O antigo secretário de Estado do Ambiente Carlos Pimenta defendeu esta sexta-feira no parlamento que nas eólicas não há rendas excessivas. “Houve concursos e quando há concursos não há rendas por definição”. Em Portugal, sublinhou, houve ganhos para o Estado (contribuições para um fundo de inovação), para as autarquias e criou-se uma indústria nova a que chamou de “Autoeuropa do vento”, com tarifas mais baixas do que as atribuídas a outros países. “Onde estão as rendas excessivas?”

O ex-político do PSD, que também está envolvido como empresário e gestor em vários projetos eólicos em Portugal, foi ouvido esta sexta-na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da energia, como especialista. Quando questionado por Emídio Guerreiro do PSD sobre os efeitos nos custos da grande convergência no tempo de políticas de apoio aos produtores de energia financiadas pelos preços da eletricidade, Carlos Pimenta acredita “que hoje teria sido possível fazer melhor.

Na altura — em 2006 e 2007 — estava tudo a acontecer ao mesmo tempo, a aprovação final do regime dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual das centrais da EDP) e o concurso para a atribuição de potência eólica. Mas penso que o balanço é positivo.

Apesar de admitir que teria sido possível fazer melhor, o antigo governante comentou que “toda a gente acerta no Totobola à segunda-feira, mas não tem prémio. Quando julgamos uma política temos de nos pôr no contexto histórico do decisor. Que informação tinha e qual era o quadro legal”.

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Em resposta ao deputado socialista Luís Testa, Carlos Pimenta defendeu que Portugal até fez melhor do que Espanha cuja indústria eólica está cá instalada e desafiou os deputados da comissão às rendas a passarem um dia com ele para fazerem todas as perguntas no terreno.

Desde a sua intervenção inicial, Carlos Pimenta fez questões de defender a energia eólica dos ataques dos que apontam o sobrecusto pago a estes produtores como a renda mais pesada nos preço final da eletricidade.

Considerando que a conta aos custos das eólicas deve incluir o impacto ambiental das alternativas de produção de energia fóssil, Pimenta diz que uma central a carvão como Sines apenas transforma em energia um terço do combustível que queima. O resto fica na central e “serve para aquecer a água para os surfistas (praia de S. Torpes)”. Para o ex-governante, os governos portugueses souberam capturar as melhorias tecnológicas porque as tarifas protegidas dos contratos iniciais das eólicas são decrescentes e as atribuídas no concurso de 2006 estão abaixo das tarifas francesas e alemãs.

Destaca ainda a criação de uma indústria nova com 4000 postos de emprego e exportações, a redução de emissões de CO2 e de importações de combustíveis. E se não tivéssemos feito a eólica? As alternativas eram o gás natural ou o nuclear. O gás natural, apesar de mais eficiente do que o carvão, também produz emissões e está dependente da importação de gás, sendo ainda vulnerável à oscilação de preços. Carlos Pimenta diz que aos preços atuais de uma central de ciclo combinado, 70 a 75 euros por megawatt/hora, grande parte das eólicas já são competitivas com o gás natural.

Nuclear “tem sido uma desgraça” e é um enorme risco financeiro

E o nuclear? “Não é opção para Portugal, tem sido uma desgraça. Se há alguma coisa que fiz do qual me orgulho foi ter estado envolvido na decisão de não fazer o nuclear”. Apesar de considerar que é uma discussão legítima, Carlos Pimenta aponta sobretudo para o risco financeiro do investimento num central nuclear para um país como Portugal. E lembra a história do reator de nova geração encomendado pela Finlândia por 3.500 milhões de euros e que deveria estar pronto em 2009.

Estamos em 2018 e esta central não está a funcionar. A Siemens saiu do consórcio e abandonou o nuclear e os franceses continuaram e a conta já vai em 11 mil milhões de euros. O Estado francês obrigou a EDF a construir uma nova central e o custo já vai em 12 mil milhões. Imagine o risco financeiro. É pôr os ovos todos no mesmo cesto. E se a central parar?

Carlos Pimenta lembrou ainda que o problema dos resíduos que não está resolvido e recordou uma convenção europeia que limita o pagamento de danos em caso de acidente nuclear.

“Se houver um acidente em Espanha, a indemnização máxima que o operador paga são 700 milhões e o Estado paga 800 milhões de euros. Os prejuízos de Fukoshima já são superiores a nove mil milhões. Nuclear é uma opção zero para Portugal”.

Carlos Pimenta foi ainda confrontado com expressões ouvidas na comissão de inquérito de personalidades que no passado apoiaram a opção nuclear e que criticaram os apoios às renováveis, como o “monstro elétrico” — denunciado por Mira Amaral — e o “cocktail explosivo” de Pedro Clemente Nunes. “Só lhe digo que ainda bem que o cocktail não é radioativo (referência ao nuclear)”.

“Na minha vida nunca me senti tão mal”. Clemente Nunes aponta dedo a Sócrates no caso das rendas da EDP

A cinco anos, Portugal vai ter preços competitivos

Ainda sobre o problema económico das eólicas e o peso que têm nas tarifas, nomeadamente das famílias, Carlos Pimenta sublinha que os parques adjudicados em 2006 (quando Manuel Pinho era ministro) já têm tarifas mais baixas do que as centrais a ciclo combinado (gás natural). E as tarifas mais caras, atribuídas em 2002, vão acabar dentro de dois anos. Assinala também que na próxima década, as máquinas vão ser recicladas para equipamentos com pás maiores que vão permitir produzir mais em regime de mercado.

“O recurso vento vai ser muito mais aproveitada sem sequer aumentar a potência. A opção foi boa”. E deixa a nota. “No médio prazo, a cinco anos, os frutos que semeamos vão ser colhidos e Portugal vai ter preços competitivos ao nível da Europa”.

Segundo o ex-governante, os parques eólicos até ganham na comparação com os CAE (contratos de aquisição de energia) e os CMEC das centrais convencionais. Quando não produzem não ganham, ao contrário das centrais que estão protegidas de todos os riscos de mercado. E alertou para o impacto negativo da instabilidade na política de apoio às renováveis sobretudo sobre os pequenos produtores que, diz, estão a vender ao desbarato aos fundos internacionais.

“As pessoas não fazem ideia do efeito que teve em novembro de 2017 a proposta (do Bloco de Esquerda) de criação de uma contribuição de 250 milhões sobre as renováveis”.

Se não paga o consumidor de eletricidade, paga o contribuinte

Carlos Pimenta admitiu ainda o cenário de rever quem deve suportar os apoios às renováveis que atualmente são totalmente suportados pelos consumidores domésticos, mas avisa que passar o custo para as empresas terá impacto na competitividade da economia. Sobre os custos de interesse económico geral, que representam 40% da fatura paga pelas famílias, o ex-governante reconheceu que “se calhar quem devia pagar era o contribuinte e não o consumidor, mas quem paga é o mesmo ainda que a chave de repartição dos custos seja diferente”.

Lembrando ainda o IVA mais caro pago em Portugal na eletricidade, Carlos Pimenta questionou também a cobrança da contribuição audiovisual na fatura elétrica, na linha da argumentação também usada pelo ex-ministro Manuel Pinho.

“Sou defensor da televisão e rádio pública, mas não era mais lógico ir buscar os 200 milhões de euros por ano aos clientes da TV Cabo?”

Numa primeira ronda excecionalmente longa, o gestor foi ainda confrontado pelo deputado do Bloco de Esquerda, Jorge Costa, com o futuro dos apoios a dar à energia eólica com o fim dos contratos de tarifas feed-in (garantidas). Carlos Pimenta recusou a possibilidade de o Estado recuar na intenção de atribuir certificados verdes à produção renovável como bónus face ao preço de mercado em relação às energias fósseis, realçando que sem essa política não será possível cumprir os acordos de Paris para combater o aquecimento global. Se isso acontecer, diz que não serão só os produtores a pôr o Estado em tribunal, mas todos os defensores do ambiente.

Questionado sobre o impacto para os consumidores destes apoios, Pimenta insistiu que os custos ambientais devem ser incorporados no preço de cada forma de energia e que as renováveis devem ser premiadas por não produzirem emissões.

Carlos Pimenta foi secretário de Estado do Ambiente em dois governos, primeiro, entre 1983 e 1984, no conhecido governo de bloco central, liderado por Mário Soares, e, depois, entre 1985 e 1987, no X Governo Constitucional chefiado por Cavaco Silva. Carlos Pimenta lidera o fundo de capital de risco NovEnergia, dono de vários projetos de renováveis.