A comissão parlamentar de inquérito às rendas da eletricidade aprovou por unanimidade os quatro requerimentos apresentados pelos partidos para ouvir 100 personalidades, incluindo o atual e quatro antigos primeiros-ministros. A presidente da comissão, Maria das Mercês Borges (PSD), destacou o elevado grau de exigência de calendário para ouvir todas estas pessoas, mas admitiu que será possível agendar 27 audições até ao final de julho, quando termina a sessão legislativa.

Antes da votação, o PS ainda colocou à consideração dos outros partidos a necessidade de requerer as audições do atual e ex-primeiros-ministros. Luís Testa levantou a hipótese no arranque da reunião que discutiu os requerimentos dos partidos onde são propostas audições de 96 personalidades e 17 entidades. Em concreto, o deputado socialista referiu os “procedimentos” do Bloco de Esquerda e do PSD que chamam quatro ex-primeiros-ministros, com os sociais-democratas a pedir também para ouvir António Costa.

Políticos, gestores e técnicos. Todos os nomes chamados à comissão sobre rendas da eletricidade

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O PS defendeu que a comissão se deve debruçar sobretudo naqueles que tinham a tutela política do setor. Os socialistas, acrescentou Luís Testa, não têm objeções às personalidades em causa. Contudo, se os grupos parlamentares podem ouvir mais pessoas, a partir do momento em que há uma deliberação essas audições tornam-se obrigatórias. Os outros partidos não acolheram a sugestão, lembrando que as audições são pedidas e agendadas à medida que venham a revelar-se necessárias. Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa fazem parte das listas aprovadas, mas podem não vir a ser chamados, conforme admitiram os deputados.

Jorge Costa, do Bloco de Esquerda (BE), considerou que os trabalhos devem decorrer de forma cronológica, começando pela audição dos reguladores e técnicos e seguindo com os esclarecimentos dos decisores políticos da altura. E será nessa fase que, em função de cada momento, se pode constatar a necessidade de esclarecimentos por parte dos antigos primeiros-ministros. Para o deputado do Bloco, partido que teve a iniciativa deste inquérito parlamentar, o facto de os nomes de Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho e António Costa estarem nos requerimentos, não quer dizer necessariamente que venham ser chamados a prestar esclarecimentos, ainda que por escrito. Também Hélder Amaral, do CDS, partido que não chamou nenhum primeiro-ministro, remeteu eventuais audições dos ex-líderes dos governos, para posteriores votações.

Além das audições, os partidos aprovaram também todos os pedidos de documentação. O calendário das primeiras audições será discutido ainda esta quinta-feira numa reunião de coordenadores, mas tudo indica que a primeira possa ainda realizar-se este mês, no dia 27 de junho. Para cumprir a meta das 27 audições (até ao final da sessão legislativa), será necessário realizar pelo menos audições em dois ou três dias por semana, a terça-feira durante todo o dia, e mais um ou outro dia após plenário. As primeiras pessoas a ser ouvidas deverão ser especialistas.

Esta é a primeira vez que o Parlamento avança com um inquérito parlamentar à política de energia. Neste caso a investigação vai incidir sobre as chamadas rendas excessivas pagas pelos consumidores às empresas produtoras de eletricidade, onde se destacam os contratos com as centrais da EDP, os famosos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual). O tema das rendas, que são apontadas como responsáveis pelos elevados preços da energia elétrica em Portugal, também está a ser escrutinado pelo Ministério Público, que investiga suspeitas de favorecimento de governos à elétrica.

Contratos de venda de energia. O que querem dizer os “palavrões” CAE e CMEC?

No radar da comissão vão estar também os subsídios à energia renovável e os contratos de remuneração garantida a outras empresas do setor, para além da EDP, bem como a atuação de governos e reguladores.

A última vez que a energia foi tema de comissão de inquérito, ainda que de forma mais seletiva, aconteceu em 2000, no quadro da comissão de inquérito à entrada da Iberdrola e da ENI na Galp durante o segundo Governo de António Guterres, quando Pina Moura era ministro das Finanças.

14 anos, 96 nomes e cinco primeiros-ministros

Os requerimentos apresentados pelos quatro partidos para audições na comissão de inquérito às rendas excessivas da eletricidade somam quase cem nomes. Além dos gestores e responsáveis políticos diretos pelas decisões no setor da energia dos últimos  14 anos — desde 2004, ano em que foi aprovado o regime atual das chamadas rendas da EDP, os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual), as listas incluem ainda cinco primeiros-ministros, com o atual, e três ministros das Finanças (Teixeira dos Santos, que acumulou a pasta da economia durante seis meses, Vítor Gaspar, o ministro que vendeu a EDP aos chineses da China Three Gorges, e Mário Centeno).

Estão também convocados antigos banqueiros, especialistas e um número importante de assessores/adjuntos que passaram dos quadros das empresas, consultores e reguladores de energia para os gabinetes ministeriais e que, em alguns casos, foram parar aos conselhos de administração da REN (Redes Energéticas Nacionais), a empresa que é a contraparte da EDP (quem paga) nos contratos dos CMEC.

O número elevado de audições pode significar que dificilmente se realizarão todas, a avaliar pelo que aconteceu em comissões de inquérito anteriores. O inquérito parlamentar que teve mais audições, nos últimos dez anos, foi o que incidiu sobre as parcerias público privadas (PPP) e que se realizou entre 2012 e 2013, com 67 audições. As duas comissões de inquérito que mais marcaram a atualidade política — situação que levou à nacionalização do BPN e a queda do BES — tiveram cada uma 55 audições.

Por outro lado, a lista das pessoas chamadas não está fechada. Ao longo dos trabalhos da comissão, os partidos pedem novas audições e há personalidades, sobretudo dos principais responsáveis políticos, que são ouvidas duas vezes. Há também figuras, e neste caso vários dos convocados podem invocar essa prerrogativa — ex-primeiros ministros e ex-ministros, além de António Costa — que podem responder por escrito, sem audição presencial.  Pedro Passos Coelho, no inquérito ao BES, José Sócrates, no envolvimento do Estado na compra da TVI, e Vítor Gaspar, nos inquéritos ao BES, Banif e recapitalização da Caixa, já o fizeram.

Quem quer ouvir quem

O PSD destaca-se como o partido mais ambicioso nas audições com pedidos para ouvir mais de 60 pessoas, entre as quais muitos políticos — com destaque para os atuais ministro das Finanças e primeiro-ministro — e antigos dirigentes dos bancos que foram acionistas da EDP, Caixa, BCP e BES.  O requerimento do PS deixa a marca contrária, muitos técnicos e quadros das empresas de energia e dos reguladores, gestores e antigos administradores, mas menos responsáveis políticos, sobretudo da área socialista.

Além do incontornável Manuel Pinho, que todos querem ouvir até por causa das notícias sobre os pagamentos que recebeu enquanto ministro da Economia do Grupo Espírito Santo, os socialistas chamam todos os antigos ministros e secretários de Estado com a área da energia de Governos PSD/CDS. Incluem na lista dois antigos secretários de Estado dos Executivos de Sócrates, Castro Guerra e Carlos Zorrinho. De fora fica o atual ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, que é chamado por quase todos. Do atual Governo, o PS só chama o atual secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches.

O PCP foi o partido a propor menos nomes, mas porque assume que as suas propostas são complementares às pessoas já chamadas por outras forças políticas. É o contudo o único partido a pedir para ouvir Luís Amado, atual presidente do conselho geral e de supervisão da EDP, e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates.

O Bloco foi o primeiro partido a dar a conhecer o seu requerimento com 43 audições, tendo marcado logo o arranque do inquérito que é da sua iniciativa, com muitos nomes que estiveram no primeiro plano da política em Portugal nas últimos 14 anos. O CDS apresenta uma lista de 42 nomes, entre os antigos responsáveis políticos, gestores e reguladores, atuais e antigos, incluindo alguns quadros mais especializados.

Nomes “obrigatórios” nos requerimentos dos partidos, com a exceção do PCP pela lógica complementar já explicada, são os dos atuais e antigos gestores da EDP e da REN que foram constituídos arguidos no inquérito que investiga o alegado favorecimento de vários governos à elétrica:  António Mexia, João Manso Neto, Rui Cartaxo, João Conceição.

Os antigos ministros da Economia e ex-secretários de Estado da Energia, bem como os atuais e antecessores presidentes dos reguladores da energia, a ERSE, e da concorrência, a AdC, também estão em praticamente todas as listas.

Corrigido o nome da presidente da comissão de inquérito.