O romance Torto Arado, do brasileiro Itamar Vieira Junior, é o vencedor do Prémio Leya, que celebra em 2018 dez anos de existência. O anúncio foi feito ao final da manhã desta quarta-feira pelo presidente do júri, Manuel Alegre, na sede do grupo editorial, em Alfragide, depois de os jurados terem estado reunidos no mesmo local no dia anterior.
Na decisão final, lida por Manuel Alegre, os membros do júri elogiaram a “solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil, colocando ênfase nas figuras femininas, na sua liberdade e na violência exercida sobre o corpo num contexto dominado pela sociedade rural patriarcal”. “Sendo um romance que parte de uma realidade concreta, em que situações de opressão quer social quer do homem em relação à mulher, a narrativa encontra um plano alegórico, sem entrar num estilo barroco, que ganha contornos universais. Destaca-se a qualidade literária de uma escrita em que se reconhece plenamente o escritor”, referiu ainda o júri, concluindo que “todos estes motivos justificam a atribuição por unanimidade deste prémio”.
Itamar Vieira Junior nasceu em Salvador da Bahia, em 1979. Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia, é escritor, colunista da São Paulo Review e geógrafo. Torto Arado — expressão usada pelo poeta luso-brasileiro Tomás António Gonzaga “em vários passos da sua obra”, segundo explicou Nuno Júdice, membro do júri do Prémio Leya — é o primeiro romance do escritor brasileiro, que tem escrito sobretudo contos. É um dos finalistas ao Prémio Jabuti, o mais importante prémio literário brasileiro, na categoria de conto, com o livro A Oração do Carrasco, obra selecionada pelo edital setorial de literatura da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.
Torto Arado será publicado pela Leya no primeiro trimestre de 2019, revelou ao Observador fonte editorial.
“Nunca houve tantos finalistas não portugueses como este ano”
Este ano, o concurso recebeu 348 participações, provenientes de 13 países, onde se incluem Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos da América, China e Islândia. Os escritores portugueses e brasileiros estiveram, como é habitual, em maior número. De acordo com Manuel Alegre, que não participou na votação final do júri porque não teve disponibilidade para ler os sete finalistas mas que admitiu estar de acordo com a escolha, “nunca houve tantos finalistas não portugueses como este ano”. Dos sete que chegaram à final, dois eram moçambicanos e três brasileiros.
O júri deste ano sofreu algumas alterações, depois da saída de Pepetela e dos professores e críticos literários brasileiros José Castelo e Rita Chaves. Estes foram substituídos pela escritora angolana Ana Paula Tavares, pela jornalista e crítica literária portuguesa Isabel Lucas e pelo editor, jornalista e tradutor brasileiro Paulo Werneck. Mantiveram-se no painel de jurados o antigo reitor da Universidade Politécnica de Maputo, Lourenço do Rosário, professor de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra José Carlos Seabra Pereira e o escritor Nuno Júdice. O poeta Manuel manteve-se como presidente.
O Prémio Leya, no valor de 100 mil euros, foi criado em 2008 com o objetivo de distinguir um romance inédito escrito em português. É o maior prémio para uma obra não publicada em língua portuguesa. No ano passado, foi atribuído a João Pinto Coelho, pelo romance Os loucos da rua Mazur. O escritor já tinha sido finalista do mesmo galardão em 2014, com Perguntem a Sarah Gross.
Passado em dois tempos distintos — por altura da Segunda Guerra Mundial, na Polónia, e na atualidade, Os loucos da rua Mazur é um livro “bem estruturado, bem escrito, que capta a atenção do leitor, quer pelo tema quer pela construção em tempos paralelos, um no passado imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial e no início desta, e o outro no mundo atual”, afirmou Manuel Alegre por altura do anúncio do vencedor. “Não cedo ao facilitismo do romance histórico, embora a história seja parte da ação e nos apresente uma visão inédita da tragédia resultante das invasões russa e nazi da Polónia.”