Um exercício defensivo, na corda bamba, mas para ganhar tempo. Na madrugada de sábado, o Conselho de Administração Executivo da EDP divulgou o (obrigatório) relatório oficial de resposta à Oferta Pública de Aquisição que a China Three Gorges lançou sobre a elétrica portuguesa em maio. Em 91 páginas, a EDP confirma uma ideia já no ar – o preço é baixo – mas põe a tónica nas dúvidas que lhe suscitam o projeto industrial apresentado pela empresa chinesa. O tom é tático e cuidadoso: uma no cravo, outra na ferradura, tudo tem mérito e tudo pode ser discutido.

No início do documento, a administração da EDP salienta que a elétrica portuguesa já tem “as competências e a capacidade de execução certas”, “a estratégia certa” e “as perspetivas certas”. O que é que se oferece a quem acha que já tem tudo?

Neste caso, quando quem aparece com a “prenda” na mão é o maior acionista da EDP – a China Three Gorges detém 23,27%  da elétrica nacional – a pergunta não é incómoda para quem oferece, é sobretudo para quem tem de decidir se aceita ou não.

Por isso, a administração liderada por António Mexia foi ensaiando nos dias seguintes à OPA (tornada pública a 11 de maio) a resposta de que o valor oferecido era baixo. Demasiado baixo.

No relatório, a administração de Mexia explica.

“O Conselho de Administração Executivo considera que o preço oferecido não reflete adequadamente o valor da EDP e que o prémio implícito na Oferta é baixo considerando a prática seguida no mercado europeu das utilities nas situações onde existiu aquisição de controlo”. E porquê?

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“Subavalia a EDP tendo em conta os prémios pagos em ofertas públicas precedentes em dinheiro para aquisição de controlo”.

“Tem implícito um múltiplo inferior à média paga em transações precedentes relevantes.

“Está relativamente alinhada com os múltiplos de mercado de empresas comparáveis, metodologia que não incorpora prémio de controlo.

“Tem implícito um prémio inferior ao prémio oferecido pela CTG em 2011 para a aquisição de uma participação minoritária na EDP”.

O racional é simples e repetido ao longo do documento: por que razão haveria a China Three Gorges de assumir o controlo da EDP pagando menos (por ação, comparativamente) do que pagou para adquirir a posição minoritária em 2011? Para mais, numa EDP que agora tem “a estratégia certa”, “as perspetivas certas” e “as competências e a capacidades de execução certas”?

A conclusão é óbvia: “o Conselho de Administração Executivo não pode recomendar que os acionistas vendam as suas ações ao preço atualmente oferecido”. Isto significa que pode tratar-se, apenas, de uma questão de números? A resposta é não, e é precisamente isso que torna o exercício de corda bamba do relatório mais interessante.

A via escolhida pela administração da EDP é não limitar a sua resposta ao preço, preferindo aprofundar (e prolongar) a discussão sobre o projeto industrial. Por isso, salienta repetidas vezes ao longo do texto que “há mérito nas intenções estratégicas” da China Three Gorges. Há mérito sim, mas também há muitas dúvidas.

“Dadas as incertezas em relação à implementação das intenções [da CTG] e do potencial impacto na EDP, o Conselho de Administração Executivo procurará obter mais informação junto da Oferente para estar em condições de formar uma opinião mais fundamentada sobre a qualidade do projeto”, indica.

Ou seja, abrir negociações relativamente aos vários aspetos do projeto industrial que permitam adoçar um preço mais baixo.

A própria administração da EDP lista o que considera ser os principais pontos do projeto industrial da China Three Gorges no âmbito desta OPA. E salienta que é este plano – “composto por cinco pilares principais relacionados com a identidade, eficiência e crescimento, perfil financeiro, contribuição de ativos e a opção de entrada no mercado eólico offshore na China” – que “dão um contexto relevante à Oferta”. Sem estes pilares, e sem a formulação com que foram apresentados,  teria havido um “não” liminar? Dificilmente.

Voltando ao ponto, “o Conselho de Administração Executivo constata o mérito das intenções” da CTG, nomeadamente quando pretende:

“Preservar a identidade portuguesa da EDP e a natureza autónoma do centro de decisões, baseado nos mais elevados padrões internacionais de corporate governance, mantendo também a presença do grupo nas geografias onde se encontra atualmente e onde é um player de referência, e mantendo as ações da EDP admitidas à negociação em mercado regulamentado com níveis de liquidez e de free-float significativos”.

Um “enfoque nos ativos com fluxos de caixa estáveis, pretendendo manter o perfil diversificado e de baixo risco, e posicionar a EDP como líder das operações e do crescimento do Grupo CTG na Europa, na América, nos PALOP, bem como em determinados mercados Asiáticos”.

“Reforçar o perfil financeiro da EDP comprometendo-se a manter a tendência de redução de alavancagem da EDP e assegurar pelo menos um rating de nível investment grade, procurando simultaneamente manter a flexibilidade para procurar crescimento e manter uma política de dividendos estável e não inferior ao que foi divulgado pela EDP”.

“Eventualmente contribuir com ativos regidos por contratos de longo prazo da CTG em geografias onde se verifique uma sobreposição de mercado com a EDP, ao abrigo de um acordo quadro a celebrar com a sociedade visada. Estes ativos incluem centrais hídricas controladas pelo Grupo CTG no Brasil (com a capacidade de 8 GigaWatts), participações conjuntamente detidas com a EDP em três ativos hídricos no Brasil (capacidade bruta de 1.3 GW), participação minoritária de 49% em onze centrais eólicas no Brasil controladas pela EDP (capacidade bruta de 0,3 GW), participação maioritária de 80% no projeto eólico offshore na Alemanha (capacidade bruta de 0,3 GW) e uma participação de 49% na EDPR Portugal (capacidade bruta de 0,6 GW)”.

“Criar opções de crescimento, facilitando a entrada da EDP no mercado eólico offshore chinês, no qual a Oferente pretende assumir um papel ativo. Este novo tipo de ativos seria consistente com o atual enfoque estratégico da EDP e poderia representar uma nova plataforma de desenvolvimento para a empresa”.

Salta à vista o “eventualmente” do terceiro ponto, uma ressalva que não está em nenhum dos outros, mais assertivos, mas o mais importante é a análise global da proposta: “o mérito das intenções acima descritas depende do seu modelo de implementação, o qual não é claro nesta fase”.

“No que respeita às intenções de contribuição de ativos, o limitado nível de detalhe da proposta da Oferente, nomeadamente no que concerne ao mecanismo de implementação, à estrutura de capital e ao calendário da contribuição de ativos, suscita diversas questões, que não podem ser devidamente abordadas pelo Conselho de Administração Executivo com base na informação atualmente disponível”.

Nesta fase, diz a EDP, “a visibilidade sobre as opções, a execução das intenções e o impacto potencial no perfil de risco e retorno da empresa” ainda “são limitadas”.

Ou seja, a EDP diz que pretende obter da CTG mais informação e isso pode implicar mais do que discutir preço à mesa. Pode implicar mais tempo para analisar as métricas dos ativos que a CTG traz ao negócio, sobretudo no Brasil. Porquê? Porque, salienta a administração, “deve ser realçado que s contribuição de ativos de dimensões significativas no Brasil contemplada pela Oferente levaria a um aumento da contribuição relativa da América Latina para o portfólio global da EDP”. E isto não é bom? Pode ser, mas vamos com calma. É que o aumento “relevante da contribuição relativa da América Latina” no portfólio global tem uma consequência “modificaria de forma relevante o seu perfil de risco e retorno”. Não será por acaso que a palavra “risco” surge primeiro.