A Agência Espacial Europeia (ESA) e a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA) admitem que os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional podem ter de ficar no espaço mais do que os típicos seis meses para evitar que o laboratório fique desabitado enquanto durar a investigação da Roscosmos à missão abortada na sexta-feira passada. Isso mesmo foi confirmado ao Observador por Jan Wörner, diretor geral da ESA, e por Reid Weiseman, representante dos astronautas na NASA, em conferência de imprensa.

Mas essas missões não podem ser alargadas muito mais: os três astronautas, que deviam regressar em meados de dezembro, não podem ficar no espaço para lá de 4 de janeiro de 2019, porque essa é a data de validade da única cápsula atracada na Estação que os pode trazer de regresso à Terra. Se a Roscosmos, a agência espacial russa, não conseguir levar astronautas para o espaço antes dessa data, a Estação Espacial Internacional pode ficar vazia pela primeira vez desde novembro de 2000.

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Ao Observador, Jan Wörner disse: “Os astronautas podem ter de ficar mais tempo da Estação Espacial Internacional para que ela não fique sem pessoas. Podem regressar à Terra com a cápsula Soyuz ancorada, mas não é uma boa opção deixá-la vazia e por isso vamos evitar isso a todo o custo”. De acordo com a NASA, os três astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional — Serena Auñón-Chancellor, Alexander Gerst e Sergey Prokopyev — “estão todos disponíveis para ficar na Estação Espacial Internacional tanto tempo quanto nós precisarmos que eles fiquem”, garantiu Reid Weiseman.

Para a agência norte-americana, também é de evitar que a Estação Espacial Internacional fique vazia: “As boas notícias são que temos esta expetativa de que os russos possam resolver os problemas antes de essa janela de regresso chegar”, avançou Kenny Todd, gestor das operações integradas da Estação. “Se isso não acontecer, vamos olhar para as opções e, de acordo com o programa, fazer com que não tenhamos uma estação sem tripulação. Isso é algo que fazemos na gestão do programa de voos para garantir que temos sempre tripulação a bordo para executar os trabalhos que precisamos que sejam feitos”.

O engenheiro aeroespacial alemão Alexander Gerst a bordo da Estação Espacial Internacional. É o comandante da Estação neste momento. Créditos: NASA/ Getty Images

Mas há questões técnicas que estão a colocar o programa estação do laboratório entre a espada e a parede. Para que a Estação continue habitada é preciso que a Roscosmos termine as investigações que tem em curso num prazo de três meses, que coloque o Soyuz operacional até lá e que volte a ter capacidade de levar humanos para o espaço.

Tanto a NASA como a ESA dependem da Roscosmos para levar astronautas para o espaço e mais nenhuma agência espacial incluída no programa da Estação tem capacidade para fazer voos tripulados até ao laboratório, porque nenhuma delas tem foguetões próprios para isso. A NASA terminou as missões tripuladas para a Estação desde que o Space Shuttle parou de voar. E a ESA não tem dinheiro disponível para embarcar em missões tripuladas: “Pessoalmente, gostaria muito de ver a Europa ter capacidade para transportar seres humanos para o espaço. No entanto, após o fim do programa Hermes, não houve nenhuma nova iniciativa nesse sentido devido às consequências financeiras”, explicou Jan Wörner.

O primeiro problema em manter a Estação habitada é que não há previsões de quando a Roscosmos pode terminar as investigações e nenhuma das agências espaciais quer pressionar os russos a fazê-lo: “A Soyuz é um propulsor muito confiável e a aterragem de emergência confirmou o bom funcionamento das várias medidas de segurança. É um procedimento comum suspender todas as missões de um propulsor específico quando ocorre algum acidente. A vida do astronauta da ESA a bordo da Estação Espacial não está ameaçada. Há uma cápsula da Soyuz atracada à estação para o caso de os astronautas terem que voltar. É de enorme importância entender a causa do acidente e definir como evitar o mesmo problema no futuro”, disse Jan Wörner.

Um propulsor Soyuz levanta voo no Cosmódromo de Baikonur, Cazquistão. Créditos: ESA – Stephane Corvaja via Getty Images

A NASA, em conferência de imprensa, também disse não ter pressa: “Obviamente que é uma alta prioridade do ponto de vista russo entender o que aconteceu com este propulsor. Isto é especulação minha, mas acredito que eles vão colocar muitos recursos a tentar entender exatamente o que aconteceu e tentar recolher quaisquer provas que lhes permita chegar a uma conclusão. E antecipo que eles vão querer fazer isso mais cedo do que tarde. Vamos ver se é um mês, dois meses ou seis meses. Realmente não posso especular sobre o tempo que vai demorar. Esperamos receber mais pormenores sobre isso nos próximos dias. Já nos garantiram que o que quer que aprendam com esta situação vão partilhar connosco”, disse o gestor de missões da Estação.

Sergei Krikalev, um dos cosmonautas mais famosos e diretor das missões espaciais tripuladas da Roscosmos, disse que os resultados da investigação podem começar a ser publicadas já a 20 de outubro, mas não prometeu colocar o Soyuz novamente no ativo logo nessa altura para levar astronautas para o espaço. E até disse que a hipótese de deixar a Estação abandonada durante algum tempo é um cenário possível.

O segundo problema é que a cápsula da Soyuz atracada à Estação Espacial Internacional não servirá de ajuda aos astronautas a bordo do laboratório durante muito mais tempo. Apesar de os astronautas no espaço neste momento — um da ESA, outro da NASA e mais um da Roscosmos — estarem disponíveis para permanecer mais tempo no espaço, a única cápsula disponível para o regresso à Terra tem uma data de validade que expira a 4 de janeiro de 2019, ou seja, no máximo três semanas para lá da data prevista para o retorno da tripulação.

Se a Roscosmos não permitir o envio de mais tripulação para o espaço nos próximos quatro meses no máximo, é possível que a Estação Espacial Internacional fique desabitada pela primeira vez desde os últimos 18 anos: “A cápsula Soyuz tem realmente um período de vida. O tempo típico de vida que prevemos numa Soyuz é normalmente de 200 dias. Há uma margem para lá desse tempo, mas não é uma margem muito grande — neste caso, provavelmente apenas até ao início de janeiro. Ter a Estação Espacial Internacional vazia é algo para que estamos sempre preparados, em termos de sermos capazes de a suportar não ter uma tripulação. Especialmente quando temos três pessoas na Estação, uma das coisas que fazemos é certificarmo-nos de que temos uma boa compreensão dos ajustes ao sistema que são necessários para, se tivermos uma estação não tripulada por alguma razão, poderemos continuar a gerir os sistemas da estação com os nossos controlos em terra”.

Além da Roscosmos, a única agência espacial com capacidade para fazer voos tripulados para o espaço neste momento é a Administração Espacial Nacional da China, a agência espacial estatal da República Popular da China. Questionada pelo Observador sobre se pondera adicionar a China ao programa espacial da Estação Espacial Internacional dadas as circunstâncias, a ESA responde que essa hipótese não está em cima da mesa: “Há alguns obstáculos políticos, infelizmente”, respondeu o diretor geral. E a NASA confirmou isso mesmo ao Observador numa resposta por e-mail: “Existe uma legislação que impede os Estados Unidas da América de trabalharem com a China em atividades de voo espacial humano”, afirmou Stephanie Schierholz, uma das porta-vozes da agência norte-americana.

Essa legislação foi assinada em 2011. Nesse ano, o congressista Frank Wolf adicionou uma cláusula ao orçamento federal dos Estados Unidos que impedia a NASA e o Departamento de Políticas de Ciência e Tecnologia da Casa Branca (OSTP) de trabalharem com a China em qualquer possível parceria: “Nenhuma parte do fundo governamental pode ser usado pela NASA ou pelo OSTP para desenvolver, desenhar, planear, promulgar, implementar ou executar uma política bilateral, programa, ordem ou contrato de qualquer tipo para participar, colaborar ou coordenar bilateralmente de qualquer forma com a China ou com uma companhia chinesa”, diz a lei. Além disso, “nenhuma infraestrutura da NASA pode receber visitas de oficiais chineses”.

Congressista Frank Wolf. Créditos: Brendan Hoffman/Getty Images

Frank Wolf justificou: “Não queremos dar-lhes a oportunidade de tirar vantagem da nossa tecnologia e não temos nada a ganhar ao trabalharmos com eles. Francamente, tudo isto se resume a uma questão moral: teria um programa bilateral com Estaline?”. E acrescenta: “A China anda a espiar contra nós e todas as agências governamentais dos Estados Unidos foram atingidas por ciberataques. Eles andam a roubar tecnologia de todas as grandes companhias nos Estados Unidos. Tiraram tecnologia da NASA, atingiram os computadores da NSF [empresa de certificação de produtos]… diga uma empresa e os chineses vão tentar descobrir-lhes os segredos”.

Sem a China no horizonte da NASA, o cenário de uma Estação Espacial Internacional vazia pela primeira vez em quase duas décadas ganha ainda mais peso. E embora os norte-americanos garantam que há forma de ela continuar a funcionar com normalidade enquanto o Soyuz não voltar ao ativo, essa hipótese não é a preferível: “Não digo que podemos fazer isto para sempre, nem queremos porque o nosso objetivo é voltar lá para cima e fazer a ciência e as investigações que precisamos de fazer. Mas em termos de sobrevivência dos sistemas, esses sistemas foram pensados para continuarem a fazer o trabalho deles desde que as baterias continuem carregadas. Se assim for conseguem obedecer a uma quantidade limitada de comandos. Nós temos uma boa redundância nestes sistemas, principalmente nos mais críticos, por isso podemos tolerar algumas falhas críticas e ainda assim continuar a operar a estação”.