Enviado especial do Observador à Rússia (em Sochi)
No final do jogo, ou quando fechávamos o computador após enviar a crónica, arrumamos a mochila para descer do piso 6 para o 1 ao mesmo tempo do que um jornalista brasileiro que estava ali na mesma fila. “Nossa, que fera”, atirou. Havia muitos na bancada de imprensa, aproveitando o facto de estarem a acompanhar o estágio do conjunto de Tite aqui na cidade, e não houve um que não tivesse ficado rendido ao jogo de Cristiano Ronaldo. “Você tem muita sorte em ter alguém assim a nascer na sua terra”, continuou. E este era daqueles casos onde nem é necessário responder, basta encolher os ombros e sorrir. Mas havia mais para acrescentar: “É bom que o Neymar veja esse jogo para ver se aprende alguma coisa do que é tomar conta de tudo”.
Se dúvidas ainda existissem, e que a existir só poderiam ser provocadas por uma boa dose de autismo, só havia um nome a dominar todas as conversas: Ronaldo. Depois, o que variava era o caminho do diálogo. Podia ser pelos três golos, podia ser pelo triunfo do prémio de “Homem do Jogo”, podia ser pelo fantástico livre direto. E foi por isso que, enquanto os jogadores iam passando às gotas na zona mista, as atenções estavam centradas na única televisão no local que estava a transmitir a conferência do capitão português numa sala que deveria ficar a cerca de 100 metros de distância. Mas este espaço é sempre, por si só, um local bom para muitas vezes parar, ver e ouvir sem sequer abrir a boca. Às vezes, até admirar.
Antes de Cédric Soares, o primeiro jogador de Portugal a falar no espaço onde estavam concentrados todos os jornalistas nacionais de imprensa escrita, Gerard Piqué já tinha aberto hostilidades. E nem foi preciso chamar, logo no início do caminho serpenteado por barreiras até à zona onde estão estacionados os autocarros das equipas. Piqué queria mesmo falar, sem medos, da mesma forma como antes do encontro a incumbência tinha ficado a cargo de Sergio Ramos, o capitão da equipa. Como não poderia deixar de ser, deu uma no cravo e outra na ferradura. Ou seja, a novela em torno da crise espanhola está para durar.
Por um lado, e depois de ter visto notícias em vários órgãos que davam conta do desconforto dos responsáveis do Barcelona por ter sido uma das empresas do central, neste caso a Kosmos, a produzir o mini documentário com que Griezmann assumiu que tinha acabado por rejeitar uma proposta do Barcelona e ficado no Atl. Madrid, o jogador catalão reforçou várias vezes que nunca foi seu intuito faltar ao respeito ao seu clube. Por outro, e respeitando a abordagem do Real Madrid a Julen Lopetegui, reforçou que o grupo quer colocar o assunto para trás mas sempre disse “as formas como fizeram tudo isto são muito discutíveis”. Ah, e ainda houve mais uma farpa para o antigo companheiro Ronaldo, “que é propenso para atirar-se ao chão”.
Enquanto passava de um primeiro grupo para outro (e Piqué falou, e falou, e falou), o lateral português admitiu que o resultado acabou por ser positivo “apesar de haver a intenção de chegar à vitória”. “Calor? Foi igual para os dois, apesar de ser ser verdade que a Espanha baixou um pouco o ritmo no final, quando nós aumentámos o nosso. Ronaldo? É o melhor jogador do mundo e hoje isso ficou mais uma vez provado”, destacou, antes de ficar desagradado com a questão dos erros defensivos da equipa. “A Espanha tem uma equipa muito boa também, foi olhos nos olhos, e é normal haver erros porque caso contrário não haveria golos. Mas quando se fala de erros, temos de falar de toda uma equipa e não apenas da defesa”, salientou.
A seguir, e enquanto continuava a falar Piqué, surgiu João Moutinho. O médio destacou que “não foi um empate com sabor a vitória”: “Jogámos contra uma equipa muito forte, que já joga junta há vários anos, que tem um estilo de jogo cimentando e hoje mostrou isso mesmo. Teve muita posse de bola, obrigou-nos a defender mas nós fizemos também o nosso jogo: defender bem, estar organizados e sair no contra-ataque com confiança. Acaba por ser um resultado justo”. “Nunca é bom sofrer três golos, mas também é verdade que marcámos três. Temos de defender um pouco melhor, toda a equipa… São circunstâncias dos jogos mas sobretudo temos de corrigir o erro que cometemos numa bola parada, para que não se volte a repetir”, terminou.
Terminou Moutinho, terminara também Piqué, começou Bernardo Silva. O extremo do Manchester City deu mérito à Espanha também pelo jogo que fez, admitiu que espera fazer “bastante melhor” e fez o mais rasgado elogio à figura que não há ninguém que elogie. “Mais uma vez o Cristiano Ronaldo voltou a decidir. É fantástico ter connosco um dos melhores, se não mesmo o melhor jogador da história do futebol. Mais uma vez mostrou o jogador que é e que continua a ser ano após ano. Já faz isto há mais de dez anos. Um dia vou poder dizer que joguei com Cristiano Ronaldo. É um prazer estar com ele, ver o que ele faz, poder aprender com ele. A ambição que ele traz todos os dias para os treinos e para os jogos é enorme e é um orgulho”, salientou.
[O penálti, o “frango e o perfeito. Veja no vídeo os 3 golos de Ronaldo em 3D]
https://www.youtube.com/watch?time_continue=7&v=RjAwPpdqMaQ
Numa zona mista onde Rui Patrício, William Carvalho e Gelson Martins acabaram por ser “protegidos” de qualquer pergunta que pudesse surgir, por forma a manterem o foco apenas na Seleção, Thiago ainda parou para falar com jornalistas brasileiros, David De Gea quis dar a cara depois de um erro colossal no segundo golo de Ronaldo, Sergio Ramos passou ao lado das perguntas e Diego Costa acabou por falar mesmo no final da zona mista, na zona também dos brasileiros mas onde estavam jornalistas de mais nacionalidades. Nisto, ia passar o capitão nacional com Manuel Fernandes. “Ronaldo, Ronaldo, uma palavra?”, terá pedido o jornalista brasileiro ali ao pé. “Allô, allô”, disse Ronaldo a rir. Mas ainda havia outra: quando perguntaram a Diego Costa se tinha sido o herói do jogo, a resposta não podia ser mais espontânea. “Herói? Fui o car****, foi este bicho que marca golo de qualquer lado”, atirou a apontar para o português que estava nessa altura a passar atrás de si na última parte da zona mista.