O Papa Francisco nomeou esta quinta-feira o jornalista italiano Paolo Ruffini como prefeito do Dicastério para as Comunicações do Vaticano, o organismo da Santa Sé responsável por definir as estratégias comunicativas da Igreja Católica, anunciou o Vaticano. A decisão é inédita porque pela primeira vez um leigo foi escolhido pelo Papa para dirigir um dicastério — os “ministérios” do governo da Igreja Católica — em vez de um bispo ou cardeal.
Ruffini, de 61 anos, era até agora diretor da TV2000, a rede televisiva da Conferência Episcopal Italiana. Antes, trabalhou em jornais como o Il Mattino di Napoli ou o Il Messaggero di Roma e nos canais de rádio e televisão da Rai, a estação pública italiana. Além disso, “recebeu diversos prémios de jornalismo, participou em várias conferências sobre o papel dos cristãos na informação, na ética da comunicação e novos media“, destaca o comunicado do Vaticano que anuncia a nomeação.
Paolo Ruffini sucede, desta forma, ao monsenhor Dario Viganò, o primeiro prefeito daquele dicastério fundado em 2015 pelo Papa Francisco, que se demitiu em março na sequência da polémica em volta da publicação de uma carta do Papa emérito Bento XVI sobre o Papa Francisco — um escândalo que ficou conhecido na Igreja como “Lettergate”.
Caso “Lettergate” levou a demissão de antecessor
A polémica remonta a março, altura em que foi publicada uma série de livros sobre a formação teológica do Papa Francisco. O Papa emérito Bento XVI não esteve presente na apresentação, mas enviou uma carta sublinhando como a iniciativa contradizia “preconceitos tontos daqueles que acham que falta ao Papa Francisco uma particular formação teológica e filosófica”, enquanto ele próprio teria sido “apenas um teórico da teologia, com pouca compreensão da vida concreta das vidas dos cristãos hoje”.
Porém, apenas parte da carta foi mostrada, o que motivou perguntas sobre o conteúdo dos restantes parágrafos da missiva — com a imprensa a avançar que dessa parte do documento poderiam constar os motivos pelos quais Bento XVI não esteve na apresentação dos livros.
Para acabar com a polémica, o Vaticano decidiu mostrar a carta na íntegra. “Estou certo de que podem compreender porque declinei”, escrevia Bento XVI na carta que foi lida na íntegra por Dario Viganò e em que afirmava que os autores envolvidos no projeto emitiram ataques “virulentos” e “anti-papistas” contra o consulado do seu sucessor e dizia estar “surpreendido” pela inclusão de um teólogo contestatário nos 11 volumes da “Teologia do Papa Francisco”.
No texto completo, surgem parágrafos em que o Papa emérito exprime a sua surpresa por surgir entre os autores da compilação o teólogo Peter Hunermann, que durante o seu pontificado “se distinguiu por ter liderado iniciativas anti-papais”.
Bento XVI assinala que o teólogo alemão também atacou “de forma virulenta” a encíclica “Veratis Splendor”, de João Paulo II, e a “autoridade magistral do Papa em particular sobre a teologia moral”, para além de citar outros casos.
Viganò deve ficar como conselheiro
Em comunicado, o Vaticano argumentou que apenas as partes “consideradas apropriadas e relevantes” para a apresentação dos livros foram exibidas. “Para acabar com as dúvidas, foi decidido publicar a carta na íntegra.”
Porém, Dario Viganò acabou por não resistir à polémica e apresentou a carta de demissão na sequência das “várias controvérsias” que “desestabilizam o complexo e grande trabalho de reforma que me confiou em junho de 2015 e que vê agora, graças ao contributo de várias pessoas a começar pelos funcionários, a sua reta final”. O Papa Francisco aceitou a demissão mas pediu-lhe que ficasse como conselheiro para que pudesse ” o contributo humano e profissional ao novo prefeito”, nesta “fase final” da reforma da Igreja.
A nomeação de um leigo para um cargo de chefia de um dicastério da Cúria Romana é mais uma inovação que vem na linha da reforma que o Papa Francisco está a levar a cabo no interior da Igreja Católica a começar pela própria estrutura eclesial.