Bruno de Carvalho deslocou-se esta sexta-feira à noite ao Europarque, em Santa Maria da Feira, onde marcou presença durante cerca de cinco horas e meia com outros quatro membros do Conselho Diretivo: Carlos Vieira, Rui Caeiro, Alexandre Godinho e Luís Gestas (Luís Roque e José Quintela estiveram ausentes). E acabou por ser o último, responsável pela pasta do Desporto Adaptado que sofreu um forte impulso no clube nos últimos anos, a arrebatar a plateia com um episódio que constitui mais um episódio na “guerra aberta” entre Direção e Mesa da Assembleia Geral.
A certa altura da sessão, já com quase três horas de perguntas e respostas, o vogal falou, mostrou-se grato a Bruno de Carvalho, garantiu que não iria abandonar o barco, pediu desculpa ao presidente leonino e… chamou uma pessoa da assistência. Num outro palanque, ao lado da mesa principal, chegou um associado vestido a rigor com a camisola do Sporting que, a certa altura, foi lendo os nomes e as horas de algumas chamadas recebidas. “Esta aqui”, pediu. “Jaime Marta Soares, 23h24”, disse o adepto ao microfone. “E esta mensagem aqui, não vale a pena dizer o nome. Confirma que é uma pessoa da Mesa? O que diz”, perguntou. “Sim. Luís, tens a nossa palavra que vai ser a maior garantia que tens de manter a área que tão bem construíste”, respondeu. “Obrigado. Como veem, se existe um mentiroso como diz não sou eu”, rematou.
Luís Gestas fazia referência ao alegado convite de Jaime Marta Soares, através de um representante, para que apresentasse a demissão (numa abordagem que terá sido extensível ao também vogal Luís Roque) e integrasse uma Comissão de Gestão, num movimento que poderia derrubar Bruno de Carvalho por falta de quórum na Direção. E o Conselho Diretivo escreveu isso mesmo num comunicado, algo que acabaria por ser rebatido pela Mesa. Esta noite, foi a contra resposta. Mas essa guerra entre órgãos sociais acabou por ser apenas um dos vários temas abordados ao longo da terceira e última sessão de esclarecimentos.
O ataque na Academia e o estacionamento de Alvalade
“A certa altura entra uma pessoa e diz: ‘Entraram uns encapuzados na Academia’. Sinceramente, com tudo o que estava a acontecer, tenho de confessar que nos primeiros dez segundos pensei que era uma palhaçada. ‘Uns encapuzados?’, pensei. Depois percebi pela cara da pessoa que era uma coisa séria e disse: ‘Liguem para o treinador’. Já estava perdido em termos de horas, não tinha a noção se só entraram, se roubaram, se já tinha sido ou não o treino. ‘Ligue para o Jorge Jesus para saber se ainda lá estão porque quero estar lá’. A pessoa liga e diz: ‘Presidente, o treinador diz que não é preciso ir lá’. Mas eu não perguntei a opinião, quero saber é se lá estão porque quero lá ir. ‘Sim, sim, estão lá’. E fui”, contou Bruno de Carvalho a propósito da ida para Academia, onde chegou mais de uma hora depois dos ataques a jogadores e equipa técnica.
Já a propósito da reunião que teve com o plantel na véspera dos ataques, a versão apresentada pelo presidente do Sporting foi diferente daquela que constou nas rescisões de Rui Patrício e Podence. “Na segunda anterior, eu, Carlos Vieira, Rui Caeiro e Guilherme Pinheiro [n.d.r. os restantes administradores executivos da SAD] fizemos três reuniões: primeiro com a equipa técnica, segunda com os jogadores e terceira com o staff. É lógico que vi o jogo [com o Marítimo], que vi o que aconteceu no fim, vi nas imagens que surgiram sobre o aeroporto e quando estávamos a falar (e foi uma conversa excelente, ótima, agradável), dizendo que queríamos acabar a época em beleza, com uma Taça de Portugal, a certa altura, dirijo-me a um jogador e perguntei: ‘Mas virámo-nos para os adeptos?’ E ele: ‘Sangue ‘caliente’ e tal…’. ‘Tudo bem, mas temos de ter calma, porque não é bom’, disse. Fui a outro que me disse que queria ajudar, outro que me disse que não havia problema… Eu disse-lhes: ‘Malta, qualquer ameaça, dizem-me a mim ou ao [André] Geraldes. Não quero confusões. Amanhã o treino será às 16 horas, lá estarei. Fomos embora, tudo com a cabeça na Taça e o que aconteceu no dia a seguir? Cashball. Apesar de a preocupação ser zero, não foi agradável para ninguém ler aquilo. Tivemos reuniões, com advogados. O tempo passou, eu e o André estávamos em reuniões e entra uma pessoa pela sala a dentro diz que entraram uns encapuzados na Academia”, contou.
O presidente leonino, também por força das perguntas que foram sendo feitas, foi colocando o enfoque nesta questão ao longo da sessão de esclarecimento até por saber que esse é um dos pontos basilares que justificam as rescisões unilaterais de Rui Patrício e Podence, falando também do “misterioso” BMW azul que entrou na Academia já depois do ataque.
“Os carros da polícia eram quase todos não identificados. A certa altura o segurança abriu a cancela. A polícia tomou conta daquilo, entravam e saíam. Quem o deixou sair de lá foi a polícia. Isso é a única certeza que posso dizer. A mim não me deixaram sair de lá. Quando o senhor militar vem dizer que os jogadores iam sair da Academia para a esquadra do Montijo e não estava lá o presidente, tem de dizer a verdade: a polícia não deixava ninguém sair. A polícia levava grupos de dez e não deixava ninguém sair. Do que sei, o carro estava fora da Academia e é deixado entrar para vir buscar pessoas e deixado sair pela polícia”, escreveu, a propósito de um relato onde surge um funcionário do Sporting a ligar para a portaria da Academia dizendo que a dita viatura em causa teria autorização para passar e entrar para a zona do edifício central em Alcochete.
Sobre a “espera” de adeptos após a chegada da Madeira no piso -2 da garagem de Alvalade, Bruno de Carvalho salientou que isso era “uma novidade” para si. “O estacionamento foi vendido na altura do Godinho Lopes. Da nossa parte nunca aconteceu nada, mas o estacionamento não é nosso. Dentro da zona limite nunca aconteceu nada. Pelo que me disseram, as pessoas da segurança não são de facilitismos, não foi nada de especial. Quatro ou cinco adeptos… Se têm causa de rescisão com isso, tinha causas de rescisão para os próximos 200 anos. Não sei de nada, a não ser o que vi na televisão na Madeira a seguir ao jogo, meia dúzia de pessoas ao pé da camioneta, e depois no aeroporto, que não se percebia muito bem e só há dois ou três dias é que saiu o vídeo completo. Não sei de nada no estacionamento, para mim é uma novidade”, comentou.
Adeptos tentaram agredir Rui Patrício e William Carvalho na garagem do Estádio de Alvalade
“Espero que os jogadores tenham a noção do que é que estão a assinar. Porque eles não estão a assinar só uma rescisão, estão a acusar pessoas de coisas más. Já lhes ganhei [aos advogados] uma vez e não me importo de ganhar mais. Fazer acusações pode levar a outros caminhos legais e eu não estou a falar do Sporting. Espero que tenham noção da confusão onde se estão a meter… Eles que respirem fundo e pensem nas consequências, não só desportivas e financeiras, mas também pessoais. Porque há o Bruno Miguel, há o Rui Patrício, o Daniel Podence…”, disse, antes de relativizar também o lançamento de tochas para a baliza de Patrício no dérbi: “Se estivesse lá o Papa também tinham mandado as tochas, teve zero a ver com o Rui”.
A desdramatização das rescisões, sem impacto na tesouraria
Logo no início da sessão de esclarecimento, começou a circular a notícia de que Daniel Podence e William Carvalho tinham rescindido também contrato. A intenção do extremo confirmou-se, a do médio nem por isso e o próprio Bruno de Carvalho destacava que ainda ninguém tinha recebido essa mesma carta. “Mas se calhar, quando terminar esta reunião, já todo o plantel pediu a rescisão”, atirou, tendo por base em todas as intervenções que apenas dois jogadores tinham realmente rescindido. “Jorge Mendes? Ele é um homem que vende uma batata por 200 milhões de euros, portanto é normal que as cenouras e os rabanetes também queiram ir atrás. Se ele aparecer e disser ‘tenho aqui uma proposta magnífica’, todos os jogadores vão atrás e portanto somos todos do Jorge Mendes”, acrescentou sobre o empresário português.
“Falar em problemas de tesouraria era assumir claramente que vamos perder os casos mas não vai haver fundamentação. Estávamos a trabalhar numa série de decisões que nos colocavam num período calmo, com os empréstimos obrigacionistas, a reestruturação financeira e a preparação da nova época – e acontece isto. Vamos ultrapassar tudo, como temos feito até aqui, tudo se irá resolver. Não será pelas rescisões que haverá problemas de tesouraria”, assegurou, antes de manter a tónica do discurso na acalmia e na serenidade que os intervenientes deveriam ter para refletirem sobre o que se está a passar.
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“Os jogadores têm um período para refletir, mas por milagre ou coincidência apareceu a carta de rescisão (de Rui Patrício) na comunicação social. O nosso plano é esperar sete dias para que os jogadores percebam como foram manipulados. Este documento não tem interesse – recebemos o pedido de rescisão de Podence, o texto é igual. Apenas muda a assinatura. É preciso haver bom senso. Estamos há muito preparados para isto, mas têm acontecido coisas estranhas”, destacou.
A resposta à Holdimo e a crítica a Álvaro Sobrinho
Após uma semana que ficou marcada pelo pedido de destituição do Conselho de Administração da SAD (mais concretamente, dos quatro administradores executivos: Bruno de Carvalho, Carlos Vieira, Rui Caeiro e Guilherme Pinheiro) da parte da Holdimo, a maior acionista particular da sociedade que gere o futebol do Sporting com cerca de 30%, o presidente leonino voltou a apontar baterias a Álvaro Sobrinho, dizendo que o angolano não teve a inteligência para perceber com quem lidava.
Ação da Holdimo para destituir Bruno de Carvalho já entrou no tribunal
“Doa a quem doer, o Sporting vai continuar a ser o acionista maioritário. Se a Holdimo está com alguma dor, das duas uma: ou vai à farmácia, que tem paracetamol, ou então às pessoas que os enganaram, porque quem lhes vendeu que estavam a lidar com patetas que iam deixá-los tomar conta do Sporting não fomos nós. É pena que as poucas vezes que estive com ele, Álvaro Sobrinho não tenha tido a inteligência de perceber a pessoa que tinha à frente”, apontou.
Os ataques, Paulo Gonçalves e César Boaventura
A certa altura, e falando numa perspetiva que já antes tinha abordado, Bruno de Carvalho admitiu que foi “enganado” com os 90% a favor na última Assembleia Geral. “Avisei na altura que iriam aparecer pedregulhos grandes pelo caminho e aquilo que vi foi que, na primeira vez em que a caravela apanhou um pouco no vento, muitos saltaram fora. Não digo que não tenhamos um exército, mas é um exército pequeno para um clube com a dimensão do Sporting”, admitiu o número 1 leonino, que teve ainda duas rápidas referências a Paulo Gonçalves, assessor jurídico da SAD do Benfica, e o empresário César Boaventura. “Paulo Gonçalves? Com este andamento ainda chega a presidente do Benfica. César Boaventura? Estou disposto a falar de tudo, agora responder a isto? Acha normal? Há coisas que não se falam… Se me perguntasse pelo agente de futebol mais conhecido por Abelha Maia, ainda respondia. Os advogados que tratem disso, depois mando-lhe um charuto”, disse.