Os advogados escolhidos pela SAD do Benfica no processo conhecido como e-toupeira já entregaram o pedido de abertura de instrução do caso. No documento, a que o Observador teve acesso, a SAD diz que nada teve a ver com os contactos que o seu diretor jurídico fazia com os funcionários judiciais para obter informações sobre processos.

“É um salto no escuro”, dizem os três penalistas, Rui Patrício, João Medeiros e Saragoça da Matta, no requerimento de abertura de instrução. E por uma razão: “a Benfica SAD não teve conhecimento ou participação nos atos que são imputados a Paulo Gonçalves”. Os advogados até admitem que os factos que são imputados ao assessor jurídico sejam “verdadeiros”, embora não o queiram “crer”. Ainda assim, reiteram que não foram autorizados pela SAD.

“Sejam os mesmos verdadeiros ou não (o que se desconhece, mas no que se não quer crer), e ilícitos ou não, e tenham os mesmos a explicação que tiverem (e Paulo Gonçalves, por certo, estamos em crer, os explicará e justificará detalhada e cabalmente), os mesmos não foram solicitados ou autorizados, nem sequer conhecidos, pela Benfica SAD”, lê-se no requerimento.

Mais, diz a defesa do Benfica que nos anos em que Paulo Gonçalves desempenhou as suas funções “sempre o mesmo deu mostras à Benfica SAD de competência e integridade”. Elogio que vem reforçar a “surpresa e perplexidade” com que a SAD olha para o despacho de acusação. O requerimento reforça, também, que existia uma relação de confiança com o assessor e que nos contratos de trabalho por ele celebrados vigorava uma cláusula de “boa conduta”. Ou seja, Paulo Gonçalves estava obrigado a agir de acordo com o bom nome e a boa imagem do Benfica. Assim sendo, não pode — alegam — o Befica ser acusado de não ter vigiado ou controlado os comportamentos do seu funcionário.

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A tese do Ministério Público, resumida nas palavras da defesa, é que a Benfica SAD, por intermédio de Paulo Gonçalves, e a troco de bilhetes e convites para os jogos da equipa de futebol, alguns produtos de merchandising do clube e a promessa de contratação de um sobrinho, obteve dos arguidos José Nogueira da Silva e Júlio Loureiro o acesso a processos judiciais pendentes e informações sobre eles. A Benfica SAD beneficiaria, por isso, da possibilidade de antecipar diligências processuais em que seria visada, obter informações sobre adversários ou informações antecipadas de decisões judiciais. No entanto, defendem, nada disso está fundamentado. E o que o MP faz é uma “confusão” entre SAD e assessor jurídico.

Advogados chamam testemunhas. Entre elas está Sousa Cintra

Além de nomes ligados ao clube, como o de Nuno Gomes ou de Luís Bernardo, diretor de comunicação, os advogados querem ouvir como testemunhas Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Pedro Proença, presidente da Liga Portuguesa da Futebol, António Salvador, presidente do Sporting de Braga, Júlio Mendes, presidente do Vitória de Guimarães, entre outros. A lista tem, ainda, um nome aparentemente mais improvável: como testemunha da SAD do Benfica será chamado também Sousa Cintra, que foi presidente interino do Sporting até às eleições de setembro.

Com o empresário, os advogados pretendem demonstrar que a entrega de produtos de merchandising e bilhetes — a ter acontecido —  faz parte de um conjunto de práticas que, mesmo sendo indesejáveis, “encontram respaldo no seu enraizamento cultural, sendo socialmente toleradas, como sucede quanto à tradição de nas épocas festivas, nomeadamente no Natal e na Páscoa, se oferecerem prendas a diversas autoridades públicas ou à professora do filho ou da filha”. Recorde-se que no despacho de acusação é referido que Luís Filipe Vieira sabia destas entregas.

No requerimento de abertura de instrução, a SAD do Benfica é clara quanto às ofertas que alegadamente foram feitas por Paulo Gonçalves, como alegado pagamento pelo acesso a documentos judiciais de vários processos: a SAD diz que não sabe se aconteceu, mas sublinha que “a oferta de bilhetes ou convites para assistir a jogos, de pulseiras para acesso a zonas de restauração, de cartão para acesso ao parque de estacionamento, de artigos de merchandising (camisolas, cachecóis, entre outros), é uma prática habitual no meio desportivo, nomeadamente no futebol, sendo transversal a todos os clubes, dos maiores aos mais pequenos, dos nacionais aos estrangeiros”. Os advogados concluem que são produtos “com um valor diminuto,  sem nenhuma vantagem patrimonial relevante para o seu destinatário, cuja oferta é socialmente aceite e conforme aos usos e costumes”.

Os crimes em causa

No total, Paulo Gonçalves foi acusado de 79 crimes, entre os quais corrupção ativa, oferta indevida de vantagem, violação do segredo de justiça, violação de segredo por funcionário em coautoria com Júlio Loureiro e José Silva, acesso indevido em coautoria com Júlio Loureiro e José Silva, acesso indevido, violação do dever de sigilo em coautoria com Júlio Loureiro e José Silva, violação do dever de sigilo e falsidade informática em coautoria com Júlio Loureiro e José Silva.

Já a Benfica SAD, enquanto entidade coletiva e por ter oferecido contrapartidas a José Silva e Júlio Loureiro e beneficiado das informações recolhida por aqueles funcionários judiciários, foi acusada de um crime de corrupção ativa e de um crime de recebimento indevido e 28 crimes de falsidade informática em “concurso aparente com acesso ilegítimo e burla informática”, lê-se no despacho de acusação.

Como a toupeira do Benfica foi apanhada pela Justiça