Faltam poucas horas para o início da segunda fase da missão para resgatar a equipa de futebol presa na gruta Tham Luang no norte da Tailândia, mas há novos obstáculos ao sucesso da operação: começou a chover torrencialmente na província de Chiang Rai e não há previsão de uma trégua meteorológica, o que pode colocar em causa os avanços feitos para esvaziar as cavernas e bombear a água para a superfície. Essa é uma preocupação que chega a par de outra ainda maior: a saúde dos quatro rapazes que já foram retirados das grutas durante esta manhã e início de tarde. Em termos físicos, para além do estado de desnutrição em que as crianças estão, as infeções são uma das maiores preocupações dos médicos. Entre as doenças que as crianças podem ter contraído estão a histoplasmose (um fungo que entra no corpo através das vias respiratórias e se aloja nos pulmões), raiva (um vírus transmitido pela saliva de outros animais), leptospirose (infeção causada por uma bactéria que pode causar meningites ou insuficiência real) e febre recidivante, transmitida por carrapatos (também causada por uma bactéria).

Psicologicamente, a saúde das crianças também pode estar muito afetada: ao fim de muito tempo sem acesso a luz solar, as pessoas podem ficar confusas e até ter alucinações. Além disso, como diz ao Observador a psicóloga de adolescentes Bárbara Ramos Dias, a falta de comida pode deixar problemas importantes para o futuro destas crianças: “Elas podem passar a lidar com a comida de uma forma menos saudável e a ter comportamentos menos adequados em relação a ela. Podem passar a viver com medo que ela comece a escassear, como acontecia dentro da gruta. Se não forem psicologicamente trabalhadas, podem desenvolver depressões, ataques de pânico, problemas de irritabilidade, alterações do sono ou a demonstrar situações de hipervigilância”, enumera a psicóloga. O contacto com as famílias pode ajudar, mas apenas se elas transmitirem mensagens de conforto e apoio: “Falar com a família é positivo, desde que a própria família também tenha preparação psicológica. Não podem em circunstância alguma chorar ou demonstrar medo. Devem transmitir mensagens positivas e usar expressões como ‘estamos a preparar tudo para vos receber’, ‘estamos aqui sempre para vocês’ e ‘vai correr tudo bem’. Qualquer ideia que transmita segurança, proteção e carinho”.

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Isto significa que a “corrida contra o relógio” que os membros da equipa de resgate prossegue a passo cada vez mais acelerado, disse Narongsak Osatanakorn, governador da província de Chiang Rai e chefe das operações. Em primeiro lugar, porque os níveis de precipitação previstos para os próximos dias são tão grandes que podem não só inundar a caverna onde os rapazes estavam presos e limitar o espaço habitável a dez metros quadrados, como também voltar a encher com água da chuva as câmaras esvaziadas pelas máquinas que os técnicos têm usado para a tirar do interior da gruta. E em segundo lugar, porque a qualidade do ar na caverna na zona onde está a equipa de futebol começou a deteriorar-se rapidamente: os níveis de oxigénio no interior da gruta diminuíram para os 15%, um valor muito abaixo dos 21% necessários para que o cérebro se mantenha saudável.

Apesar das novas preocupações que agora começam a brotar, o balanço da operação foi melhor do que se esperava. Pouco depois de o governador da província ter dito que “por causa da complexidade da caverna e da dificuldade da operação” não se sabia quanto tempo levaria para que a equipa pudesse trazer o primeiro grupo de meninos”, a verdade é que o primeiro grupo de crianças resgatadas chegou quatro horas mais cedo do que era expectável. Fontes próximas às operações de resgate dizem que isso aconteceu porque o nível das águas estava abaixo do que era esperado, o que permitiu fazer grande parte do percurso a pé.

Voluntários da equipa de resgate junto à gruta de Tham Luang alegram-se ao saber que os primeiros dois rapazes tinham sido recuperados com sucesso. Créditos: Linh Pham/Getty Images

As onze horas de missão, passo a passo

Eram dez da manhã na província tailandesa de Chiang Rai, menos seis horas em Portugal Continental, quando o chefe de operações montadas no norte do país anunciou que este domingo seria “o dia D”: dezoito mergulhadores, cinco dos quais soldados da Marinha da Tailândia, entraram na gruta Tham Luang para resgatar as doze crianças e o adulto de 25 anos que ficaram presos numa caverna a quatro quilómetros da entrada desde há quinze dias. Desde as 21 horas da noite anterior (três da tarde em Lisboa) que a região onde estão concentrados os membros da equipa de resgate começou a ser evacuada porque “as operações iam começar”. Ao fim de onze horas, quatro rapazes foram recuperados com sucesso da caverna semi-submersa onde estavam há duas semanas, colocando um ponto final à primeira fase do resgate, que regressa ao ativo ja partir desta madrugada.

Se a preparação do arranque das operações de resgate começou às nove da noite locais, três da tarde em Portugal Continental, à uma da manhã os jornalistas junto à gruta foram obrigados a sair do local pelas autoridades, algo que começou a suscitar dúvidas: “No começo da manhã, os jornalistas que chegavam às cavernas eram mandados embora, embora aqueles que acamparam por lá durante a noite tenham sido informados de que tinham permissão para ficar. Não muito tempo depois, até mesmo os jornalistas que já estavam no local da caverna foram instruídos a sair”, contava o jornal britânico Guardian.

O pavilhão onde as famílias das crianças costumam dormir também foi esvaziado e pelo menos dez ambulâncias estacionaram num descampado perto da entrada da gruta. A seguir, as autoridades tailandesas levantaram a ponta do véu: Mae Sai, comandante da polícia, usou um altifalante para dizer que o local precisava de ser evacuado “para operações de resgate”. Entretanto, os médicos do Exército começaram a chegar acompanhados pelos mergulhadores, pondo assim fim aos rumores de que a evacuação só estava a acontecer porque havia cada vez mais membros da comunicação social de todo o mundo a chegar à gruta.

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Em conferência de imprensa feita no sábado, Narongsak Osatanakorn admitiu estar numa guerra contra o relógio: “Os próximos três ou quatro dias a partir de agora são o tempo mais favorável para a operação e a missão de resgate, usando um dos planos de ação. Se esperarmos demasiado tempo, não sabemos quanta chuva virá. A situação perfeita seria sem água, zero, mas isso é impossível porque só acontece em dezembro ou em janeiro. Excluímos essa hipótese. A segunda melhor é o nível de água ser suficientemente baixo para os tirarmos de lá”. Foi exatamente isso que aconteceu logo nas horas seguintes à conversa do governador tailandês com os jornalistas: as bombas conseguiram retirar água suficiente para diminuírem em trinta centímetros a altura dos lagos dentro da gruta. A juntar a essa conquista veio o facto de ter chovido muito menos do que tinha sido previsto pelo instituto de meteorologia tailandês. Com as estrelas alinhadas, a equipa de resgate decidiu avançar para dentro da gruta. Praticamente onze horas depois, saíram de lá com quatro crianças salvas.

A decisão de avançar para uma missão de resgate terá sido tomada depois de um médico australiano, que visitou os rapazes na caverna, ter dito que os membros da equipa de futebol estavam prontos para a operação: “A saúde e a mente deles estão prontas e todos têm conhecimento da missão”, explicou um porta-voz aos jornalistas. Apesar de fontes próximas das equipas de resgate terem dito aos jornalistas que os primeiros rapazes a saírem tinham sido os que estavam mais frágeis e que, por isso, precisavam de cuidados mais urgentes, o chefe das operações esclareceu que foram os rapazes mais fortes os primeiros a serem trazidos para a superfície. Narongsak Osatanakorn não quis esclarecer o motivo por detrás desta decisão e não quis desvendar as identificações dos rapazes que já tinham sido resgatados.

Uma ambulância prepara-se para receber um dos rapazes resgatados da gruta e levá-lo até ao hospital. Créditos: LILLIAN SUWANRUMPHA/AFP/Getty Images

Para conseguirem retirar as crianças da gruta Tham Luang, os mergulhadores envolvidos no resgate — são treze internacionais e cinco tailandeses, embora houvesse outros 30 voluntários no local —  tiveram de andar, rastejar e mergulhar com recurso a uma corda que foi instalada por socorristas ao longo dos quatro quilómetros que separam a caverna onde a equipa de futebol está e a entrada principal da gruta. Nos primeiros 1,7 quilómetros do percurso a caminho da superfície, que corresponde à distância entre a caverna onde o grupo está e a câmara que tem servido de base aos mergulhadores, os rapazes tiveram de colocar em prática as técnicas de mergulho que treinaram em situação real nos últimos seis dias. A tarefa ficou ainda mais complicada porque a parte inicial do percurso de cerca de três quilómetros inclui passagens estreitas com menos de um metro de altura que obrigaram os rapazes a largarem as botijas de oxigénio que levavam às costas e a gatinharem pelos corredores de calcário. Uma vez chegados à terceira câmara, os rapazes e os mergulhadores tiveram de caminhar ao longo de mais 1,5 quilómetros para chegar à superfície.

De acordo com Narongsak Osatanakorn, os rapazes foram equipadas com máscaras faciais e garrafas de ar comprimido e divididos em quatro grupos, um dos quais composto com quatro pessoas e os restantes compostos por três cada um. Para cumprirem o plano de trazer os rapazes “gradualmente” à superfície, cada um foi acompanhado por dois mergulhadores: um deles seguiu atrás da criança, enquanto o outro seguiu à frente dela com uma corda a ligar os dois pela cintura. A corda não serve apenas para ajudar no sentido de coordenação das crianças: foi usada principalmente para guiar as crianças pelo canal sempre que se deparassem com uma passagem mais estreita.

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O primeiro rapaz a ser resgatado pela equipa chegou à superfície às 17h40 de Chiang Rai, eram 11h40 em Portugal Continental, e o segundo dez minutos mais tarde. Mais dois foram resgatados cerca de duas horas depois, eram 19h45 na Tailândia e 13h45 em Portugal. Todos foram avaliados por uma equipa de médicos australianos no local: de acordo com o plano, se algum dos elementos se encontrasse em estado crítico seria levado de helicóptero até ao aeródromo mais próximo e depois viajaria até à base aérea da Divisão de Asa 416, na cidade de Chiang Rai. De lá, as ambulâncias iriam transportá-los para o mesmo hospital. Quem estivesse saudável, seguiria também para o hospital, mas podia ir numa das 13 ambulâncias de prevenção no local.

Este plano foi cumprido: assim que chegaram à superfície, cada um dos rapazes foi transportado para o hospital de Chiang Rai, onde as famílias esperavam por eles. Uma das crianças foi levada de helicóptero porque necessitava de cuidados médicos mais urgentes enquanto os outros viajaram de ambulância ao longo de 60 quilómetros, o que corresponde a um percurso de uma hora. As quatro crianças que foram resgatadas ao longo do dia foram deixadas em quarentena numa ala isolada e não poderão ver a família nas próximas 24 horas porque podem ter contraído infeções no interior da gruta.

Ambulâncias começam a chegar ao hospital de Chiang Rai. Créditos: Lauren DeCicca/Getty Images

Ao fim de onze horas e com quatro rapazes retirados da gruta com sucesso, a primeira fase da missão foi dada por completa e as operações de resgate foram suspensas: o governador da província de Chiang Rai explicou que os mergulhadores estão “exaustos” e que é preciso reunir uma nova equipa de voluntários para voltarem à gruta e reabastecerem as botijas de oxigénio espalhadas pelos caminho entre a caverna onde o grupo está e a entrada principal da gruta.  A segunda fase da missão deve começar a partir da uma da manhã desta segunda-feira, mas Narongsak Osatanakorn não exclui a hipótese de aumentar esse intervalo para descanso dos técnicos. Ainda há oito crianças e um adulto de 25 anos no interior da gruta para resgatar.