O PSD reúne o Conselho Nacional (órgão máximo do partido entre congressos) no próximo dia 12 de setembro, mas entre os críticos de Rui Rio há quem esteja a “estranhar” a ordem de trabalhos inscrita na convocatória. No email enviado aos conselheiros nacionais no passado dia 25 de julho, e assinado pelo presidente da mesa, Paulo Mota Pinto, lê-se que a ordem de trabalhos do próximo Conselho Nacional tem três pontos: “aprovar o regulamento eleitoral do PSD”, “discussão e votação das propostas de alteração estatutária”, e “apresentação e debate do documento estratégico para a política de saúde”. O que é que falta? Um ponto para a famosa “análise da situação política”, que é o ponto habitual e “tradicional” de todas as agendas do Conselho Nacional.
Ao Observador, vários conselheiros — não alinhados ou críticos de Rio — manifestaram estranheza por essa omissão. Luís Rodrigues, que foi eleito para aquele órgão numa lista concorrente à de Rui Rio, admite que possa ter sido “um lapso”. “Se não foi um lapso, está mal e tem de ser mudado. Todos os conselhos nacionais ordinários têm de ter obrigatoriamente como ponto ‘informações’ e ‘análise da situação política'”, diz ao Observador, sublinhando que a condução dos trabalhos está sempre dependente da mesa. Uma coisa é certa, Luís Rodrigues não vai abdicar do poder da palavra para discutir a situação política do partido. “Eu vou falar da análise da situação política, independentemente do que está lá escrito”, garante.
Também o deputado Sérgio Azevedo, eleito noutra lista, afirmou ser “estranho“, “ainda por cima porque é um Conselho Nacional ordinário, daqueles obrigatórios de dois em dois meses”. Um outro conselheiro ouvido pelo Observador ainda sublinha o facto de estarmos a “um ano de eleições”, pelo que os conselhos nacionais devem ser o espaço privilegiado para o partido discutir a situação política. Outros conselheiros, contudo, desvalorizaram o pormenor, admitindo que o ponto 3, sobre a política de saúde, possa ser o espaço reservado para o efeito.
Direção de Rio desvaloriza e garante liberdade
A direção do PSD desvaloriza o sucedido. Paulo Mota Pinto, presidente da mesa do congresso, que preside ao Conselho Nacional, não respondeu ao Observador, mas José Silvano, secretário-geral do partido, garantiu que não é por não haver um ponto na ordem de trabalhos dedicado à “análise da situação política” que os conselheiros vão ser impedidos de “falar sobre o que quiserem”. “Normalmente põe-se um ponto dedicado à análise da situação política quando não há nada de específico para falar”, diz, sublinhando que há três temas específicos: a aprovação do regulamento eleitoral, a discussão e votação das propostas de alteração dos estatutos, e a apresentação e debate do documento estratégico para a política de saúde.
É precisamente neste terceiro ponto que, diz José Silvano, cabem todas as questões que os conselheiros queiram levar para o centro da mesa. “O presidente há de explicar o documento da política de saúde e depois fala-se do que se quiser”, afirma, garantindo que “o Conselho Nacional é livre de falar o que quiser”.
O documento da política de saúde é, em si mesmo, um tema polémico dentro do PSD. Elaborado no âmbito do Conselho Estratégico Nacional, cujo coordenador responsável pela área da saúde é o ex-ministro do PSD Luís Filipe Pereira, o documento foi visto com maus olhos por alguns dirigentes sociais-democratas por alegadamente, numa das suas versões, prever a possibilidade de o utente escolher entre ser tratado no setor público ou no privado, o que foi visto como um passos para a privatização da saúde. De acordo com o jornal Público, essa perspetiva de reforma da política da saúde levou até a ameaças de demissão por parte de dois membros da comissão política nacional numa reunião a 18 de julho.
Ou seja, só a discussão sobre o tema da saúde pode dar pano para mangas em termos de “análise da situação política”. Fernando Ruas, que presidiu aquele organismo durante os mandatos de Pedro Passos Coelho, entre 2010 e 2018, afirma ao Observador que, pessoalmente, “preferia deixar explícito esse ponto na ordem dos trabalhos”, acreditando contudo que não é por não estar previsto que a mesa irá inviabilizar a discussão. “É sempre possível fazer análise à situação política no Conselho Nacional”, diz, resumindo que tudo depende da recetividade da mesa, presidida neste caso por Paulo Mota Pinto.
“Análise da situação política” tem sido habitual nos últimos 8 anos
A verdade é que as últimas convocatórias, tanto do tempo de Passos Coelho como de Rui Rio (que já vai para o seu terceiro Conselho Nacional, sendo que um deles foi extraordinário), têm sempre um ponto na agenda dedicado à “análise da situação política”. Rui Rio foi eleito em congresso em fevereiro e, a 3 de abril, realizava-se o seu primeiro Conselho Nacional, mas por motivos extraordinários: em causa estava a eleição de José Silvano como secretário-geral, devido à demissão de Feliciano Barreiras Duarte. Mesmo sendo de cariz extraordinário, contudo, na ordem de trabalhos constava um ponto dedicado à discussão política. “Ponto 1: Eleição do Secretário-Geral (…); Ponto 2: Análise da situação política”, lia-se na convocatória.
Cerca de um mês depois desse Conselho Nacional extraordinário, teve lugar o primeiro Conselho Nacional ordinário do mandato de Rio. Foi a 30 de maio, em Leiria, e desta vez a ordem de trabalhos era extensa e detalhada. Acontece que, ao contrário do que argumentou José Silvano ao Observador, neste caso até havia vários assuntos específicos a tratar, desde a ratificação de contas da campanha autárquica à aprovação de regulamentos de admissão de militantes, mas mesmo assim a tão famosa “análise da situação política” não deixou de aparecer no último ponto, o ponto 5.
Segundo o regulamento interno do Conselho Nacional, é competência daquele órgão “analisar a situação político-partidária e aprovar o desenvolvimento da estratégia política do partido definida em Congresso Nacional”. Em termos de convocatória, “o Conselho Nacional reúne ordinariamente de dois em dois meses e, extraordinariamente, a requerimento da Comissão Política Nacional, da direção do grupo parlamentar ou de um quinto dos seus membros”.
Mais: sobre a ordem de trabalhos, lê-se expressamente que a ordem fixada “não pode, em caso algum, ser preterida”. Quando muito, “pode o Conselho Nacional deliberar alterar a precedência na apreciação dos pontos incluídos na ordem de trabalhos”. Caso não haja nenhum ponto dedicado à análise política, há no entanto uma possibilidade, prevista no ponto 3: “Em cada reunião ordinária haverá um período de antes da ordem do dia, não superior a sessenta minutos, para discussão e análise de quaisquer assuntos não incluídos na ordem de trabalhos”. Ou seja, pode haver um ponto prévio à ordem do dia em que algum conselheiro invoque um tema não previsto na agenda, mas essa discussão fica limitada à duração de uma hora.
Ao que o Observador apurou é raro haver o chamado “período antes da ordem do dia” nas reuniões do Conselho Nacional.