Maurício de Sousa quase que dispensa apresentações. O criador da Turma da Mônica (sim, com acento circunflexo, como no Brasil) é um dos grandes nomes que marca presença na Comic Con Portugal. O cartoonista de 82 anos, desde 1959 criou personagens que marcaram gerações nos ‘gibis’, como Cebolinha, Cascão, Magali, Chico Bento ou o cão azul Bidu. Numa curta entrevista, perguntámos, entre outras questões, se Stan Lee (criador do homem-aranha e antigo editor chefe da Marvel) é o Maurício de Sousa Americano, ou se Maurício é o Stan Lee brasileiro. “Acho que temos coisas em comum, sim”, respondeu.
O estilo de criação, de criatividade, é diferente. Mas criatividade é criatividade. [Seja] com policiais, história de aventura, super-heróis ou histórias infantis. Estivemos de igual maneira próximos, eu e o Stan Lee. Conheço o Stan Lee, é meu amigo. Já estive no escritório dele nos velhos tempos também, mostrando a Turma da Mônica”, contou Maurício de Sousa sobre a amizade com Stan Lee, um nome muito associado à Comic Con.
Da mesma forma que as aventuras de homem-aranha ou homem-de-ferro cativaram muitos nos Estados Unidos, Maurício de Sousa, com as peripécias da “Turma da Mônica”, marcou desde miúdos a graúdos em Portugal e no Brasil. Contudo, houve “vitórias e derrotas, momentos difíceis e momentos de glória”, revelou durante a conversa. “O desenhista, o artista, passa por esses períodos todos, só que alguns mantém-se um pouco mais, outros um pouco menos”, continuou. Com quase 60 anos de carreira, assume: “Tento-me manter com a cabeça para fora da água, respirando bem, e com força para continuar mandado. Estamos conseguindo isso”.
As histórias da ‘turminha’, como apelidada nas bandas-desenhadas, continuam a chegar a milhões de pessoas em todo o mundo. Apesar de, em 1998, ter o site “mais acessado do Brasil, com 140 mil visitantes”, como contava em entrevista nos 35 anos da Mônica, agora “já se passou muito tempo dessa fase do início da Internet”. Não há planos infalíveis, como o Cebolinha gosta de ‘bolar’ para roubar o coelhinho da garota ‘dentuça’ e ‘baixinha’, mas o cartoonista deixou dicas: “Temos de nos adaptar às novas tecnologias, às novas plataformas de comunicação para continuarmos contado, de outras maneiras tecnológicas, as histórias de que todo o mundo gostou a vida inteira”.
Hoje estamos também pelo YouTube, com um produto nosso que tem um minuto, a Mónica Toy, que está com quase 10 bilhões de views no mundo [visualização geral do canal, em milhares de milhão]. Tem dado certo graças aos cuidados que temos usando a língua do dia e da hora. [O truque] é usar os temas que estão acontecendo neste momento. Que estão sendo alvo de curiosidade e do público”, explica Maurício sobre as histórias da Turma atualmente
Em 1998 a aposta podia ser na ‘Mônica multimedia’, mas era também na globalização. 20 anos depois, a Magali continua glutona e esta forma de contar as histórias das personagens da Turma “é um sucesso na Rússia, no México, no Brasil, no Japão”, afirma ainda. Além disso, a Maurício de Sousa Produções prepara-se para lançar o primeiro filme com pessoas reais das personagens dos gibis. E até já tem primeiro trailer, apesar de o filme só sair em 2019. Mas sobre isso, não houve tempo para Maurício revelar mais novidades.
Maurício sobre o acordo ortográfico: “Devia ser um caso de amor. Não de dificuldades”
Na curta entrevista houve ainda tempo para falar das diferenças entre Portugal e o Brasil, e como o acordo ortográfico pode minimizar o problema de alguns leitores em Portugal, como reconheceu Maurício. “Acho que as coisas devem ser o mais normais e naturais e você estabelecer regras para uma coisa que deve ser cada vez mais normal, às vezes, dá uma ‘segurada’ a uma revolução que devia ser normal. Devia ser tranquila. Devia ser um caso de amor. Não de dificuldades”, explicou o criador.
Penso que a Turma da Mônica, com a linguagem dela, pode ser reconhecida como uma coisa meio brasileira. Mas em lusitano pode também ser uma coisa para se aprender muito, não só em Portugal. [Isso] até para as crianças e para o Brasil aprenderem como é que se fala em Portugal e que palavras é que se usa”, contou Maurício de Sousa sobre como a Turma da Mônica é lida em Portugal e no Brasil.
Maurício referiu a parceria com o escritor José Santos no livro “Uma Viagem a Portugal” que, com as personagens da Turma da Mônica explica a “diferença de significado das palavras iguais, e das palavras que em Portugal são totalmente diferentes, da forma como é usada no Brasil”, como trabalho feito para reduzir as diferenças na leitura entre os dois países. O que o cartoonista quer é “fazer essa aproximação cada vez mais respeitando as localizações, a geografia, até mesmo os cuidados que deve haver”, explicou.
“Vou fazer cada vez mais a ponte entre o Brasil e Portugal para continuarmos sendo lidos”, prometeu ainda o ícone da banda-desenhada em Língua Portuguesa. “Mas não espero transformar ninguém, nem o brasileiro, nem o português”, concluiu Maurício, prometendo que as histórias das personagens do bairro do Limoeiro são para chegar a todos, em todo o mundo.
A inspiração de Maurício de Sousa para criar as suas famosas personagens surgiu quando ainda era criança, na década de 1940, ao ler a Globo Juvenil e os quadradinhos de Mandrake, Flash Gordon e Super-Homem. Em 1959, começou a escrever as tiras de banda-desenhada no jornal a Folha da Manhã, onde era jornalista de investigação policial, e nasceram personagens como Franjinha, Bidu, Horácio (que ainda hoje escreve exclusivamente) e Cebolinha.
Foi numa tira do Cebolinha que, a 21 de março de 1963, apareceu Mônica, já com um forte feitio. Em maio 1970 lançou a primeira revista “Mônica e sua Turma” e, desde aí, criou a Maurício de Sousa Produções para a fazer várias publicações (em parceria com a Editora Abril, depois a Globo, e, desde 2007, a Panini Comic), filmes, merchandising, parques de diversões e videojogos.