O autor começa por deixar uma espécie de aviso à navegação. “Magalhães é um enigma. É um dos maiores exploradores de todos os tempos, revolucionou a navegação mundial. E no entanto ninguém conhece a sua vida“, escreve Christian Clot nas primeiras linhas do prefácio do livro de banda desenhada ‘Magalhães – Até ao Fim do Mundo’ que dedica ao explorador português que, há precisamente 500 anos, fez a viagem de circum-navegação. A data é, aliás, o pretexto para a edição de banda desenhada que o autor franco-suíço — que se apresenta como “explorador, aventureiro e escritor” — editou em França e que se prepara para lançar em Portugal na próxima semana com a chancela da Gradiva e a parceria da Comissão Cultural de Marinha.
A ousadia da expedição que Magalhães liderou na altura, entre 1519 e 1522, foram o mote que inspirou Christian Clot a recontar a sua aventura — o mistério à volta desta figura histórica só reforçou a sua intenção. “É porque ele é apresentado, por vezes, como um ser austero, frio e pouco afável? Com que base, pois praticamente não existe nenhuma linha, nenhum escrito, da sua autoria? Tudo foi destruído”, questiona o autor da obra. “De acordo com a maioria dos seus biógrafos, ele jamais pensou fazer a volta ao mundo: partiu apenas para descobrir uma nova rota para as ilhas das especiarias, para as riquezas”, recorda Clot que escreve os textos do livro ilustrado por Thomas Verguet e Bastien Orenge.
O livro procura ilustrar momentos-chave dessa aventura marítima de quase três anos, numa época em que a Inquisição ainda contestava os contornos da Terra e ameaçava com excomunhão e morte a heresia de quem a considerava redonda. Christian Clot recorda assim o que Magalhães teve de sacrificar para seguir os seus ideais: teve de “renunciar a tudo: aos seus ideais, ao seu amor de juventude e à sua pátria”, até à sua vida.
“Uma vez que os seus méritos não foram reconhecidos em Portugal”, o português acabou por oferecer o seu projeto a Espanha que lhe financiou a jornada marítima. E com essa viagem provou que era possível, partindo em direção a oeste, regressar por leste: foi assim a primeira viagem de circum-navegação do mundo. A mítica jornada de Fernão de Magalhães levaria o português e a sua tripulação a diferentes geografias, como a Patagónia ou as (agora denominadas) Filipinas (onde acabou por morrer, no final da viagem) e ao contacto com várias culturas e populações indígenas. No final da viagem, a tripulação de 18 homens que sobreviveu à dureza dos oceanos, a a tempestades, ataques e doenças como o escorbuto, muito comum entre marinheiros, tinha o porão carregado de especiarias e materiais exóticos.
São alguns dos episódios que o livro de Christian Clot tenta recriar através dos traços desenhados por Bastien Orenge e Thomas Verguet.
Quem foi Magalhães
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Fernão de Magalhães nasceu por volta de 1480 em Trás-os-Montes, numa família de pequena nobreza. Atraído pelo mar, embarca em 1505 na armada de D. Francisco de Almeida, vice-rei da Índia, onde começa como suboficial pronto para todas as tarefas. É nesse trabalho que aprende as artes da navegação, combate, estratégia. Liderou, financiado pela coroa espanhola, a que se tornaria na primeira viagem de circum-navegação do mundo, entre 1519 e 1522. O pinguim-de-Magalhães recebeu o seu nome como homenagem, já que foi o primeiro europeu a ver um, bem como vários objetos associados à astronomia, incluindo as Nuvens de Magalhães, as crateras lunares de Magalhães ou as crateras marcianas de Magalhães. O navegador terá morrido no reino de Mactan, atualmente localizado nas Filipinas.
A história resume-se ao que hoje é possível saber sobre o passado. Como explica o editor da edição portuguesa, Guilherme Valente, “sabe-se muito pouco sobre a viagem de Fernão de Magalhães. Sobretudo sobre as circunstâncias que rodearam ou determinaram o seu desfecho”. Um dos exemplos que dá é sobre as Molucas. Magalhães terá verificado que ficavam do lado português definido pelo Tratado de Tordesilhas, “facto que colocava o navegador, ao serviço do rei de Espanha, numa posição delicada. Ainda assim, reforça, Christian Clot, “ele próprio um reputado explorador e bom conhecedor dos mares terríveis que Magalhães foi o primeiro a navegar”, conseguiu recriar algumas das peripécias desta epopeia portuguesa.
Christian Clot, uma vida de aventuras
O autor de ‘Magalhães’ é, ele próprio, um explorador. Habituado a dirigir expedições de exploração científica em ambientes extremos, tem assinado várias publicações — especialmente de banda desenhada, uma das duas paixões — e protagonizado filmes e conferências.
Embora tenha estudado para ser comediante, e tenha chegado a trabalhar como ator e realizador, Christian Clot, de 46 anos, acabou por se dedicar ao montanhismo, paraquedismo e expedições em locais com condições climatéricas extremas. Já atravessou a América do Sul por selvas, desertos, montanhas e mares, percorreu o Nepal a pé e muitos outros locais sem o recurso a qualquer meio de transporte motorizado. Cruza regularmente as suas expedições com trabalhos científicos que desenvolve para laboratórios franceses e internacionais: recolhe dados para trabalhos de entomologia ou glaciologia, por exemplo, mas também informação no domínio da psicofisiologia, nomeadamente acerca do modo como os indivíduos se adaptam e tomam decisões em ambientes extremos.
Em 2006, e após três tentativas e cinco anos de trabalho de pesquisa, foi o primeiro homem a entrar no centro das montanhas da cordilheira na Terra do Fogo, no Chile, uma exploração que lhe valeu vários prémios. Mas o prazer de comunicar e contar histórias nunca o deixou. Em paralelo com o seu trabalho de campo usa vários meios para dar a conhecer o planeta, os seus lugares mais remotos, os seus habitantes e a importância de ir atrás dos sonhos. Realizou vários filmes e já deu centenas de palestras. Mas foi na escrita que encontrou o meio de expressão perfeito para transmitir a sua visão do mundo.
Chistian Clot estará em Lisboa na próxima segunda-feira, 1 de outubro, para apresentar o livro ‘Magalhães’ no Pavilhão das Galeotas do Museu de Marinha, às 17h30.