Paulo Rangel acusa o Governo de impor uma “fake constitution [falsa Constituição]” como desculpa para travar um segundo mandato da atual Procuradora-Geral da República. Durante uma aula esta sexta-feira na Universidade de Verão do PSD, Paulo Rangel alertou que “sem justiça independente, não há democracia” e que “depois do desempenho que Joana Marques Vidal teve ao longo destes anos, discreta, eficaz, sem qualquer conotação política, indo a todos os casos, será incompreensível esta agenda que tem o Governo de não a querer reconduzir“.
O eurodeputado diz ainda que em Portugal chegou-se ao ponto “não do Governo ter fake news [notícias falsas], mas fake constitution“, numa alusão ao facto de vários socialistas e a ministra da Justiça terem defendido a leitura constitucional de que a PGR só pode fazer um mandato. Para Rangel “está clarinho, cristalino, límpido, transparente, que ela pode ser reconduzida” e que, por isso, o Governo “fará o que quiser”, mas terá de assumir que é por vontade própria que afasta uma PGR. O social-democrata considera que “seria um mau sinal” que havendo “uma apreciação pacífica sobre a atuação da PGR”, o Governo introduzisse “um motivo de perturbação institucional.”
Aumenta assim a pressão no PSD — com uma vontade que já foi também manifestada por vários deputados — para que Rui Rio se bata publicamente pela recondução de Joana Marques Vidal. O presidente do PSD avisou que só falará sobre o assunto “a seu tempo” e nas últimas declarações sobre atuação da PGR — ainda num debate das diretas — criticou a atuação do Ministério Público, na qual disse que o balanço não era positivo. Mais tarde reforçou que mantinha as críticas à falta de “eficácia” do Ministério Público.
Em Castelo de Vide, Rangel — cuja intervenção foi quase toda sobre Europa, mas com um parte final sobre política nacional — acusou o Governo de atirar para cima do Ministério Público uma responsabilidade que é do governo, no caso do roubo de armamento de Tancos. O social-democrata criticou a “crispação” com o MP neste caso e questionou: “Agora, o Ministério Público é que tem de andar a guardar os paióis, em vez do ministro da Defesa?”
Paulo Rangel alertou também para o caso da Venezuela. O eurodeputado considera “revoltante” que haja “uma comunidade portuguesa a passar fome”, numa “situação de emergência e necessidade” e o Governo não tenha feito propostas para garantir o regresso, enquanto lançava um programa de redução do IRS para emigrantes que tenham saído entre 2011 e 2015. Uma crítica que estende a Marcelo Rebelo de Sousa, por ter pedido para não se fazer política com este caso, já que Rangel entende que ninguém “se deve calar” para denunciar o que se passa.
O eurodeputado associou ainda as cativações de Mário Centeno ao aumento das mortes nas estradas portuguesas. “Centeno dá tudo com uma mão e tira tudo com a outra. Desde 2016, depois de 20 anos em que tivemos melhorias, o número de mortes nas estradas está agora a aumentar. E se está a aumentar, a prevenção rodoviária está a falhar pela razão que falha a saúde e os comboios“, critica.
“Passos seria um bom candidato a presidente da Comissão Europeia”
Numa aula com o mote “O que se passa com a Europa?”, o também vice-presidente do Parlamento Europeu explicou aos alunos que “se o presidente dos EUA não fosse o Donald Trump” também não existiriam “um conjunto de problemas europeus”. Isto porque, ao contrário da ideia generalizada, antes da chegada do atual presidente a Washington “os EUA continuavam a ter um papel de equilíbrio” na Europa.
A postura de não intervenção dos EUA, segundo Rangel, tem prejudicado o processo do Brexit. Para o eurodeputado, se o presidente dos EUA “fosse Obama ou Hillary, o Brexit não estaria num impasse, estaria muito melhor, porque qualquer um deles teria ligado à primeira-ministra britânica, ao presidente francês e à chanceler alemã e teria dito: ‘Entendam-se'”. Mas o atual presidente dos EUA não quer saber: “Para o senhor Trump, quanto pior, melhor. Quer o caos, porque ele dá-se bem no caos.”
Mas Rangel adverte que “o caso mais perigoso é Itália”, com dois movimentos populistas que representam 60% do eleitorado. Há ainda o problema dos partidos tradicionais irem atrás das ideias dos populistas “para não perderem votos”. O problema, diz, é que “a cópia é sempre pior que o original.”
Paulo Rangel disse ainda, numa resposta a uma aluna, que — se fosse possível um português entrar na corrida — “o antigo primeiro-ministro Passos Coelho seria um excelente candidato a presidente da Comissão Europeia”. Mas é praticamente impossível esse cenário, já que, como lembra Rangel, Portugal teve “um presidente da comissão durante 10 anos” e atualmente o secretário-geral da ONU é português. “Era fácil lançar a candidatura, mas era mais difícil ganhá-la por uma questão de equilíbrio entre Estados”, acrescentou.