“Há 12 anos, quando a família quis apostar no Enoturismo, acharam que ter uma mulher da família a gerir essa área fazia todo o sentido. Abracei o convite com muito prazer e um dos primeiros eventos que organizei foi a reunião da Confraria do Periquita. Trata-se de um evento realizado em anos pares, sempre na mesma data e no mesmo local: 31 de Maio, em Vila Nogueira de Azeitão nas instalações de José Maria da Fonseca. Ora, os confrades dividem-se por escalões e a cada um corresponde uma cor: a administração é amarelo, a direção está de verde, os clássicos (pessoas fora do negócio mas de relevância para a empresa) são azuis e os restantes participantes vestem de bordeaux. Eu não sentia que encaixasse em nenhum desses escalões e, deixando vir ao de cima o meu lado mais feminista, fiz ver que as mulheres da família, que eu encabeçava (avó, mãe e tias), mereciam uma cor de destaque. Hoje, vestimos orgulhosamente de cor-de-rosa e participamos em reuniões e eventos internos onde as mulheres não costumavam ter lugar de destaque.

É preciso perceber que, nessa altura este era um mundo muito mais masculino do que é hoje, e eu achava que precisava de conquistar esse “lugar à mesa”. Na sétima geração da família, à qual pertenço, somos oito – tenho dois irmãos e cinco primos – e sou a única mulher.

Da NATO para Azeitão

Quando entrei na empresa em 2006, estava completamente fora do negócio. Estudei Ciência Política e Relações Internacionais e trabalhei nessa área, mas sempre ligada às relações públicas. Passei pelo Ministérios dos Negócios Estrangeiros e pelo comando da NATO, em Oeiras, e estava longe de imaginar que viria trabalhar para o negócio da família. Até porque não há nenhuma obrigação da empresa em contratar elementos da família, nem nossa de vir trabalhar para aqui. Tem de haver uma vontade mútua tem de haver necessidade e temos também que trazer experiência e “know how” de outros empregos por onde tenhamos passado. Temos que ser uma mais-valia. Mais tarde, acabei por assumir também a responsabilidade de toda a comunicação interna e externa da empresa e sinto-me hoje plenamente realizada neste papel. Fomos educados e temos consciência de que não somos donos de nada, estamos cá como “cuidadores do legado” que nos foi deixado e a nossa missão é passar a empresa em melhores condições do que a recebemos às próximas gerações.

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Construção de memórias

À semelhança dos meus irmãos e dos meus primos, vivi em Azeitão toda a minha infância. Quando o meu irmão António entrou para a faculdade, mudámos para Lisboa. Mas é aqui que me sinto em casa, Azeitão é a nossa origem e é onde moram as nossas memórias. Foi na atual Casa Museu que todos viemos nas férias para brincar e, posteriormente, fazer pequenos estágios no Verão. Uma das melhores memórias que este espaço me traz é a de me sentar a desenhar enquanto via o meu avô trabalhar. Era um homem metódico e muito apaixonado pelo que fazia, encantava-me vê-lo a fazer as contas em folhas enormes, assim como as diferentes cores que utilizava, quando ainda não havia computadores nem documentos em excel. Foi certamente uma das pessoas que mais me marcou e que me passou o “bichinho” pelo negócio familiar.

Na Casa-Museu, a família partilhou o espaço com a produção de vinho durante algumas décadas. Mas a coabitação tornou-se incomportável, pois a produção ocupava cada vez mais espaço e o facto de estarmos mesmo no meio da vila não nos permitia crescer. Atualmente, tanto a família como a produção, já não se encontram aqui, mas o envelhecimento do vinho em madeira continuou neste espaço. Até porque, acredito, são as memórias acumuladas que ajudam a formar a personalidade vincada do nosso vinho Periquita.”

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