Mário Nogueira pediu aos outros setores da Administração Pública que se juntem à luta dos professores. E os militares, forças de segurança, juízes, procuradores e profissionais do setor da Saúde também reclamam a revisão salarial que decorre do descongelamento das carreiras na Administração Pública. Pode não haver uma “plataforma” concreta que una as vozes dos vários setores na defesa da reposição dos nove anos em que houve perda de rendimentos, mas as cartas de exigências estão alinhadas.

Os professores têm estado na linha da frente de um combate que interessa a todos, mas em que nem todos têm a mesma margem de negociação — ou de contestação. O primeiro-ministro disse na terça-feira, no Parlamento, que admite considerar dois dos nove anos em que as carreiras estiveram congeladas. Esta quarta-feira, Mário Nogueira mostrou-se surpreendido com a abertura e admitiu que, se esse for um primeiro passo para a reposição dos quase dez anos de cortes, então há margem para falar.

“Se o tempo de serviço a recuperar forem os nove anos, quatro meses e dois dias, e a proposta do Governo for uma tranche, então esta será uma base negocial no quadro da recuperação completa”, afirmou o líder da Fenprof, em conferência de imprensa. A expectativa é a de que a seguir aos dois anos venham outros dois, e ainda outros dois, até todo o tempo ter sido considerado para reposição das progressões congeladas

Há outro ponto em que os vários sindicatos e associações sindicais parecem alinhados: nada do que ficou para trás nestes anos de “bloqueio”, em concreto no que diz respeito aos cortes reais aplicados aos salários, alguma vez será revisto. Essa é uma perda assumida em todas as frentes.

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Depois dos professores, quem se segue? Polícias, militares e juízes exigem tratamento igual

Segundo o Governo, o custo para o Estado dos aumentos salariais na Administração Pública que resultaria das progressões suspensas entre 2011 e 2017 (ainda que os professores reclamem uma contagem adicional entre 2005 e 2007) rondaria os 1.000 milhões de euros.

Não é claro se este valor inclui o dinheiro que o Estado receberia de volta em contribuições para a Segurança Social, resultantes dos próprios aumentos salariais que decorreriam destas progressões.

Em causa estão as carreiras na Administração Pública cujo fator determinante para a progressão é a contagem do tempo de serviço (professores, militares, forças de segurança e magistratura).

As progressões para os professores nestes termos custariam ao Estado 600 milhões de euros este ano. As restantes carreiras especiais representam um custo anual de 400 milhões, indicou o Governo.

Militares falam em “desigualdades” no Estado

O caso dos militares é particular. Quando as carreiras dos trabalhadores da Função Pública foram descongeladas, no início deste ano, a expetativa era a de que essa decisão abrangesse por igual todos os trabalhadores com vínculo ao Estado, militares incluídos. Mas isso não aconteceu e, hoje, há situações de desigualdade entre os elementos das Forças Armadas e funcionários “civis” que trabalham lado a lado. Mais: como os militares não exigem que lhes seja pago o valor que deveriam ter recebido a mais nos últimos seis anos, caso nunca tivesse havido congelamentos, quando chegar o momento de calcular o valor da pensão da reforma, terão direito a um valor mais baixo do que o esperado.

O presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) explica ao Observador que os militares “dependem apenas do tempo de serviço para fazer progressões nos índices remuneratórios”. Como esse tempo não foi tido em conta nos últimos sete anos (já explicamos a diferença relativamente aos nove anos reclamados pelos professores), os militares das Forças Armadas sofrem uma consequência “tripla”.

Descongelamento de carreiras: militares admitem protestos

Primeiro, porque no início do ano deveriam ter sido retomadas as contagens do tempo para a progressão remuneratória — a chamada progressão horizontal. As regras ditam que um militar está dois anos no primeiro escalão de um posto, três anos no segundo escalão, mais três anos no terceiro e por aí adiante (o número de escalões depende do posto de cada militar). No início de 2011, quando foi definido o congelamento das carreiras, essa contagem parou. E se, nesse momento, a um militar faltassem, por exemplo, dois meses para alcançar o escalão remuneratório seguinte, era exatamente nesse ponto que a contagem deveria ter sido retomada no início deste ano.

“Esse bloqueio acabou no dia 1 de janeiro, momento em que começou a contar o resto do tempo” em falta para subir de escalão, diz o dirigente da AOFA, António Mota. “Muitos militares, durante estes seis meses já atingiram os tempos” para subir de escalão, mas “nenhum foi revisto”, assinala. São mais seis meses perdidos, sem aumentos que, em muitos casos, já poderiam ter acontecido.

É uma situação de clara desigualdade que se verifica nos militares, porque no restante da Administração Pública, incluindo os próprios civis que prestam serviços nas Forças Armadas, houve descongelamento”, assinala o presidente da AOFA, António Mota.

Segundo ponto, muito ligado ao anterior: os militares querem ser colocados no escalão em que já deveriam estar. “Aqueles sete anos têm de ser contados”, defende António Mota. Exemplo prático: um militar promovido em 2012, ficou no primeiro escalão do seu posto e, em 2014, passaria para o segundo, em 2017 para o terceiro, em 2020, para o quarto. Nada disto aconteceu. “O que exigimos é que os militares das Forças Armadas sejam recolocados na posição a que teriam direito se não houvesse bloqueio durante sete anos”, defende o dirigente da AOFA. “Supondo que o tempo que esteve congelado vai ser contabilizado, queremos que a 1 de janeiro o militar seja posto na posição remuneratória que lhe é devida se não estivesse congelado, sem retroativos”, diz Luís Reis, da Associação Nacional de Praças.

Essa é a terceira questão, que na prática representa uma consequência futura irremediável, uma vez que as reformas são calculadas com base na média de toda a carreira contributiva e o buraco destes sete anos nunca será recompensado. “Temos de compreender que houve uma situação que o país atravessou e demos o nosso contributo para resolver esse problema”, concede Luís Reis.

Guardas na GNR perderam 100 euros por mês

A GNR desconhece, para já, quando é que o descongelamento da sua carreira terá efeitos práticos. Mas, nas contas do presidente da Associação Profissional da Guarda, não são sete anos de uma profissão completamente parada, mas nove. “Houve duas situações, de 2005 a 2007 e 2011 até dezembro de 2017”, alerta César Nogueira.

O responsável lembra que já teve duas reuniões marcadas com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, mas que por motivos de força maior foram adiadas. César Nogueira lembra que, à semelhança dos restante setores da função pública, a carreira devia ter sido descongelada em Janeiro deste ano. Mas nem na PSP nem na GNR o foram. A situação da PSP será reposta ainda no final deste mês, a da GNR ainda não. “Talvez porque temos um sistema diferente de progressão, através da contagem do tempo, e só com o novo estatuto teremos a avaliação. Logo, isso terá que ser negociado”, refere.

Os militares da GNR podem ser promovidos de uma forma vertical, por exemplo de capitão para major, mas dentro de cada um destes escalões existem várias progressões remuneratórias. A primeira passagem para o nível seguinte é feita ao fim de dois anos, depois é de três em três. No entanto, ao ser descongelada a carreira, o Governo garante o pagamento de retroativos a janeiro. Mas e os últimos anos?

Não podemos ser duplamente penalizados. O que reivindicamos é que se contem os anos que estivemos congelados, senão seremos penalizados na reforma”, defende.

O dirigente sindical queixa-se de que foram os guardas quem mais sofreram com o congelamento das carreiras, porque nesta categoria não houve sequer promoções. “Temos cabos que não são promovidos há 18 anos, que não passam a cabo-chefe e cujos salários estão estagnados desde então”, explica. Com o desbloqueamento passariam para o nível seguinte e ao serem contabilizados os anos, subiriam mais dois níveis remuneratórios — o que significa cerca de mais 100 euros por mês.

Salários da PSP descongelados este mês

O presidente da Associação Sindical de Profissionais de Polícia, Paulo Rodrigues, foi informado que no final deste mês os polícias já vão receber os retroativos a janeiro e que têm, finalmente, as carreiras descongeladas.  Mais, há pelo menos 15 mil polícias que, com isso, vão mudar de posição remuneratória.

Antes de reunir com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, esta quarta-feira, Paulo Rodrigues explicou ao Observador que, no entanto, ainda há termos a afinar com o Governo, nomeadamente a forma como vai ser considerado o tempo descongelado. Uma negociação que o próprio Orçamento do Estado para 2018 já previa.

Já não falo nos nove anos, porque houve um desbloqueamento ao fim de dois, mas falo em sete. Não podemos negociar tempo que existiu, mas podemos negociar a forma de colocação do pessoal, se pode ser faseada”, alega.

Paulo Rodrigues lembra que, durante sete anos, os polícias estiveram parados na mesma categoria profissional com o mesmo salário. Mas trabalharam. O dirigente sindical lembra que muitos oficiais ainda foram sendo promovidos, porque as posições de topo que lhe estão destinadas assim o obrigam. Mas nos lugares mais baixos da hierarquia, como agentes e chefes, houve quem perdesse três posições remuneratórias, o que soma 150 euros de prejuízo por mês (50 euros por cada posição).  Os polícias são promovidos de acordo com a avaliação e com o tempo de serviço, a cada três anos.

Consequência: vai ter efeito não só na carreira, como na aposentação.

Enfermeiros. “Há dois entendimentos” sobre aplicação de pontos

No setor da saúde, os enfermeiros — que António Costa chegou a dizer que seriam dos mais beneficiados com o descongelamento das carreiras — estão ainda em negociações com o Governo sobre a forma de aplicação em termos práticos, uma vez que, como explica ao Observador Guadalupe Simões, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, “há dois entendimentos” sobre como os anos devem ser convertidos em pontos para a progressão da carreira de enfermagem.

“À semelhança das carreiras de toda a Administração Pública, as carreiras dos enfermeiros foram congeladas em agosto de 2005. Depois, em 2008, foi publicada a lei que prevê uma alteração no regime de avaliação de desempenho”, explica Guadalupe Simões. As alterações legislativas sobre a avaliação do desempenho vieram unificar os vários regimes específicos e definir que essa avaliação seria convertida em pontos, consoante as menções qualitativas usadas em cada setor, com efeitos a partir de 2004.

No caso dos enfermeiros, só tínhamos duas: satisfaz e não satisfaz. Por isso, a lei mandou aplicar ao satisfaz 1,5 pontos. Ou seja, desde que as carreiras estão congeladas que os enfermeiros devem receber 1,5 pontos por cada ano de serviço desde 2004”, destaca Guadalupe Simões.

Entretanto, o regime de avaliação dos enfermeiros foi adaptado à lei-chapéu da administração pública — mas só em 2014 é que passou a haver condições para a nova avaliação de desempenho.

De acordo com a lei geral, os enfermeiros recebem, à semelhança de outras carreiras, um ponto por cada ano de serviço, sendo que isso sucede em biénios — ou seja, no final de 2018 os enfermeiros receberão dois pontos, respeitantes ao biénio 2017/18. Quando acumulam 10 pontos, têm direito a progredir para a posição remuneratória seguinte.

Mas há um problema — e é aqui que entram os diferentes entendimentos. Em 2010, o vencimento base de todos os enfermeiros em início de carreira subiu para 1.201 euros. Esta subida de vencimento foi aplicada de forma faseada entre 2011 e 2015 atingindo todos os enfermeiros na função pública. Ora, para o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, essa atualização é um “reposicionamento salarial”, uma vez que o salário de base para os enfermeiros subiu e todos tiveram de passar a receber mais.

Contudo, segundo Guadalupe Simões, “o governo entende que isso foi uma valorização salarial”, não havendo ainda consenso sobre como classificar o aumento do vencimento. “No nosso entender, não pode ser considerada uma valorização salarial porque isso só acontece quando há mudança de categoria, e estes enfermeiros mantiveram-se nas suas categorias”, sublinha a dirigente sindical. Caso seja considerado uma valorização salarial, então o tempo de serviço só é contabilizado para efeitos de descongelamento da carreira a partir dessa valorização.

“Isto quer dizer que há enfermeiros que trabalham há 20 anos e que podem passar a ser contabilizados só a partir de 2015, por exemplo, e vão receber muito poucos pontos”, explica. “O que pretendemos neste momento é que sejam reconvertidos em pontos os anos de serviço que os enfermeiros já trabalharam desde 2004, que é o que está previsto na lei, e isso vai ter implicações salariais”, sublinha a sindicalista, dando o seu próprio exemplo.

Eu tenho 18,5 pontos. Vou usar 10 pontos para mudar da posição virtual onde estava para passar à nova grelha salarial. Sobram-me 8,5. Com os dois pontos que vou receber no final deste ano fico com 10,5 e poderei subir novamente. Mas há muitos enfermeiros que, se a contabilização for feita como nós defendemos, poderão subir de escalão este ano, mas que se não for feita assim não terão pontos suficientes”, explica a dirigente sindical.

Pelas contas de Guadalupe Simões, há cerca de 10 mil enfermeiros em condições de subir de escalão já no próximo ano caso a reconversão do tempo de serviço em pontos seja feita desta forma — qualquer pessoa que tenha ingressado antes de 2010 acumulará pontos suficientes para progredir este ano.

Juízes. “Se o tempo não contar, o direito não foi suspenso foi eliminado”

O recém-eleito presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Manuel Ramos Soares, refere que a carreira destes magistrados foi descongelada em janeiro, mas que, ainda assim, o tempo corrido não foi recuperado. E há casos de juízes da Relação que estão há quinze anos à espera do salário que, em condições normais, teriam em cinco.

O juiz lembra que “a suspensão de um direito não é a eliminação do direito, o direito é recuperado”, logo o tempo em que as carreiras estiveram congeladas não pode ser desconsiderado. Mais. “Se o tempo não contar, o direito não foi suspenso, foi eliminado”, alerta. Ramos Soares desconhece como será negociada com o Governo esta recuperação, mas lembra que as regras devem ser iguais para “todas as carreiras públicas”.

Magistrados do Ministério Público querem que os nove anos sejam contabilizados

Nas contas do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público também são nove os anos que não se podem apagar da carreira, mesmo estando congelados. O presidente, António Ventinhas, explicou ao Observador que, desde janeiro, a carreira foi descongelada e que o tempo de serviço voltou a contar. Mas é preciso saber como recuperar o tempo que ficou para trás.

Nós somos a favor da recuperação integral do tempo que esteve congelado. Sabemos que para efeitos da reforma este tempo não está colocado em causa, mas neste momento as pessoas não atingiram o nível remuneratório que atingiram se o tempo tivesse sido considerado. E ficaram na mesma situação que tinham há nove anos”, explica.

No Ministério Público, a progressão depende do tempo e da avaliação e percorre três categorias: procurador adjunto, procurador da República e procurador-geral adjunto. Acima destes estão o vice-Procurador Geral da República e o Procurador Geral. No entanto, dentro do escalão do Procurador-Adjunto existem vários níveis remuneratórios. Neste momento, há profissionais que já deviam ter saltado dois ou três escalões, mas que se mantêm onde estavam há nove anos.