É certo que o ministro do trabalho e da Segurança Social veio ao parlamento para apresentar e debater a proposta de Orçamento do Estado para a sua área, mas o “elefante no plenário” era outro: o travão às reformas antecipadas anunciado pelo próprio ministro Vieira da Silva no dia 17 de outubro, dois dias depois de o governo ter entregado a proposta de OE. Quatro horas de debate depois, “o elefante” ainda lá está. Mesmo com a oposição — e o Bloco de Esquerda — a pedir mais explicações ao ministro, as explicações foram poucas e uma clarificação sobre o tema “só no futuro”.

O PSD abriu as hostilidades ao perguntar a Vieira da Silva se andava “a vender gato por lebre” — acertando uma coisa no Orçamento e anunciando outra, mais restritiva, dois dias depois — mas o maior veneno saiu de um dos partidos que suporta o governo, o Bloco de Esquerda.

Travão às reformas. “Será discutido no futuro, noutro quadro e com outra iniciativa legislativa”, diz ministro

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Para o deputado José Soeiro, o ministro apareceu com uma medida “que não vem no Orçamento” e que representa “um passo atrás, restringindo as reformas antecipadas”. E deixou pouca margem para dúvidas: o PS não deve insistir no mecanismo lido como o “travão” porque “não dispõe de maioria parlamentar para isso”. “Seria imprudente insistir” nessa via, disse.

“Se o fizer contará com a oposição do Bloco de Esquerda”, ameaçou.

Em concreto, José Soeiro referia-se à intenção do ministro do Trabalho e da Segurança Social — em discussão com os parceiros na concertação social desde, pelo menos, maio de 2017 — de, no futuro, apenas admitir ao regime de reforma antecipada as pessoas que tenham 40 anos de descontos quando fizerem 60 anos de idade. Isso significaria que, nesse cenário, apenas as pessoas que começaram a fazer descontos até aos 20 anos poderiam aceder a uma reforma antecipada. Todas as outras teriam de esperar pela idade legal da reforma, atualmente nos 66 anos e quatro meses (deverá subir para 66 e cinco meses em 2019). Foi esse o novo paradigma das reformas anunciado pelo ministro a 17 de outubro.

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Mas isso não consta da proposta do Orçamento. Aquilo que está na proposta do OE — e que foi concertado e negociado com os partidos parceiros à esquerda, Bloco de Esquerda e PCP — é o fim das penalizações pelo fator de sustentabilidade  (14,5% de corte na pensão e 0,5 pontos percentuais por cada mês até à idade da reforma) em duas situações: a partir de janeiro de 2019 para quem tenha 63 anos e 43 de descontos; a partir de outubro para quem tenha 40 anos de descontos aos 60 de idade. Só.

Declarações do ministro lançaram enorme confusão, acusa Bloco

“As declarações do governo sobre as reformas antecipadas lançaram uma enorme confusão na opinião pública”, acusou José Soeiro esta quarta-feira no plenário. O que foi acordado – e num processo que começou em outubro de 2017, disse o deputado bloquista  – era acabar com as penalizações. Só.

Questionado, portanto, sobre o que não vem no Orçamento do Estado, o ministro respondeu com que está inscrito na proposta. “Já disse que o que está no Orçamento do Estado é um regime de flexibilização para as reformas antecipadas das longas carreiras contributivas. Esta norma não inclui nenhuma outra. Os outros regimes até serem alterados, se forem alterados, mantêm-se como até agora”, disse Vieira da Silva.

Mas antes tinha dito mais. Ao referir-se sempre ao que vem inscrito no Orçamento, nunca limitou ou recuou especificamente nas intenções anunciadas a 17 de outubro. E até deu uma resposta que dá para tudo: “O que acontecerá no futuro a outros segmentos será discutido noutros quadros [nomeadamente na concertação social], com outras iniciativas legislativas. Não consta no Orçamento”. Ou seja, diz que os parceiros de esquerda (PCP e Bloco de Esquerda) não podem sentir-se defraudados com o que negociaram para o OE. A justificação que apresentou foi recorrente: a sustentabilidade do sistema da segurança social e uma outra: “nós não queremos que estas medidas incentivem as reforma antecipadas”.

Outro ponto em discussão foi o período de transição para o novo travão às reformas antecipadas, anunciado por Vieira da Silva em entrevista à SIC na sexta-feira passada, com o tema já a “arder” nos comentadores, nos partidos da direita e da esquerda, nomeadamente o PCP e o Bloco.

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Em plenário, Vieira da Silva não deu mais esclarecimentos: sim, haverá um regime de transição “para não defraudar as expectativas”. Como, quando e em que moldes? Não explicou. Aliás, na segunda ronda de perguntas o ministro tinha 25 minutos para responder e — mesmo tendo sido questionado especificamente sobre o período de transição e sobre as novas regras — o ministro preferiu gastar a maior parte do tempo rebater as acusações de que este é “um orçamento chapa ganha, chapa gasta”. No final, ainda deixou quase cinco minutos de tempo de resposta por usar.

Perante a falta de resposta, o deputado do CDS-PP António Carlos Monteiro tentou outra via: acusou Vieira da Silva de não conseguir ou não querer explicar “por que razão as pessoas com mais de 60 anos [que não tenham completado 40 anos de descontos] não teriam direito a uma reforma antecipada” ao abrigo do novo modelo. Mais uma vez, que não está no Orçamento.

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Nova pergunta sobre reformas antecipadas? O ministro respondeu que foi o anterior governo que cortou pensões. e desafiou o deputado popular a aponta na proposta do OE onde está algum corte de pensões. Jogo do gato e do rato no parlamento. Durante quase quatro horas.

Na última ronda, o Bloco de Esquerda pareceu (finalmente) dar-se por satisfeito: “O que retiro da mensagem do senhor ministro é que as pessoas com 61, 62, 63 ou 64 anos, de acordo com o que está no Orçamento, poderão aceder à reforma antecipada”. Mais uma vez: só que o novo regime anunciado por Vieira da Silva não consta da proposta de Orçamento do Estado para 2019.

Foi o próprio ministro quem o recordou, na última resposta, na quarta ronda, já com ânimos exaltados: “o novo regime de reformas antecipadas tem vindo a ser debatido na concertação social, com vários documentos entregues aos parceiros. E com notícias sobre isto na comunicação social. A legislação que sobre isso surgir terá a participação dos parceiros. E mais não digo”. Dito de outra forma: estamos a discutir isto há pelo menos ano e meio, qual é a vossa surpresa?