Partilhava com Donald Trump o seu partido republicano, mas pouco mais. John McCain, que foi senador pelo Estado do Arizona durante mais de 30 anos, morreu este sábado aos 81 anos, vítima de um tumor agressivo no cérebro. Poucos dias antes de morrer, pediu que parassem os tratamentos e preparou-se para o fim. Antes, contudo, deixou uma carta de despedida aos seus “compatriotas” da “mais incrível república do mundo”, que foi divulgada em voz alta esta segunda-feira por um dos seus mais próximos colaboradores, Rick Davis, antigo diretor de campanha.

Entre críticas veladas ao atual presidente norte-americano, Donald Trump, e elogios implícitos ao anterior, Barack Obama, o histórico senador republicano dedicou a maior parte das suas últimas palavras aos seus “compatriotas” norte-americanos, pedindo-lhes que “não desesperem perante as dificuldades dos dias de hoje”, porque “nada é inevitável”. Mais: “os americanos nunca desistem, nunca se rendem, nunca se escondem da história”. Pelo contrário, “fazem história”.

Na carta emotiva, John McCain relembra o “orgulho americano” com o qual viveu e morreu, elogiando os grandes “valores” que fazem dos EUA “uma nação de valores, e não de sangue e solo”. “Tornámo-nos uma bênção para a humanidade quando defendemos e fizemos avançar esses ideais, em casa e pelo mundo. Ajudámos a libertar mais pessoas da tirania e da pobreza do que qualquer outro país no mundo em qualquer era da história”, disse, para logo depois acrescentar que, durante esse processo, os EUA prosperaram e “adquiriram poder” — um poder que ultimamente foi confundido com outra coisa.

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É aqui que entra aquilo que está a ser entendido como uma crítica ao atual presidente Donald Trump, de quem John McCain sempre foi um dos mais audíveis críticos internos. Para McCain, “quando confundimos patriotismo com rivalidades tribais que espalham o ódio, o ressentimento e a violência”, estamos a “enfraquecer a nossa grandeza”. E o mesmo acontece quando “nos protegemos atrás de muros em vez de os fazermos ruir” — também essa é uma forma de enfraquecimento da grandeza americana, diz.

Enfraquecemos a nossa grandeza quando confundimos patriotismo com contendas tribais que espalham o ódio, o ressentimento e a violência por todas as partes do globo. Enfraquecemo-lo quando nos protegemos atrás de muros em vez de os fazermos ruir, e quando duvidamos dos nossos ideais, em vez de lhes confiarmos a grande força motriz que sempre tiveram na mudança no mundo”, lê-se.

Nas suas últimas palavras, o senador de 81 anos apela sobretudo à unidade do povo norte-americano, que “discute” e “compete”, por vezes de forma feia e agressiva em debates televisivos, mas que “sempre teve muito mais em comum do que de diferente”. E, novamente, mais uma referência aos tempos conturbados da era Trump: “Se pelo menos nos lembrássemos disto mais vezes e déssemos uns aos outros o benefício da presunção de que todos amamos este país, então aí conseguiríamos ultrapassar com mais dificuldade estes tempos complicados”. Mais uma coisa é certa, disse: “Sairemos [destes tempos complicados] mais fortes do que antes. Sempre foi assim”.

Já a chegar ao fim, ainda tem tempo para uma referência ao combate que travou em 2008 frente a Barack Obama — e que perdeu. Foi “um privilégio”, diz, porque a noite da derrota foi uma das noites em que mais sentiu a “fé inabalável dos americanos”. “Há dez anos, tive o privilégio de assumir a minha derrota na eleição para presidente dos EUA. Quero terminar esta carta de despedida falando da fé inabalável que senti nos americanos de forma tão poderosa naquela noite. E que ainda sinto hoje”, disse.

Foi aí, pegando na ideia da fé inabalável, que John McCain pediu aos norte-americanos que continuem a fazer história, como sempre fizeram: “não desesperem”, “não se rendam”, “não desistam”, “não se escondam da história”. Porque, termina, “não há nada de inevitável aqui”.

“Adeus, compatriotas. Deus vos abençoe e Deus abençoe a América”.

Segundo esclareceu depois Rick Davis, numa conferência de imprensa em Phoenix, no Arizona, Donald Trump não irá marcar presença no funeral de John McCain, nem na homenagem póstuma que haverá na capital Washington D.C.. O vice-presidente Mike Pence será o representante do governo na cerimónia de homenagem que terá lugar no Capitólio.

Na segunda-feira à tarde, contudo, Donald Trump emitiu um pequeno comunicado onde esclarecia que, apesar das divergências políticas que mantinham, iria mandar colocar a bandeira norte-americana a meia haste até ao dia do funeral do ex-senador.

“Apesar das nossas diferenças em política e sobre políticas, respeito o serviço que o senador John McCain prestou ao nosso país e, em sua honra, assinei uma proclamação para deixar a bandeira dos EUA a meia haste até ao dia do seu funeral”, disse em comunicado.