Está sorteado. Ivo Rosa será o juiz de instrução que vai decidir se o caso que envolve o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, segue ou não para julgamento. Depois de, nos últimos dias, o processo ter sido organizado e enviado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, a distribuição eletrónica foi feita esta tarde de sexta-feira nas instalações do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, na presença de uma dezena de jornalistas e de, apenas, uma advogada.
Na primeira reação, João Araújo, advogado do ex-primeiro-ministro, disse ao Observador que “pela primeira vez” tinha sido escolhido um juiz “de forma legal não pelo Ministério Público”, sublinhando que “não gostava que fosse o Carlos Alexandre pela evidente parcialidade” do magistrado.
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Na mesma linha, Tiago Rodrigues Basto, advogado de Armando Vara, que tinha pedido o afastamento do juiz Carlos Alexandre, disse ao Observador que “a questão não era que tinha de ser o juiz Ivo Rosa. Não podia era ser Carlos Alexandre.” No requerimento de abertura de instrução, Vara tinha levantado a suspeita de que o processo não tinha sido corretamente distribuído a Alexandre durante a investigação. Com a escolha de Ivo Rosa, por sorteio, o advogado que representa o ex-ministro diz que “agora temos um juiz que vai aferir o que se passou e se há algum problema para a validade dos atos praticados por Carlos Alexandre”.
A advogada Paula Lourenço, que representa o braço-direito de Sócrates, o empresário Carlos Silva, que também arrasou a investigação no requerimento de abertura de instrução enviado para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Aos jornalistas disse estar “satisfeita” com a escolha, uma vez que até invocou uma série de nulidades relativas a atos de investigação validos por Carlos Alexandre.
Entre os arguidos que pediram abertura de instrução está também Hélder Bataglia. O advogado do empresário luso-angolano recusou fazer comentários sobre a distribuição do processo desta sexta-feira. Ao Observador, Rui Patrício aceitou apenas manifestar “respeito pelo trabalho dos senhores magistrados em geral e do senhor magistrado em causa em particular, tendo testemunhado ao longo dos anos os seus isenção, saber e empenho” à semelhança de outros com quem tem trabalhado.
A defesa de Ricardo Salgado não pediu abertura de instrução precisamente com o argumento de que poderia calhar o juiz Carlos Alexandre, ficando o processo nas mãos do mesmo juiz que validou os atos em investigação. Depois de conhecida a escolha de Ivo Rosa, o advogado Francisco Proença de Carvalho recusou tecer qualquer comentário.
A fase instrutória, uma fase facultativa nos processos-crime, foi pedida por 19 dos 28 arguidos e tem como objetivo levar o processo à apreciação de um juiz de instrução que decidirá se há provas suficientes para uma possível condenação em tribunal. Se o magistrado decidir que o caso não tem pernas para vingar em tribunal, ou seja, para ser aplicada uma pena, pode decidir não pronunciar os arguidos, salvando-os do julgamento. E mesmo os arguidos que não pediram a abertura de instrução poderão beneficiar desta decisão, caso os crimes estejam relacionados e se perceba que sem uns, os outros não vão resultar em pena.
No centro da investigação, que ganhou o nome de “Operação Marquês”, estão mais de 30 milhões de euros que o Ministério Público acredita terem sido reunidos em contas na Suíça pelo amigo de José Sócrates, o empresário Carlos Santos Silva, e que depois foram transferidos para Portugal ao abrigo dos Regimes Excecionais de Regularização Tributária I e II. Já com o dinheiro em território nacional, este terá chegado às mãos do ex-governante das formas mais diversas, fosse através do seu motorista, da ex-mulher, dos livros que publicou ou mesmo de obras de arte, como descreve a extensa acusação. O processo envolve ainda nomes como Armando Vara, Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado.
Recorde-se que em fase de inquérito foi o juiz Carlos Alexandre que foi assinando as linhas de investigação propostas pelo Ministério Público, tendo sido ele a determinar que o ex-primeiro-ministro ficasse em prisão preventiva. Os advogados de Sócrates tentaram mais que uma vez afastar o magistrado do centro de decisão do processo, mas nunca o conseguiram fazer.
Das 19 pessoas singulares e nove coletivas (empresas) nenhuma assume que o dinheiro fosse verdadeiramente de José Sócrates e que ele tenha corrompido quem quer que fosse. Caberá ao juiz de instrução olhar para todo o processo, analisar o que os investigadores fizeram e recolher testemunhos. Depois, deverá promover um debate instrutório, uma espécie de mini julgamento, para perceber se o caso deve ou não avançar para a fase de julgamento.
Dada a mediatização do processo, e o facto de o debate instrutório ser público, o juiz Ivo Rosa — a quem calhou presidir à distribuição eletrónica do processo — decidiu acolher os pedidos de advogados e jornalistas para que o sorteio fosse um ato público e testemunhado por quem quisesse. E assim foi. Um caso inédito.