Morreu o empresário Pedro Queiroz Pereira, presidente do conselho de administração da Semapa e da Navigator, e dono de uma das maiores fortunas de Portugal. A notícia foi avançada este domingo pelo Expresso e confirmada ao Observador por uma fonte da papeleira. Pedro Queiroz Pereira tinha 69 anos e morreu a bordo do seu iate, em Ibiza, na sequência de uma queda de dois metros — segundo o Periódico de Ibiza — e subsequente ataque cardíaco. Polícia espanhola abriu uma investigação, ainda que tudo aponte para que tenha sido um acidente, escreve o Diário de Ibiza.

A revista Forbes Portugal divulgou em julho a lista das dez maiores fortunas de Portugal, na qual o dono do Grupo Semapa (proprietário da cimenteira Secil e do The Navigator Group) aparecia na quinta posição, com uma fortuna estimada em 1.129 milhões de euros. No ranking da Exame, Queiroz Pereira estava em sétimo lugar com um património avaliado em mais de 700 milhões de euros.

Nascido numa das famílias mais ricas do Estado Novo, filho do empresário a quem Salazar entregou a construção do primeiro hotel de luxo de Lisboa – o Ritz – Pedro Queiroz Pereira ganhou o gosto pela competição automóvel, que iniciou em Angola e ganhou mais força no Brasil, para onde a família foi viver a seguir ao 25 de Abril, na sequência das nacionalizações do PREC.

Viveu no Brasil entre 1975 e 1987, correndo em vários desportos automóveis, incluindo na Fórmula 2, chegando a travar amizade e a competir com um homem que viria a ser uma das maiores lendas da Fórmula 1, o piloto brasileiro Ayrton Senna. Foi precisamente nos tempos de piloto (primeiro em Angola e depois no Brasil) que passou a ser conhecido por PêQuêPê.

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PêQuêPê correu nos Ralis, incluindo no Rali de Portugal, e na velocidade, chegando à Fórmula 2. Tornou-se amigo de Ayrton Senna, que viria a ser tricampeão do Mundo de Fórmula 1 (1988, 1990 e 1991)

Quando o pai, Manuel Queiroz Pereira, morreu, PQP voltou a Portugal para dirigir algumas das empresas herdadas. Em 1995, compra ao Estado em privatização o controlo da Secil e a CMP (Cimentos Maceira e Pataias, através da Semapa. A empresa tinha sido parcialmente nacionalizada em 1975. Queiroz Pereira ainda vendeu 49% aos irlandeses da CRH, mas acabou por comprar esta participação depois de vários conflitos que acabaram em tribunal arbitral.

E essa é uma marca que Queiroz Pereira deixa também. O empresário nunca aceitou uma derrota ou um diferendo de ânimo leve e não tinha medo de comprar guerras, mesmo com os mais poderosos, como se viu no caso de Ricardo Salgado. Recorreu várias vezes ao tribunal para fazer a valer os seus interesses e chegou a processar o Estado quando a Portucel foi chamada pelo Fisco a pagar impostos do tempo em que era uma empresa controlada pelo Estado.

Apesar de o nome de família ter ficado ligado ao primeiro hotel de luxo em Portugal, o Ritz, Pedro Queiroz Pereira é sobretudo visto como um industrial. Foi através da cimenteira Secil que tentou dar um passo maior que a perna quando, em 2000, lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) hostil sobre a muito maior Cimpor.

Na altura a operação custaria mais de 2,5 mil milhões de euros e PQP teve de se aliar ao grupo suíço Holcim para comprar e dividir a empresa. A Semapa ficaria com a parte internacional da Cimpor. “Temos muita pena de dividir a Cimpor, mas se não me antecipasse haveria uma OPA de uma empresa estrangeira”, disse na altura o empresário.

A guerra pela Cimpor

A divisão dos ativos da Cimpor pelos dois oferentes serviu de argumento ao Governo de António Guterres para recusar vender a participação que ainda era do Estado. A oposição do poder político foi assumida pelo então ministro das Finanças, Pina Moura, que acabou por entregar as rédeas da Cimpor à Teixeira Duarte, então apoiada pelo BCP. Mas Queiroz Pereira vendeu cara a derrota e manteve várias guerras jurídicas. Foi para tribunal tentar provar que a Teixeira Duarte e o BCP votavam concertados na cimenteira, o que somando as participações que os dois grupos detinham, obrigaria a lançar uma oferta pública de aquisição.

Joaquim Pina Moura foi ministro da Economia e das Finanças (na maior parte do tempo acumulando as duas pastas) nos dois governos PS de António Guterres.

Perdeu, mas o tempo veio a dar razão à sua visão para a Cimpor. A fragilidade financeira dos acionistas nacionais acabou por atirar a empresa para os braços de dois grupos brasileiros que aproveitaram a crise para comprar a Cimpor e dividir os ativos entre si, reduzindo a única multinacional portuguesa a uma sombra do que tinha sido. Já em 2014, quando foi chamado a falar sobre o BES, Queiroz Pereira lembrou o caso para ilustrar a pouca influência política que tinha como empresário.

“Podia ter hoje uma parte da Cimpor e não tenho, o que mostra que a minha influência política é nula”,

Foi-se a Cimpor, mas Queiroz Pereira ainda iria fazer o maior negócio da sua carreira quando em 2004 concorre à privatização da Portucel. A empresa tinha então como principal acionista privado o grupo Sonae. Mas Belmiro de Azevedo não queria ter de lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a empresa de pasta, caso comprasse o capital que ainda estava nas mãos do Estado, e acabou por vender as ações que tinha a Pedro Queiroz Pereira.

A conquista da Portucel

A Semapa concorre contra a Altri de Paulo Fernandes, que já era dono de empresas de celulose, mas ganha ao oferecer o preço mais alto e lança a OPA, tendo gasto mais de 600 milhões de euros para obter o controlo da Portucel. Mas valeu a pena, a empresa atualmente chamada Navigator cresce com o investimento de mais de 500 milhões de euros numa nova fábrica em Setúbal, já prevista na privatização, e com a internacionalização.

Consolida a sua posição como uma das maiores exportadoras portuguesas, numa altura em que o mercado doméstico está em recessão. E neste momento de crise profunda, o negócio da pasta ajuda a Semapa a aguentar o embate da queda no setor da construção e faz de Pedro Queiroz Pereira um dos poucos empresários portugueses que resistiu aos anos da troika.

Pedro Queiroz Pereira. Ülrich lembra o empresário mais bem sucedido da sua geração

O seu nome é de tal forma incontornável que surge na imprensa ligado a vários cenários de negócios e interesses empresariais que não são concretizados. Desde uma possível compra da Galp, ainda antes de Américo Amorim, passando pela tentativa de lançar uma oferta para salvar a Cimpor do raide brasileiro em 2012, mas que tinha de ser financiada pela Caixa Geral de Depósitos. Mais recentemente, a Semapa surgiu associada a fundos internacionais que ponderavam uma oferta sobre a Portugal Telecom, uma aquisição que acabou por ser feita pela Altice.

A guerra das guerras com Ricardo Salgado

Em 2013, vem a público aquilo que parecia ser a guerra das guerras entre dois dos maiores empresários portugueses. Antigos aliados, Queiroz Pereira e Ricardo Salgado zangam-se quando o empresário desconfia que o líder do BES/GES quer entrar no seu grupo e roubar-lhe o controlo. E não perdoa a aliança de Salgado com a sua irmã Maud de quem chegou a dizer, na comissão parlamentar de inquérito ao BES, que teria sido seduzida pelo banqueiro para ficar ao lado do GES.

Pouco dado a aparições públicas ou intervenções nos media, Queiroz Pereira era frontal quando tinha alguma coisa a dizer na defesa dos seus interesses empresariais, como explicou na audição da comissão de inquérito ao BES.

Quando questionado na comissão de inquérito sobre quais as intenções por trás do apoio de Salgado à sua irmã, Queiroz Pereira foi cáustico.

“As irmãs de Salgado ficam em casa à noite a fazer bolos para vender e ele nunca se preocupou em defendê-las”.

Na luta contra Ricardo Salgado, que acusou de querer fazer do seu grupo um financiador do Grupo Espírito Santo como foi a Portugal Telecom, Queiroz Pereira é um dos primeiros e descobrir os “podres” do Grupo Espírito Santo que aliás conhecia bem por via das participações acionistas cruzadas que existiram entre as duas sociedades. O empresário entregou em outubro de 2013 um dossiê explosivo ao Banco de Portugal com informação sobre as dificuldades financeiras das sociedades do grupo GES que era o maior acionista do Banco Espírito Santo.

“Não achava graça que uma empresa nesta situação quisesse usar a minha como terá feito com a PT e fui ao Banco de Portugal”.

O próprio Queiroz Pereira admitiu que a posição de força que tomou face ao então todo poderoso presidente do BES, empurrou Salgado para um acordo que pôs fim ao conflito acionista na Semapa no final de 2013, que teve a mediação de Fernando Ulrich. A “paz” relativa passa pela venda das ações de Maud Queiroz Pereira a outra irmã (Margarida), e da alienação da participação do GES nas holdings de controlo da Semapa a Pedro Queiroz Pereira.

A guerra épica de Pedro Queiroz Pereira com o BES. Como o industrial ajudou a denunciar Ricardo Salgado

O episódio marcou o fim de uma relação entre as duas famílias (Queiroz Pereira e Espírito Santo) que já durava há quase 80 anos, mas que nem sempre foi pacífica. PQP, em conjunto com José Maria Ricciardi e Fernando Ulrich, será um dos protagonistas da queda do BES ao entregar ao Banco de Portugal um dossier cheio de provas do desastre financeiro da gestão de Ricardo Salgado no GES.

Sobre o banqueiro, ficou famosa a tirada de Queiroz Pereira na comissão de inquérito ao BES, quando descreveu a resposta de Salgado sobre a titularidade das offshores que estavam a comprar ações da Semapa, à revelia do maior acionista.

 “Dr. Ricardo Salgado tem um problema: não lida maravilhosamente com a verdade. As offshores eram ele.”

PQP. Ricardo Salgado não lida maravilhosamente com a verdade

A guerra pelo eucalipto

Anos mais tarde, em 2016, Pedro Queiroz Pereira voltou a fazer estremecer o tecido empresarial do país, ao ameaçar cancelar os seus investimentos em Portugal, na sequência de uma decisão do Governo de António Costa, que decidira travar a expansão da área de eucalipto no país.

“Temos de pensar duas vezes e enchermo-nos de coragem” antes de investir em Portugal, disse na altura Pedro Queiroz Pereira, numa das suas últimas entrevistas, ao Expresso, em fevereiro de 2016.

Na página da Navigator ainda está online uma mensagem que Pedro Queiroz Pereira, como PCA da papeleira, deixou aos acionistas, a propósito do exercício de 2017. Nesta mensagem, PQP recorda precisamente “as barreiras e os obstáculos à plantação e replantação de eucalipto” – uma referência à decisão do governo Costa.

“Entre os fornecedores têm lugar de relevo muitas dezenas de milhar de produtores florestais e de prestadores de serviços ligados à exploração florestal e ao transporte de madeira. Com estes produtores, e com muitas das suas associações, existe uma intensa história de colaboração, orientada para a superação de alguns dos problemas mais sérios que afetam a floresta nacional: práticas de silvicultura deficientes, doenças fitossanitárias, plantas pouco adequadas às condições edafo­climáticas, incêndios, falta de certificação”, indica o empresário.

Esta colaboração, realizada de forma direta e em cooperação com outras entidades, tem permitido que a fileira florestal do eucalipto tenha em Portugal uma vitalidade que outros setores ganhariam em replicar, introduzindo uma dinâmica concorrencial que fomentaria a modernização de todo o setor florestal. É o que eu esperaria que se verificasse, e o que seria vantajoso que acontecesse. Em vez de medidas positivas, porém, anunciam­-se barreiras e obstáculos à plantação e replantação de eucalipto, que é discriminado em relação a outras fileiras florestais, sem qualquer justificação económica ou ambiental”.

Assim, conclui PQP na sua mensagem, “perdem as empresas” do setor, que veem agravada a sua competitividade externa, “e perde o País, sob a forma de escoamento de divisas e de destruição de postos de trabalho”.

Devo reconhecer que esta perspetiva me provoca algum desencanto, por me obrigar a concluir que, em vez de se melhorar os nossos fatores endógenos de competitividade, se torna cada vez mais difícil a vida das empresas produtivas e mais arriscados os investimentos. Quando, um pouco por todo o lado, renascem, sob formas mais ou menos encapotadas, barreiras protecionistas, bem se dispensava este levantar artificial de obstáculos internos. Decididamente, não parece ser este o caminho para evitar a desindustrialização”, conclui.

Recentemente, a Navigator é abalada na bolsa por causa das taxas anti-dumping norte-americanas impostas à importação de pasta. A empresa, que é liderada por Diogo Silveira desde 2014, vai contestar nos tribunais dos Estados Unidos, mas alertou para um rombo nos lucros que pode chegar aos 45 milhões de euros. As ações caíram e o património da família Queiroz Pereira ficou, para já, menor.

Navigator em guerra com o Departamento de Comércio dos EUA contra taxa anti-dumping

Em maio deste ano, a Semapa alargou o conselho de administração para o próximo quadriénio de 11 para 14 elementos, dos quais três são filhas de Queiroz Pereira. Já no ano passado, PQP tinha prevenido um eventual  desmembramento do seu “império”, criando um fundo privado gerido pelas suas três filhas para controlar o património. O empresário ainda era o presidente do conselho de administração da Semapa, mas a presidência executiva já estava nas mãos de João Castello Branco.