Um trabalhador da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) apresentou, na passada sexta-feira, uma providência cautelar contra os contratos de emprego científico do próprio empregador, alegando que os concursos abertos para a contração de doutorados choca com os objetivos do novo regime de emprego científico e com os próprios estatutos da instituição. A FCT contesta estas afirmações.

“A providência foi subscrita por um trabalhador, com o apoio dos restantes, por não estar constituída Comissão de Trabalhadores”, explicou o signatário, que não se identificou, ao Observador.

A ação apoiada por cerca de 100 trabalhadores pertencentes aos quadros da agência portuguesa de financiamento da ciência foi feita no seguimento dos concursos abertos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 57/2016, que “aprova um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento”. Para estes trabalhadores, a contratação de gestores de ciência para a FCT ao abrigo desta legislação desvirtua o objetivo do programa que deveria servir para resolver “a situação [laboral] de todos os que se dedicam às atividades de docência e de investigação científica”.

E na FCT não se faz investigação nem ensino. O que leva o signatário da providência cautelar a questionar porque motivo a FCT — e a Direção-Geral do Ensino Superior — é considerada uma instituição do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN). Certo é que o decreto-lei assume que a FCT pertence ao SCTN e prevê a “contratação a termo resolutivo de doutorados para o exercício de atividades (…) de gestão e de comunicação de ciência e tecnologia” nestas instituições.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Tanto o Decreto-Lei n.º 57/2016 como a sua alteração através da Lei n.º 57/2017 têm claramente a gestão de ciência e tecnologia, quando desenvolvidas por doutorados, como uma das funções a serem desenvolvidas ao abrigo dessa legislação”, reforçou a FCT em resposta ao Observador.

Entre todos os bolseiros de gestão de ciência e tecnologia a trabalhar na FCT, desempenhando funções da carreira de técnico superior, 24 são elegíveis para uma contratação ao abrigo da “norma transitória” (constante no artigo 23º do referido decreto-lei). A “norma transitória” prevê que por cada bolseiro doutorado a ser financiado por fundos públicos há três anos (seguidos ou interpolados) deve ser aberto um concurso de contratação para as funções que o bolseiro desempenha. O concurso é público e a vaga pode ser atribuída ao bolseiro que lhe deu origem ou a qualquer outro concorrente que se apresente como melhor candidato no concurso.

A grande contestação dos trabalhadores da FCT a este tipo de vínculo — que garante, no máximo, seis anos de contrato — é que os vencimentos são muito superiores aos dos técnicos superiores nos quadros da função pública. “Mantendo as remunerações que auferem enquanto bolseiros, entre os 1.745 euros e os 2.119 euros líquidos” (no site da FCT é referido que os bolseiros doutorados recebem entre 1495 e 1995 euros), vão ser “valores substancialmente superiores aos valores de remuneração para um técnico superior em início de carreira, na ordem dos 950 euros líquidos, ou mesmo de um técnico superior com 25 anos de carreira, a auferir valores na ordem dos 1.262,53 euros líquidos, para exercerem o mesmo tipo de funções”, escreveu o signatário da providência cautelar. Ao Observador disse que estes bolseiros doutorados tinham “excesso de qualificações” para uma função — gestão de ciência e tecnologia — que “exige apenas licenciatura”.

Ao Observador, a FCT disse que não havia forma de compensar estes trabalhadores por esta diferença salarial, porque nenhum mecanismo da lei de trabalho na Função Pública o prevê. Se houvesse “o enquadramento legal, as autorizações necessárias e a dotação orçamental correspondente”, a FCT disse que estaria disponível para o fazer.

O signatário da providência cautelar acusa a FCT de não respeitar os estatutos e a lei orgânica da instituição ao fazer contratos ao abrigo da “norma transitória”, mas não esclareceu que pontos ou artigos da legislação são violados com estes contratos. A FCT garantiu que cumpre a lei e que perante as preocupações que já tinham sido manifestadas pelos técnicos superiores da instituição fez um pedido de esclarecimentos à Direção-Geral da Administração e do Emprego Público.

O parecer, transmitido pelo gabinete da secretária de Estado da Administração e do Emprego Público, dizia que “esses procedimentos concursais e a abertura de concursos para os mesmos bolseiros ao abrigo do PREVPAP [Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública] não são excludentes”, segundo a FCT. Cabe aos bolseiros escolherem a opção que mais lhe interessa.

Assim, os 24 bolseiros elegíveis para a “norma transitória” também podem ver a sua situação regularizada pelo Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública, mas seriam integrados na carreira com o nível remuneratório mais baixo. A vantagem é que o vínculo na Função Pública não tem prazo, enquanto os contratos ao abrigo da “norma transitória” têm um prazo de três anos, renovável anualmente por mais três. Já para os bolseiros não doutorados, o PREVPAP é a única possibilidade de verem o seu vínculo laboral regularizado.

“Todos os bolseiros a exercer funções na FCT nas datas de referência para o PREVPAP sinalizaram a sua situação e todas as situações identificadas foram aprovadas na Comissão de Avaliação Bipartida, tendo já decorrido os respetivos concursos ao abrigo deste programa”, garantiu a agência financiadora.

Os trabalhadores dos quadros defendem que todos os bolseiros deveriam ter exclusivamente esta possibilidade — ser integrados ao abrigo do PREVPAP — para evitar a criação de “um cenário de injustiça e de desmotivação generalizada nos técnicos superiores que prestam funções na FCT, principalmente por assistirem a tão grande desnivelamento remuneratório entre trabalhadores com as mesmas funções”.

Atualizado dia 19 de novembro com os valores referidos no site da FCT.