Mário Centeno foi ao Parlamento explicar o Orçamento, mas de todas as explicações que deu, a que menos se percebeu foi o tema que mais tempo ocupou da audição: afinal, qual será o valor do défice em 2019?

A audição que deveria ter servido para apresentar a proposta de Orçamento do Estado para 2019 aos deputados da comissão parlamentar especializada acabou por girar em grande parte à volta das questões colocadas pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) ao valor do défice que o Governo está a prever. O ministro das Finanças ofereceu várias explicações, nenhuma delas satisfatória para os deputados da direita e do Bloco de Esquerda.

“Não achava que o debate seria deste gabarito, esperava uma discussão sobre políticas” e não uma discussão centrada no que está escondido, disse o ministro.

Mas não podia estar mais enganado. Da direita à esquerda, com a exceção do PS e dos comunistas, os deputados não pouparam Mário Centeno a perguntas e pedidos de esclarecimento sobre a mudança na contabilização da despesa e das previsões do défice, a divergência das tabelas revela pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). O ministro respondeu, desvalorizou — “Não há nenhuma novidade” — afirmou que a execução orçamental não é um algoritmo, disse que temos de aumentar a literacia… Mas ninguém percebeu.

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UTAO. Défice no Orçamento enviado ao Parlamento pode ser mais do dobro da meta do Governo

“Não há nada escondido”, garantiu Centeno, que se mostrou “perplexo” pelo que estava a ser discutido. Mas o debate continuou à volta do mesmo tema. “Parece-me que o sr. ministro disse que não percebiam, nem sequer os “expertos” (do inglês experts, peritos) do Parlamento percebem. O mínimo que se espera é que dê uma explicação que não se fique pelo argumento de ignorância. A UTAO é uma entidade independente e credível”, disse a deputada do CDS-PP Cecília Meireles.

Cristóvão Norte, do PSD, acusou mesmo o ministro de fazer uma “aldrabice orçamental” e comparou o ministro a um ladrão apanhado no ato.

Mas não foi só da direita que surgiram as questões. Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, tentou por três vezes obter  explicações. “O senhor ministro não foi capaz de explicar, achará que não conseguimos perceber”, disse a deputada. E até propôs uma explicação:

“Antes, os valores eram apresentados em contabilidade pública e depois ajustados às cativações ou à despesa que não se iam realizar. Este ano, são apresentados apenas os tetos das despesas em contabilidade pública, sem serem ajustados. E o ajustamento aparece apenas na passagem das contas à contabilidade nacional. Assumimos que esse ajustamento é de 590 milhões. É assim?”

A deputada do Bloco queria perceber primeiro tecnicamente antes de tirar conclusões políticas. Afinal, qual seriam as contas para este ano e estamos a falar de cativações e limites à execução de despesa?

Mas as explicações de Mário Centeno não terão sido suficientemente esclarecedoras. Além das garantias de que tudo batia certo, o ministro tentou explicar primeiro que este exercício orçamental tinha sido feito tal como os anteriores. Mais tarde, numa outra explicação, entrou em mais detalhe e disse que não era bem assim, mas que era possível comparar os orçamentos de 2018 e 2019, porque estavam feitos da mesma forma, mas com uma diferença: a famosa tabela que a UTAO — que diz que não dá um défice de 0,2% mas sim de 0,5% — tinha diferenças este ano.

Sem obter uma resposta clara, Mariana Mortágua insiste: “Afinal, o que pode ser comparado e o que não pode? Há cativos que o Governo já dá como certos que não irão avançar e, por isso, o que diz que orçamenta para gastar a mais nos programas orçamentais não é bem o que pensa gastar?” A dúvida não foi esclarecida.

Mas, se Mário Centeno não foi perceptível o suficiente a explicar as divergências nos números, nos ataques o ministro não podia ter sido mais claro.

Os erros dos outros

Sobre o deputado do PSD Duarte Pacheco, Mário Centeno disse que este tinha “um desconhecimento profundo sobre a matéria e que me deixa preocupado” e lembrou a anterior governação. “Os senhores erraram sempre e por isso estão espantados. Não conseguem perceber como se consegue fazer uma estimativa e cumprir”.

Aos expertos, disse: “Façam a mesma conta que o senhor aqui fez, mas isso falaremos noutra altura”. Noutra altura, disse sobre a UTAO — que fez as contas que motivaram o debate — que não se lembra “de nenhum erro inferior a três décimas do PIB, sobre saldos estruturais, sobre saldos globais… todos os erros de previsão são superiores a esta magnitude”. Já sobre o Conselho das Finanças Públicas, que colocou reservas às previsões de crescimento do Orçamento para 2019, disse que nas suas contas “temos erros de magnitude absolutamente descomunal face às previsões para a economia portuguesa”.

Desta lista nem a Comissão Europeia se safou, dizendo que Bruxelas se enganou várias vezes no passado nas contas relativas ao saldo estrutural e que tem plena confiança nas contas que apresentou, porque demonstrou que estas contas, como as de 2016, 2017 e 2018, estão certas.

Mário Centeno alternou as críticas à governação da direita e às previsões das restantes instituições, aos louros pela governação do Executivo de que faz parte, e mais concretamente aos resultados da economia. “Não posso deixar de estar satisfeito com o facto de termos as contas certas. Termos finanças públicas equilibradas não é só um marco histórico na democracia. (…) Os portugueses estavam cansados de retificativos, de inconstitucionalidades”.

O ministro evidenciou ainda que os resultados surgem noutros indicadores. “Sorte foi o resultado do trabalho sério iniciado ainda em 2015. Hoje não é apenas o PIB que veste Prada. Também o desemprego, o saldo primário das contas públicas, o investimento e as contas públicas. Hoje todos vestimos Portugal, e os portugueses têm orgulho nisso”, disse.

Carga fiscal recorde e imposto petrolífero que fica para portaria 

A manutenção da enorme carga fiscal foi o tema trazido pelos partidos à direta. Combustíveis, IVA da energia e empresas foram as três áreas abordadas numa proposta orçamental que poucas novidades trás na frente dos impostos.

Cecília Meireles quis saber se o Governo ia mexer nas tabelas de retenção do IRS para aumentar o rendimento em ano de eleições, mas reduzindo o reembolso no ano seguinte. E sobre o imposto de rendimento, a resposta até veio pela mão do antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Rocha Andrade, agora deputado do PS, corrigiu em alta o corte de mais de mil milhões de euros no IRS cobrado na legislatura.

Sem resposta ficaram PSD e CDS quando questionaram Centeno sobre a eliminação do “adicional” ao imposto petrolífero, prevista numa resolução aprovada pelo Parlamento no inicio do Verão. O ministro das Finanças identificou o adicional com a contribuição inferior a um cêntimo cobrada nos combustíveis há vários anos para financiar as florestas. Essa é para manter. O resto, onde se inclui o agravamento extraordinário de seis cêntimos por litro no imposto, será definido por portaria.

Ainda uma troca de argumentos sobre a redução do IVA da eletricidade, com o ministro a ironizar com o deputado do PSD, Duarte Pacheco: “Dá ideia que o senhor deputado não tem contador em casa, por isso não vai beneficiar da descida do IVA sobre o contador”.

O ministro disse ainda que esta redução vai chegar a mais de três milhões de consumidores (mais um milhão no gás natural). A passagem para os 6% nos contratos com potência mais baixa vai permitir poupar, disse, 10% na fatura final dos impostos.

E a falta de medidas fiscais para as empresas? Centeno não concorda e diz que as empresas vão beneficiar de medidas de 155 milhões de euros, o maior bolo virá do fim do Pagamento Especial por Conta (PEC). E o aumento da tributação autónoma sobre os carros para as empresas? É para promover a descarbonização.