipre, França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha (por ordem alfabética, em inglês).
Em especial, o BCE apontou os casos de Bélgica, França, Itália e Portugal como os países em risco de furar as regras orçamentais da União Europeia, considerando que estes países estão a apoiar-se em demasia na expectativa de que o crescimento económico vá manter-se em níveis relativamente elevados.
O programa de compra de dívida por parte do BCE e as taxas de crescimento económico (para as quais o primeiro fator também estará a contribuir) têm assegurado que “os riscos sistémicos se tenham mantido em níveis baixos nos últimos seis meses”. “Porém, estão a gerar-se vulnerabilidades nos mercados financeiros globais. O aumento súbito da volatilidade nos mercados de ações nos EUA, em fevereiro, ilustrou o sentimento frágil que se vive nos mercados”, defende o organismo.
Nesta fase, não se observam desalinhamentos, de um modo geral, nos mercados financeiros da zona euro e nos ativos tangíveis. Porém, estão a surgir alguns focos de avaliações esticadas, em especial nos títulos de dívida com maior risco e alguns segmentos do imobiliário”.
Para os países da zona euro, emitentes soberanos, a melhoria da situação macroeconómica têm ajudado a manter os custos de financiamento baixos — Portugal está a endividar-se a cerca de 2% a 10 anos, uma taxa absoluta historicamente baixa. Mas o BCE alerta que os esforços no sentido de dar mais flexibilidade às economias e aumentar a produtividade estão a marcar passo, em vários países, e falta “políticas orçamentais mais amigas do crescimento económico”.
É por essa razão que, “daqui para a frente, taxas de juro mais elevadas (fruto de um reajustamento súbito da perceção de risco soberano), uma deterioração das condições macroeconómicas ou um enfraquecimento dos esforços de reforma estrutural ou orçamental podem representar um desafio para as finanças públicas”. “A concretização de qualquer uma destas vulnerabilidades — em especial se acontecer em simultâneo — poderá reavivar as preocupações sobre a sustentabilidade da dívida nos países mais vulneráveis.