Antes do mercado ibérico e da liberalização do setor da eletricidade, quase todas as centrais elétricas portuguesas estavam protegidas por CAE (contratos de aquisição de energia). Estes contratos asseguravam condições de remuneração de longo prazo aos produtores que foram negociadas previamente com os sindicatos bancários que financiaram a construção destas unidades nos anos 1990.

Para haver mercado de eletricidade, era preciso que a energia produzida pelas centrais fosse vendida fora destes contratos. Daí a necessidade de transformar os CAE em CMEC (custos de manutenção de equilíbrio contratual). Estes novos contratos permitiam a venda da energia em regime de mercado, mas tinham associado um seguro, que protegia o produtor do risco do preço e da receita.

Esse seguro compensa as centrais quando a remuneração fica abaixo de um determinado patamar e é financiado pelas tarifas de eletricidade. O mecanismo tem sido apontado, nos últimos anos, como gerador de grandes receitas, que alguns classificam de rendas excessivas, para a elétrica. Estas compensações são pagas por via dos preços da eletricidade e têm contribuído para o agravamento do défice tarifário, a dívida do sistema elétrico às empresas produtoras. A EDP é a principal credora.

O mecanismo dos CMEC foi negociado em 2004 com o Governo de Durão Barroso (a lei foi já publicada com Santana Lopes) , quando a EDP era liderada por João Talone. A EDP foi, então, a única empresa a mudar o regime das centrais dos CAE para os CMEC, viabilizando assim o mercado ibérico de eletricidade (MIBEL) A Turbogás e a central do Pego ficaram no regime dos CAE.

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Mas o mercado ibérico só arrancou, efetivamente em 2006. E foi já com António Mexia nos comandos da EDP que o Governo de Sócrates atualizou em 2007 alguns dos pressupostos dos contratos iniciais, tendo começado a ser aplicado o regime dos CMEC. Esta aplicação resultou em compensações às centrais convencionais da EDP pela queda das receitas, face aos valores contratualizados, que se acentuou quando a produção renovável começou a crescer, roubando espaço no mercado às centrais térmicas. Isto aconteceu quando o ministro da Economia era Manuel Pinho.

Na mesma altura, o Governo renovou o prazo de concessão das grandes barragens da EDP que estavam no regime dos CMEC. Esta decisão permitiu ao Estado encaixar cerca de 700 milhões de euros, uma receita que ajudou as contas públicas e permitiu travar a subida do preço da eletricidade. Esta extensão do prazo permitiu às barragens da EDP ter direitos a compensações durante mais anos. A justiça do valor pago pela elétrica pelo direito de explorar durante mais anos estas centrais, e dentro do regime de segurança dos CMEC, tem vindo a ser questionado ao longo dos anos.

O acordo entre o Governo de Sócrates e a EDP foi investigado pela Comissão Europeia, depois de uma queixa apresentada por várias personalidades portuguesas. Nesta queixa era invocada a ilegalidade dos CMEC e dos CAE, considerando que constituíam ajudas de Estado que estavam a ser usadas para compensar uma empresa que tinha já lucros avultados. Nesta denúncia, foi ainda questionado o prolongamento do prazo de concessão das barragens, como tendo favorecido a EDP. Bruxelas acabou por concluir recentemente que este negócio não foi uma ajuda de Estado, tendo arquivado a queixa.

É esta alteração do regime contratual das centrais, decidida em 2004 e aplicada em 2007, que está agora a ser investigada pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), numa investigação que cobre um período de dez anos, até 2014. Em causa estão suspeitas de corrupção, passiva e ativa, e de participação económica em negócio. Nesta investigação foram constituídos pelo menos quatro arguidos, entre os quais o presidente da EDP, António Mexia, e o presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto.

Atualizado com mais informação no dia 5 de junho.