O ex-Presidente da República Cavaco Silva marcou presença na cerimónia de inauguração do ‘campus’ de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa, mas deixou o local minutos antes de o atual chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, discursar.

É que Cavaco, segundo explicaria à RTP, tinha deveres familiares a que não podia faltar, já que “estavam todos” à sua espera: a festa do neto e o batizado de um sobrinho. O ex-Presidente, contudo, quis deixar claro que, apesar de estar mais afastado da política, a sua vasta experiência de Presidente, primeiro-ministro e ministro das Finanças fazem-no “saber muito bem o que se passa na política”. Tanto que nem precisa de ouvir Marcelo para isso.

Foi o contra-ataque possível, depois de uma semana de troca de palavras. Mas não se ficaria por aqui. Mesmo sem o ex-chefe de Estado na sala, Marcelo optaria por responder à ausência com…elogios. No discurso onde condecorou a Nova Business School, elogiou o ex-Presidente da República, que foi o primeiro chefe de Estado em Portugal com formação de economista, assim como foi “o mais duradouro primeiro-ministro de Portugal”.

Marcelo Rebelo de Sousa chegaria pelas 19h15, quinze minutos antes da hora prevista, e fez questão de cumprimentar o seu antecessor, Cavaco Silva, sentado, desde as 18h30, numa das pontas da primeira fila, uma vez que já planeava sair antes do fim da cerimónia. Mas menos de dez minutos depois da entrada do chefe de Estado, Cavaco Silva deixou o local e, à saída, questionado pelos jornalistas se iria sair sem ouvir Marcelo Rebelo de Sousa, justificou: “Vou para uma festa familiar a que não posso faltar”.

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“Já avisei a organização de que tenho de sair mais cedo porque estão todos à minha espera para uma festa do meu neto, que faz anos, e para o batizado do meu sobrinho”, disse à RTP quando questionado sobre se havia algum desconforto depois de Marcelo ter dito que não comentava as declarações do antecessor por uma questão “sentido de Estado”.

Nos últimos dias, o atual e o anterior chefes de Estado envolveram-se numa troca de palavras a propósito da não recondução da atual procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, que será substituída por Lucília Gago. Na quarta-feira, Cavaco Silva considerou que a não recondução da PGR foi a decisão “mais estranha do Governo que geralmente é conhecido como gerigonça”.

Marcelo e Cavaco voltam a trocar farpas. Uma relação difícil?

Cavaco Silva falava à margem de um congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), e classificou a não recondução de Joana Marques Vidal como algo “muito estranho, estranhíssimo, tendo em atenção a forma competente como exerceu as suas funções e o seu contributo decisivo para a credibilização do Ministério Público”. Um dia depois, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu ao seu antecessor e salientou que é ao Presidente da República e não ao Governo a quem cabe nomear a PGR, dizendo que “por uma questão de cortesia e de sentido de Estado” não comentaria as palavras de Cavaco Silva.

“O que me está a dizer é que o presidente Cavaco Silva, no fundo, disse que era a mais estranha decisão do meu mandato. Perante isso, tenho sempre o mesmo comportamento: entendo que, desde que exerço estas funções, não devo comentar nem ex-Presidentes, nem amanhã quando o deixar de o ser, futuros presidentes, por uma questão de cortesia e de sentido de Estado, e não me vou afastar dessa orientação”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, à margem da IV Cimeira do Turismo, organizada pela Confederação do Turismo de Portugal.

Cavaco não precisa de ouvir Marcelo para saber bem “o que se passa no mundo da política”

Este sábado, em declarações à RTP antes da cerimónia de inauguração e questionado sobre esta troca de palavras, Cavaco Silva invocou a sua experiência política, sem dar uma resposta direta. Eu tenho uma experiência de dez anos de primeiro-ministro e dez anos de Presidente da República e também um ano de ministro das Finanças. Sei bem aquilo que se passa no mundo da política. Mas, evito fazer comentários e raramente os faço”, afirmou.

Na semana passada, o Presidente da República nomeou Lucília Gago procuradora-geral da República, com efeitos a partir de 12 de outubro, sob proposta do Governo. Lucília Gago irá suceder no cargo a Joana Marques Vidal, que termina o seu mandato de seis anos nessa data.

Na cerimónia de inauguração do novo ‘campus’ da Nova, onde ficará instalada a Faculdade de Economia, marcaram presença os ministros da Economia, Manuel Caldeira Cabral, e o do Ensino Superior, Manuel Heitor, o ex-Presidente da República Cavaco Silva, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, e o seu antecessor, Paulo Portas.

Os ex-ministros Miguel Poiares Maduro (PSD), Luís Amado (PS), Pedro Mota Soares (CDS-PP), Maria de Belém Roseira (PS), o presidente da EDP António Mexia e o presidente e vice-presidentes da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras e Miguel Pinto Luz, bem como a conselheira de Estado Leonor Beleza foram algumas das muitas figuras do mundo político, académico e económico que marcaram presença em Carcavelos.

…Mas, no discurso, Marcelo elogia papel de Cavaco, o economista

O Presidente da República condecorou a Nova School of Business and Economics (Nova SBE) com o título de membro honorário da Ordem da Instrução Pública e fez questão de destacar um dos seus “mestres”, Aníbal Cavaco Silva.

Na inauguração do novo campus de Carcavelos, no concelho de Cascais, Marcelo Rebelo de Sousa salientou a qualidade dos que fizeram o nome desta instituição, que classificou como “uma grande escola, pioneira em tantos lances científicos, pedagógicos, nacionais e internacionais”.

“Que o digam todos quantos fizeram a sua história, com natural relevo para Alfredo Sousa, e os que a viveram intensamente, como tantos antigos e atuais mestres aqui presentes, em particular o primeiro Presidente da República de Portugal economista e o mais duradouro primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva”, afirmou.

No final da cerimónia, questionado pelos jornalistas se estranhou que Cavaco Silva tenha saído da cerimónia de inauguração antes do seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa desvalorizou essa ausência. “Mas cumprimentámo-nos, tinha um compromisso familiar e tinha dito que teria de sair, mas eu entrei a tempo de estar com ele”, destacou.

Salientando que a relação com o seu antecessor “está ótima” – “falámo-nos, como sempre, muito bem” -, o chefe de Estado escusou-se a fazer mais comentários sobre as palavras de Cavaco Silva em relação à não recondução da atual Procuradora-Geral da República. “Não tenho mais nada a dizer sobre isso”, afirmou, questionado se considera que as críticas de Cavaco Silva ao processo de nomeação revelaram falta de sentido de Estado.

Sobre a referência a Cavaco Silva no seu discurso na inauguração do novo ‘campus’ da Nova, o Presidente da República considerou-a “uma questão de justiça”. “Há um fundador, Alfredo de Sousa, mas depois há os patriarcas, aqueles que estão desde o início. Eu, não os podendo cumprimentar a todos, cumprimentei o mais importante. E merecia porque fez muito por esta escola”, destacou.

Na sua intervenção, que encerrou uma longa cerimónia de inauguração do novo ‘campus’, onde ficará instalada a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa destacou esta instituição como “a escola mais exigente e mais rigorosa” que conheceu na sua carreira académica.

O chefe de Estado elogiou a ligação ao mar deste novo ‘campus’, situado em frente à praia de Carcavelos, e confessou que, no início, ouviu quem tivesse reticências sobre a localização “heterodoxa” da instituição. “Até ouvi dizer que podia haver o risco de rapidamente se transformar numa escola de surf, o que a mim não me complexava nada, sempre compatibilizei a academia com o surf e o body board”, gracejou.

Elogiando os mecenas e fundadores da Nova SBE, Marcelo Rebelo de Sousa deixou uma palavra especial a um deles, Alexandre Soares dos Santos, bem como aos dois Governos que apoiaram a obra – o atual e o anterior executivo PSD/CDS-PP –, e ao presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras.

“É verdade que tem uma grande equipa, mas uma grande equipa só é grande porque tem um grande líder”, afirmou. No final, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a condecoração da Nova SBE e saudou a sua capacidade “de sonhar e construir o futuro”.

*Artigo atualizado com as declarações de Marcelo no discurso