Enviado especial do Observador à Rússia (em Moscovo)
Os jogadores da Tunísia já tinham passado praticamente todos pela zona mista (só o capitão Khazri e o lesionado ainda a coxear Syan Ben Youssef pararam um pouco mais para falar com alguns jornalistas) e apenas Mignolet, guarda-redes da Bélgica, andava por ali. Não parou no principal grupo que estava lá à frente sobretudo com compatriotas, mas foi estacionando mais à frente, junto de franceses, de ingleses, de mais um belga com quem parecia ter alguma relação, até de um americano. Entretanto já tinha falado um pouco de tudo, mas não custava nada tentar uma coisa que a nós traria alguma proximidade: que opinião tem de Rui Patrício, número 1 de Portugal que vai na próxima época jogar na Premier League ao serviço do Wolverhampton? “Sobre isso não vou querer falar, peço desculpa”, respondeu o guarda-redes suplente também no Liverpool. OK, está certo.
Depois lá foram saindo mais jogadores. Courtois e Alderweireld, jogadores que são próximos da Liga espanhol após terem passado pelo Atl. Madrid antes de voltarem a Inglaterra, foram os que mais falaram e em diferentes zonas; West Bromwich Albion, também se mostrou muito solícito e falou em diferentes línguas; Eden Hazard passou que nem um relâmpago a sorrir mas tinha falado antes na conferência; Vermaelen e Batshuayi fugiram de qualquer pergunta. Lukaku (tal como Verthongen), parou duas vezes e na última até um português mais ou menos percetível usou, em respostas a jornalistas brasileiros que até sobre Adriano, o Imperador de quem é fã, perguntaram. Como não se pode ir a todo o lado e tem de ser coisa de três ou quatro perguntas antes que tenham de ir para o autocarro, conseguimos agarrar outra cara conhecida: Axel Witsel.
O médio que passou pelo Benfica voltou a fazer uma daquelas exibições a encher o campo que só não é mais destacada porque a seu lado está De Bruyne e à sua frente encontram-se Hazard e Lukaku. Há um dado, por exemplo, onde ganha a todos: 91% de eficácia de passes, um número que mais ninguém alcançou. E a posição de Witsel não é fácil, depois da onda que se criou na Bélgica depois de Radja Nainggolan ter ficado de fora dos 23 eleitos por opção técnica de Roberto Martínez, que entendeu já ter demasiados elementos para aquela posição. Até porque, verdade seja dita, não prescinde do número 6 nascido em Liège.
Depois de ter começado a jogar no modesto Vise RSC, Witsel, então médio ofensivo ou ala direito, fez o resto da formação no Standard, onde não demorou a dar nas vistas. Por um motivo ou por outro, acabou por nunca dar o salto e interessados pareciam não faltar como o próprio compatriota Eric Gerets, então treinador do Marselha, assumiu para justificar a incapacidade de levá-lo para Ligue 1. E falou do Manchester United, do Manchester City, do Inter, do Arsenal, do Chelsea. Nunca ninguém chegou onde os belgas queriam até que, no início da temporada de 2009/10, acabou por estar envolvido num episódio marcante: após uma entrada mais dura sobre Marcin Wasilewski, provocou uma dupla fratura de tíbia e perónio no companheiro de profissão. O jogador do Standard pediu desculpa, garantiu que não tinha qualquer intenção que aquilo acontecesse, mas não só levou oito jogos de suspensão (eram mais mas a punição foi reduzida) como sofreu ameaças de morte de adeptos do Anderlecht e polacos.
Esse momento, conta quem melhor o conhece, acabou por marcá-lo. Enquanto futebolista e até como pessoa. Tornou-se diferente, sem deixar de ser um jogador acima da média e que era uma questão de tempo até sair da Bélgica. Próxima paragem? Benfica. Apenas por uma temporada. Em dupla com Javi García ou Matic no meio-campo de Jorge Jesus, foi o jogador com mais encontros oficiais (49) e transformou os 6,5 milhões investidos em 40 ganhos, que de acordo com uma fuga a que o Football Leaks teve acesso chegou aos 43 (tendo ganho uma Taça da Liga). Tal como Hulk, rumou ao Zenit e acabou por ter um apoio de peso quando muitos colocavam em causa o investimento de algumas equipas russas em jogadores estrangeiros: Vladimir Putin, que chegou mesmo a pronunciar-se publicamente sobre o caso de ambos dizendo que o país deveria sobretudo estar feliz por ter elementos daquele calibre. Em 2016, após ganhar todas as provas nacionais, mudou-se para o Tianjin Quanjian, da China. Mas pode não ser por muito tempo, porque como o próprio afirmou tem de fazer exercícios extra depois do treino para poder manter um nível de competitividade e intensidade a que estava habituado quando jogava na Europa.
Fora de campo, o belga tem também uma grande paixão que vai ganhar asas quando acabar a carreira. Neste caso, literalmente: é apaixonado por aviões e investiu mesmo numa empresa de aviões do seu país, a LindSky, tendo o objetivo de um dia poder estudar para também ele se tornar piloto, naquele que é o seu grande hobbie extra futebol. “Comprei já parte da empresa e quando acabar a carreira tenho a intenção de ter um papel mais ativo na sua gestão enquanto estudo para piloto”, confessou.
Voltando agora ao que encontrámos no Spartak Stadium, a vontade do jogador já não era muita, porque tinha estado logo no início da zona mista imenso tempo, mas quando percebeu que havia ao pé de nós jornalistas russos com voluntárias que estavam ali para traduzir para francês e vice-versa, parou e acedeu a responder. Depois, ouviu e respondeu a perguntas em brasileiro. A seguir vieram as nossas, em português. Com uma curiosidade: enquanto os nossos companheiros de vários pontos do Brasil comentam que ele tem um bocado de sotaque português quando responde, ficamos com a sensação que o sotaque é meio brasileiro e ficamos sem perceber o porquê a não ser o facto de ter sempre jogadores canarinhos nas suas equipas. 2.37 minutos, porque já havia franceses também ao lado a querer fazer perguntas com respostas que percebessem.
Depois desta exibição com a Tunísia, a Bélgica está nos favoritos para ganhar o Campeonato do Mundo?
Temos qualidade para fazer um grande Mundial. Não sei se somos favoritos, pois existem também equipas como o Brasil, a Alemanha, a Espanha e Portugal, que também são fortes. O importante é continuarmos a pensar jogo a jogo, é assim que temos condições para fazermos um grande Mundial aqui na Rússia.
Alguns favoritos estão a passar dificuldades nesta primeira fase. Estão a torcer por caírem já?
Eu não penso assim, acho que por exemplo o Brasil com quatro pontos está bem para qualificar-se. Até agora ainda não jogou tão bem mas ganhou ontem [com a Costa Rica] e tem tudo para fazer melhor daqui para a frente, com jogadores de muita qualidade.
Hazard tem condições para ser o melhor deste Mundial?
Tem tudo, sim. É um jogador e um companheiro com muita qualidade. Quando quer, faz a diferença. Se continuar assim, pode ser o melhor jogador deste Mundial.
A equipa de Portugal, como é que tens visto a prestação até agora?
Está bem por agora. Bem organizada, com quatro pontos na frente, um bom bloco. E só posso desejar boa sorte para o próximo jogo deles.
E o contacto com o país, ainda é muito?
Sim, tenho muitos amigos lá em Lisboa e quando posso tento voltar lá.
E com o Benfica?
Fiz um ano espetacular do Benfica, foi mesmo muito bom e ainda hoje me vão enviando mensagens. Apesar de só ter passado lá um ano, ainda não se esqueceram de mim. Quero agradecer aos adeptos por isso.
Qual foi a importância que esse ano teve na tua carreira para chegar aqui?
Evoluí muito também graças ao Benfica, foi uma passagem muito importante para ter chegado onde cheguei.